O presidente Michel Temer, no
seu primeiro discurso, em cadeia nacional de rádio e TV, disse o seguinte: “O
momento é de esperança e de retomada da confiança no Brasil. A incerteza chegou
ao fim. É hora de unir o país e colocar os interesses nacionais acima dos
interesses de grupos”.
Esperava-se que as elites
dirigentes traduzissem o clamor das ruas por um Brasil melhor com sensatez, generosidade e determinação.
Sensatez para
compatibilizar o ritmo das mudanças necessárias com a gravidade da situação.
Generosidade para
entender que um Brasil melhor é sonho de todos e não somente do grupo a que se
pertence, para, como preconizou Temer, “unir o país e colocar os interesses
nacionais acima dos interesses de grupos”. Generosidade, também, para
potencializar as convergências e deixar as divergências para depois de o tempo
as reduzir às suas reais dimensões.
Determinação para
proceder as correções necessárias para que o país volte ao leito da
normalidade, antes que o agravamento da situação nos mergulhe no caos, mesmo
que, para isso, seja necessário enfrentar poderosas corporações e produzir
cirurgias que provoquem momentâneo sacrifício. Uma travessia em que seriam
enfrentadas dificuldades de toda ordem em que caberia a Michel Temer um único
papel: o de estadista da travessia, conforme sugerido em Um novo Estado Novo (21/12/2016).
Neste texto, apontava-se a
semelhança do cenário atual com o que levou Getúlio ao Estado Novo, em 1937 e o
exemplo de Margareth Tatcher que comandou a Inglaterra nos duros anos de 1980,
pautados por um período de ruidosa decadência econômica e política. Em uma
década, o Reino Unido foi da decadência à revitalização, reconquistando o
espaço perdido na economia global e na geopolítica. Fruto da determinação da
Dama de Ferro que assumiu o timão e apontou o caminho a seguir porque não
havia mais tempo para consultas. “There Is No Alternative”. “Não
sou uma política de consenso. Sou uma política de convicção”, dizia ela.
O que se viu, no entanto, foi
a falta de convicção levar o governo Temer para o balcão de negócios do
Congresso e o conformismo daqueles que poderiam pressionar por mudanças que nos
dessem a esperança da retomada do rumo para um Brasil melhor, mas que preferiram
se garantir nas suas respectivas zonas de conforto. Tudo agravado por ter se
cercado de gente acossada pela Lava Jato.
Resultado: perdemos a grande
oportunidade de transformar 2017 no ano da correção de rumo, depois de anos de
desgoverno, mas o que nos restou foi um quadro desolador, de um país à deriva,
no dizer do Comandante do Exército, sem um projeto de nação.
O Brasil nunca esteve em
patamar tão baixo de esperança, confiança e coesão social, com a lassidão
tomando conta da sua maioria silenciosa. O nosso mal é o baixíssimo potencial
cívico, campo fértil para o surgimento de soluções mágicas, plantadas por salvadores
da pátria.
Manifestações recentes de
juristas como Miguel Reale e Ives Gandra Martins e do sociólogo José Arthur
Giannotti reforçam a avaliação feita.
Miguel Reale, um dos autores
do impeachment, avalia que “o presidente Michel Temer perdeu uma grande
oportunidade de ser um grande presidente, porque manteve o mesmo grupo, a mesma
entourage de pessoas do PMDB não dignas de confiança no plano moral", que
"no plano político, nós continuamos sem dúvida nenhuma no mesmo quadro de
ausência de lideranças, de ausência de seriedade" e que “o Legislativo
trabalha de costas para a sociedade", se movimenta por "motivos
escusos" e, apontando para a lassidão que nos aflige, instiga-nos a criar
uma "nova forma de desobediência civil" que “temos que nos
reorganizar e mostrar que somos contra” (UOL, 15/8/2017). Ou seja, somente a
indignação e a coragem podem restabelecer a esperança.
