domingo, 25 de agosto de 2019

AMAZÔNIA 4.0: RECONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO AMAZÔNICA (I)




Em janeiro de 2018, tentei apresentar uma proposta para inserir o Clube Militar no debate nacional e comprometer os principais candidatos com assuntos que para nós, militares, são de suma importância: a defesa do Estado Democrático de Direito e de seus fundamentos, cuja pedra angular é a SOBERANIA que estamos perdendo no dia-a-dia, pois sem ela de nada valem os demais fundamentos (art.1º), cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.

Salientava que muitos são os déficits de soberania que estão silenciosamente solapando as bases sobre as quais sonhamos construir uma poderosa nação, um Brasil melhor para nós e para as futuras gerações e que é obrigação nossa, militares, identificá-los, mostrá-los para a Nação e participar do esforço para eliminá-los.
Este o papel do Clube Militar, compatível com a sua história e que o recolocaria na mesa de debates nacional como um protagonista, com a relevância ímpar de buscar o comprometimento de