Isto que constatou Miguel
Reale, em agosto de 2017, foi proposto em dezembro de 2016 em Um novo Estado Novo: devemos ter a
coragem de reconhecer que a crise atual da política e do Estado é “pior do que
a de 1964, quando houve o golpe dos militares”, como veio reconhecer José
Arthur Giannotti, ao comentar, em entrevista à Folha de S.Paulo, 4/9/2017,
seu novo livro “Os limites da política”, porque lá, argumenta ele, apesar de
tudo, “(eles) botaram ordem” e “agora nem isso nós temos. Não quero a volta dos
milicos não. Mas hoje não temos processos de resolução da crise. Isso é um
problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise? Ninguém”. E diante
do espanto do jornalista (“o senhor acredita que nossa situação hoje é pior que
a de 1964 mesmo considerando o fato de vivermos numa democracia, em que temos a
opção de mudar de governo?”), Giannotti justificou: “Veja bem, tudo no Brasil é
formal. Vivemos numa democracia formal. A população se manifesta
hoje? Não, isso só aconteceu em 2013, quando foi para as ruas. As eleições são
falsificadas pelos rios de dinheiros, pela propaganda nas TVs. Isso é melhor do
que o populismo na Venezuela, mas é uma boa democracia? Não é”.
E acrescento: que democracia é
essa que Emilio Odebrecht, na sua delação na Lava Jato confessa que “o que nós temos no
Brasil não é um negócio de cinco anos, dez anos atrás. Nós estamos falando de
30 anos atrás" e que o “sistema de corrupção de políticos com a empresa
existe há décadas”, "tudo o que está acontecendo é um negócio
institucionalizado. Era uma coisa normal”. Em outras palavras: o Brasil virou
um negócio para poucos com uma maquiagem de democracia, mas é “politicamente
correto” afirmarmos e reafirmarmos que vivemos em uma democracia, com as
instituições funcionado a pleno vapor. E digno de elogios se saí da boca de um
chefe militar.
Ao avaliar o governo Temer,
Giannotti traduz a expectativa da maioria, de que buscaria “resolver impasses
do capitalismo brasileiro”, mas que “por enquanto, não conseguiu. E também não
resolveremos o problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção”.
E aborda um dos principais geradores de crises, ao longo de toda a fase
republicana: a profunda crise de Estado; “Além disso, temos no Brasil uma crise
de Estado. Lembre-se da definição do Weber, para quem o Estado tem o monopólio
do poder. Nós não temos o monopólio do poder hoje, no Rio. É,
portanto, uma profunda crise de Estado”.
Já o constitucionalista Ives
Gandra Martins, ao avaliar os atos de vandalismo, de junho, em Brasília, assegurou que “os constituintes de
1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises
políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por
vias normais” e que “Assim, agem na defesa da Pátria (fracasso da diplomacia),
na defesa das instituições contra agressões físicas (fracasso da população em
entender que a violência contra instituições não é própria das manifestações
democráticas) ou da lei e da ordem (fracasso da harmonia entre Poderes ou
invasão de competência de um na de outro).
E o que pensam os chefes
militares?
O general Etchegoyen, ministro-chefe
do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), em entrevista (30/5/2017), diz que
vivemos um momento de crise, mas que atingimos um grau de maturidade
institucional que nos assegura que dela sairemos, sem solavancos
institucionais, pois “a política tem a solução para a crise e a Constituição
tem os remédios, os caminhos para sair desta crise”.
O comandante do Exército,
em entrevista (28/7/2017), depois de
passar meio ano insistindo que “somos um país que está à deriva”, ao ser
instado a comparar a “crise atual com aquela vivida em 1964”, ponderou que “o
Brasil e suas instituições evoluíram e desenvolveram um sistema de pesos e
contrapesos que dispensa a tutela por parte das Forças Armadas. Hoje, elas
estão cientes de suas missões e capacidades e mantêm-se fiéis aos ditames
constitucionais”. “As instituições estão trabalhando e buscando resolver essa
crise” e que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos
brasileiros", que poderão, "nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a
ser seguido".
Como se vê, de três vertentes
da elite pensante deste país nos chegam informações que correm na contramão do
diagnóstico feito pelos dois chefes militares que ocupam as posições mais
destacadas, um comandando a força terrestre e outro junto a um presidente
fragilizado que a nós recorria para se apoiar, em um momento muito difícil em
que não se delineava alternativa, para a sustentação política para as reformas
exigidas, que não fosse o presidencialismo de coalisão que gerou o Mensalão e
toda essa patifaria que está sendo levantada pela Lava Jato.
O Comandante do Exército,
apesar de achar que “somos um país que está à deriva”, acredita que a crise
atual não se compara com aquela vivida em 1964, porque “as instituições estão
trabalhando e buscando resolver essa crise”. Já, Giannotti assegura que vivemos
uma crise “pior do que a de 1964” porque naquela ocasião, o país, também, se
achava à deriva, mas os “milicos botaram ordem” e “agora nem isso nós temos”. E
o mais grave, segundo Giannotti, “hoje não temos processos de resolução da
crise. Isso é um problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise?
Ninguém”. Ninguém, mesmo!
Mas o Comandante do Exército
assegura que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos
brasileiros" que sinalizarão nas eleições de 2018 o rumo a ser seguido”.
Por que o general confia nesta democracia que o Giannotti taxa de formal,
democracia fajuta, de fachada, com eleições periódicas, manipuladas pelo poder
econômico, o que ficou mais do que claro na Lava Jato, dominada por uma massa
de manobra até hoje refém do bolsa família, mas que mais de 90% da população se
considera não representada?
O general Etchegoyen, por
outro lado, assegura que “a política tem a solução para a crise e a
Constituição tem os remédios, os caminhos para sair desta crise”, o que não
corresponde a visão de Miguel Reale, para quem, "no plano político, nós
continuamos sem dúvida nenhuma no mesmo quadro de ausência de lideranças, de
ausência de seriedade", pois “o Legislativo trabalha de costas para a
sociedade" e nem com a de Giannotti , para quem “não resolveremos o
problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção”.
Enquanto isso, o
constitucionalista Ives Gandra Martins, assegura que “os constituintes de 1988
deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas
e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais”.
Estabilizador e não interventor, pois não mais existe condições para repetir
64.
Em suma: enquanto três
ilustres representantes da nossa elite pensante asseguram que vivemos em uma
democracia de fachada, com instituições fragilizadas e que, repita-se, “os
constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador
das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma
solução por vias normais”, nossos mais destacados chefes militares insistem
que “a política tem a solução para a crise e a Constituição tem os
remédios, os caminhos para sair desta crise”.
Aí, vem a pergunta: o que leva
os chefes militares à posição tão contemplativa, confiando que “a política tem
a solução para a crise”, que a saída para a crise do país "está nas
mãos dos cidadãos brasileiros", que poderão, "nas eleições de 2018,
sinalizar o rumo a ser seguido"?
Atribuo ao que já foi abordado
em O arquipélago Brasil (25/3/2016),
sobre uma palestra do general Etchegoyen, onde o então chefe do Estado Maior do
Exército, definiu a forma como os militares consideram suas relações com o
Governo e a Sociedade: “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em
que os espaços são mutuamente acordados e respeitados”. Modelo, aliás, sugerido
por Huntington (Samuel, The Soldier and the State, 1957) quando pregou que “a
condição fundamental para a realização do ideal democrático, de manter os
militares fora da área política, é a máxima profissionalização possível das
forças armadas”, no caso, através do que ele chamou de domínio civil
“objetivo”, que resulta na neutralização política dos militares e na ampliação
da sua autonomia. E, quando lhe perguntaram a razão de não ser um general o
Ministro da Defesa, assegurou que “É melhor com um político no MD, pois nós
cuidamos da Força e ele (o MD) vai cuidar das questões políticas”. “O ministro
da Defesa tem que ser político, tem que ter poder político”, confirmou a
influência do modelo de Huntington que sustenta a tese de que a consequência
lógica deste fato é que o corpo de oficiais entrega a política aos políticos. A
maneira mais certa de afastar os militares da política é encorajá-los a
permanecerem completa e integralmente profissionais.
E o que acontecerá se a
política não resolver?
Necessário um parêntesis para
que se aborde uma convicção que vem se consolidando, desde meados dos anos de
1970, com o conhecimento do Teorema da Catástrofe que foi apresentado, em 1972,
pelo matemático francês René Thom, em “Stabilité structurelle et morphogenèse”.
O Teorema da Catástrofe descreve as situações em que a ação
contínua de forças variáveis conduz às chamadas catástrofes ou alterações
bruscas de comportamento, sejam elas naturais, pessoais ou sociais,
longe de serem acontecimentos excepcionais, são parte constitutiva e necessária
da realidade.
Segundo René Thom, a realidade
pode ser imaginada como uma sucessão de pontos regulares que se sucedem uns aos
outros ao longo do tempo. A isso chama de evolução. Ocorre, no entanto, um
ponto em que a trajetória se bifurca em direções opostas. Para continuar é
necessário dar um salto. Em qualquer sentido, ocorre uma revolução, uma
catástrofe.
Socialmente, somente
evitaremos o impacto da catástrofe, o caos da revolução, se a considerarmos,
como Thom, integrante da realidade e nos prepararmos para contorná-la, através
de pequenos e sucessivos saltos ou cirurgias reparadoras.
Quem me acompanha sabe da minha convicção de
que somente, através de cirurgias reparadoras conseguiremos fazer as
reformas estruturais que os nossos sonhos, de uma grande e poderosa nação,
exigem. Assim foram as propostas feitas, durante a Constituinte de 1988 quando
tentei, através de parlamentares e de artigos (“Por trás do Urutu”, Jornal do
Brasil e Correio Braziliense, 25/10/1987) ajustar o papel dos militares às
nossas demandas, combater a Miséria para não ter que combater, mais tarde, seus
produtos, o pobre, a insegurança e a exclusão social o que está, cada vez mais se
tornando a realidade, nos grandes centros.
Depois,
a insistência em convencer os militares de que tínhamos, até mais graves, os mesmos problemas que se arvoravam em
resolver, no Exterior, em missões da ONU e que me renderam, nos anos seguintes,
duas prisões e um editorial no Noticiário do Exército (“O país das maravilhas”,
11/07/1991), mas que me deixaram com a paz do ”pelo menos eu tentei e se
tivessem feito, outra seria nossa situação”: reconhecer a existência de uma
guerra híbrida iniciada no fim dos anos de 1960 e enfrentá-la, em vez de se
voltar para a guerra dos outros, Haiti, Timor, Moçambique, etc. Reconhecer que
deveríamos combater a pobreza para que mais tarde não tivéssemos que combater o
seu produto, o miserável.
A última cirurgia reparadora
foi encaminhada em proposta feita em Um
novo Estado Novo (21/12/2016) e, agora, complementada, visando evitar que
os militares venham a se envolver em atividades que os afastem daquelas
previstas na Constituição, mas que, também, não fujam daquelas que ali estão
previstas, a começar pela defesa do Estado Democrático de Direito e de seus
fundamentos. Fecha-se o parêntesis.
O objetivo do proposto
em Um novo Estado Novo (e do aqui
complementado) é, exatamente, evitar que se chegue a impasse que leve à
hipótese levantada pelo general Mourão na repercutida palestra feita na loja
maçônica de Brasília: “ou as instituições solucionam o problema político, pela
ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em
todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor uma solução… e essa imposição
não será fácil, ela trará problemas”.
E trará, certamente, problemas
porque a crise atual, como assegura Giannotti, é “pior do que a de 1964, quando
houve o golpe dos militares”, mas o cenário é completamente diverso daquele
dominado pela Guerra Fria, em todos os sentidos, pois lá existiam quadros,
outro era o perfil da Forças Armadas, ajustado, social e culturalmente, com o
da sociedade, formando um networking que foi decisivo para o sucesso de 64 e,
importante, a existência de um arcabouço de projeto de nação, gestado na Escola
Superior de Guerra, ao longo de toda a década de 1950.
E hoje?
Já não existe mais aquela
identidade entre as elites civis e militares, o país se contentou em ser um
player fornecedor de commodities e dependente da poupança estrangeira o que
torna a sua economia dependente dos humores externos, um Estado fragilizado,
incapaz de atender as demandas sociais básicas, com níveis de educação
incompatíveis com a excludente economia globalizada, com vergonhosos
indicadores de criminalidade e, o mais grave, com baixíssimo nível de potencial
cívico.
E o mais preocupante, no curto
prazo: nuvens ameaçadoras no horizonte político onde se vislumbra somente
salvadores da pátria, cuja principal bandeira é potencializar a já forte
rejeição à classe política o que já sabemos, por experiência própria, ganha votos,
mas é prenúncio de mais instabilização, de aprofundamento da crise de Estado,
pois a paciência do brasileiro já passou do limite suportável. A nossa coesão
social está tão baixa que se suspeita que não suportaria mais uma desilusão. O
brasileiro está aterrorizado com a violência, as baixas internas são de um país
em guerra, no Rio de Janeiro o Estado brasileiro já perdeu o monopólio do
poder, há muito tempo, Estados e Municípios estão falidos. A nossa Educação
Fundamental é uma das piores do mundo o que nos reserva um negro futuro. São
urgentes reformas estruturais para encaminhar o fim desta recessão que está
sufocando a todos. O próprio general Etchegoyen reconheceu isso em entrevista
ao Valor (2/12/2016): “Essa crise, se
nós perguntarmos para qualquer brasileiro o que tem que ser feito, as respostas
seriam reforma da Previdência, reforma política, reforma trabalhista, reforma
tributária. Rediscutir algumas questões da Constituição de 1988, pois ela
também tem participação. Agora nenhuma reforma dessas, mesmo que trocássemos a
Constituição inteira, nada vai funcionar se não tivermos instituições fortes”.
Acrescento: nenhuma dessas reformas sairá do papel com este Congresso de
vendilhões.
E o Brasil não pode parar. A
solução será usar os recursos constitucionais disponíveis, compensar as nossas
frágeis instituições, pois, segundo constitucionalista Ives Gandra
Martins, “os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de
estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem
incapazes de uma solução por vias normais”.
A proposta
A proposta feita (e aqui
complementada) visava evitar que os militares venham a se envolver em
atividades que os afastem daquelas previstas na Constituição, mas que, também,
não fujam daquelas que ali estão previstas, a começar pela defesa do Estado
Democrático de Direito e de seus fundamentos, cuja pedra angular é a soberania
que estamos perdendo no dia-a-dia, pois sem ela de nada valem os demais
fundamentos (art.1º), cidadania, dignidade da pessoa humana, valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
A proposta é isolar e blindar
o presidente Temer e recorrer ao art. 91 da CF/88, já regulamentado pela
Lei 8.183/91 que dispõe sobre a organização e funcionamento do Conselho de
Defesa Nacional (CDN), um órgão de consulta do PR nos assuntos
relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado Democrático
de Direito (art. 1º). Compete ao CDN, “opinar sobre a decretação
do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal” (art.
1º, parágrafo único, b).
Compõem o CDN (art.2º) o Vice
PR, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, os ministros da Defesa,
Justiça, Relações Exteriores, da Fazenda e os comandantes militares das três
forças, sendo que o PR poderá nomear membros eventuais (art.2º, §1°) e
“poderá contar com órgãos complementares necessários ao desempenho de sua
competência constitucional” (art.2º, §1°) e o CDN se reunirá por
convocação do PR que poderá ouvir o Conselho de Defesa Nacional mediante
consulta feita separadamente à cada um dos seus membros, quando a matéria
não justificar a sua convocação (art.3º, parágrafo único).
O CDN terá uma “Secretaria Executiva para execução das atividades permanentes necessárias ao exercício de sua
competência constitucional” (art.2º, §3°).
Cabe, pelo art.4º, ao GSI/PR
executar as atividades permanentes necessárias ao exercício da competência do
CDN, podendo “ser instituídos, junto ao GSI/PR, grupos e comissões
especiais, integrados por representantes de órgãos e entidades,
pertencentes ou não à Administração Pública Federal” (art.4º, Parágrafo
único). Com base neste dispositivo, poderiam ser formadas comissões para
avaliar as reformas estruturais mais importantes, como a Política, a
Previdenciária, a Trabalhista e a Tributária, visando a sua implementação
imediata.
Alguma dúvida sobre a montagem
de um Gabinete de Crise, ao estilo do Gabinete Negro montado por Getúlio, em
1937, com a cobertura da legislação em vigor?
Os três comandantes militares
(MB, EB e FAB), Nelson Jobim, como Secretário Geral/CDN e contando com o
general Etchegoyen, como ministro-chefe do GSI/PR, convenientemente formatado,
enquadrariam todas as cirurgias necessárias, como assuntos de “soberania
nacional” ou de “defesa do Estado Democrático de Direito”.
Mais um parêntesis é
necessário para justificar a proposta por Nelson Jobim:
Dificilmente se encontrará um
político mais ajustado a esta importante função do que Nelson Jobim, devido ao
seu fácil trânsito em todo o espectro político e a sua experiência. Jurista
renomado, foi deputado federal (1987-1995) com importante participação na
Constituinte, como membro titular da Comissão de Sistematização e Redação e
membro da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Ministro
da Justiça (1995-1997). Ministro e presidente do STF (1997-2006), tendo,
voluntariamente, deixado o STF, em 2006. Ministro da Defesa (2007-2011).)
Alinho algumas das cirurgias
necessárias que poderão, depois de implementadas e testadas, serem submetidas a
referendo popular:
Reforma
política: nos termos da proposta em Um novo Estado Novo com a
institucionalização do Poder Moderador, exercido pelo Presidente da
República que ficaria, com a assessoria do CDN, com os assuntos de Política
Externa e Defesa Nacional, ficando o poder Executivo com nomeação do PR, mas
demissível pelo PR ou pelo Congresso Nacional e os poderes Judiciário e
Legislativo. Se “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos”, conforme reza o parágrafo único do art. 1º da
Constituição, nada mais natural de ser o Poder Moderador exercido pelo PR,
pois, é o único eleito pelo voto de todos os eleitores brasileiros.
Reforma
Previdenciária
Reforma
Trabalhista
Revolução
no Ensino Fundamental: nos termos da proposta em Um novo Estado Novo. Existe maior
déficit de soberania, em um mundo, em que o capital moderno é o do conhecimento,
quando sabemos que o nosso ensino fundamental é um dos piores do mundo, visto
que hoje nos encontramos em 70/77, no ranking OCDE? Caso não se faça uma
revolução no ensino, inviabilizaremos o sonho da criação de um Brasil melhor,
com uma liderança mundial, pelo potencial que Deus nos deu. A valorização do
professor com vigorosa melhoria salarial e exigência de um retorno em
excelência no ensino. Esta cirurgia, além de necessária é urgente, com um plano
de implementação de, no máximo, cinco anos. Habilmente implementada, poderá
resgatar a massa de professores que, por pura insensatez, foi jogada no colo da
Esquerda.
Matriz
Salarial Única: nos termos da proposta
em Um novo Estado Novo, para enquadrar
todos os servidores do Estado, acabando com as castas e com os privilégios das
corporações mais poderosas alojadas na Judiciário e o MP.
Revolução
Tributária: A ideia é aprofundar a
tendência dos constituintes de 1988 de pautar o sistema de financiamento do
Estado por uma profunda desconcentração financeira que invertesse o fluxo dos
recursos arrecadados, transformando o município no único arrecadador de tributos,
com uma ampla autonomia fiscal e com a obrigação de recolher somente dois
tributos para custear os orçamentos federal e estadual.
O município poderia montar a
matriz tributária que melhor se ajustasse às suas características, na busca de
competitividade, graduando a carga dos diversos tributos dentro da faixa
estabelecida pela União.
O sistema de arrecadação e
fiscalização seria o mesmo. O que alteraria seria o destino dos recursos
arrecadados a ser determinado pelo endereço fiscal dos contribuintes, pessoa
física ou jurídica.
Muitas são as vantagens. Todas
no sentido de se criar um Estado federativo mais moderno, dinâmico e
democrático.
Facilitaria o controle social.
O prefeito é o executivo público mais acessível ao cidadão. É no município onde
vivemos. Menor seria a sonegação pelo comprometimento do contribuinte com a sua
cidade.
Acabaria o passeio do
dinheiro, uma das maiores fontes de desperdício e de corrupção. Acabaria o
clientelismo que desfigura o Orçamento da União. Fortaleceria o regime
federativo.
Os municípios começariam a se
compor na busca de soluções regionais e de competitividade. As microrregiões
formadas teriam mais facilidade para progredir, mais liberdade para se
articular e se inserir na economia globalizada. O norte da Itália é um exemplo,
com soluções que estimulam a formação do capital social necessário ao
desenvolvimento sustentado.
Acabaria a indústria das
emancipações que só causam desperdícios. A emancipação exigiria uma reflexão
dos cidadãos quanto à capacidade de custear a construção da infraestrutura
pública e de pagar os dois tributos, o federal e o estadual.
As dificuldades iniciais, os
desequilíbrios, seriam compensados pelos municípios mais ricos que preferirão
exportar seus excedentes de riqueza a importar a miséria que chega, se instala
e gera custos de toda ordem. Simplicidade, eficiência e transparência.
Induvidosamente, esta proposta
colocaria a totalidade das prefeituras ao lado do Governo, independente das
cores partidárias, pois o prefeito é orientado pelas demandas da sua comuna.
A migração do estado atual
para o de reforma plena exigiria um prazo para capacitar municípios a gestão
dos recursos arrecadados.
Intervenção
federal no RJ com a decretação do Estado de Sitio, “por
todo o tempo que perdurar a guerra” (CF, art.137, II/art.138, §1º) porque se
reúnem todos os componentes para caracterizar a situação como uma guerra
híbrida. Existem 853 áreas em que o Estado não mais detém o domínio do
território o que ameaça à integridade nacional (CF, art.34, I) e seus moradores
vivem submetidos ao terror por traficantes ou milícias com grave agressão aos
“direitos da pessoa humana” (CF, art.34, VII, b). Pesquisa recente do Datafolha
aponta que 72% dos seus moradores, se pudessem, abandonariam o RJ para fugir da
violência o que se caracteriza como um “grave comprometimento da ordem pública”
(CF, art.34, III) sendo o RJ um estado falido que está a exigir a reorganização
de suas finanças (CF, art.34, V)
Não passo nem por perto de
querer dar a solução, mas cumpro meu dever de cidadão de participar do debate
nacional na busca de um rumo para esta, no dizer do comandante do Exército,
“nau à deriva” que pode se transformar, caso continuemos cometendo insensatezes,
naquela imortalizada pelo holandês Bosch: a Nave dos Loucos.
Péricles da Cunha é Tenente
Coronel Veterano (AMAN/MatBel-1963, IME/Eletrônica-1971), autor do livro “Os
Militares e a Guerra Social (Artes e Ofícios, 1994)
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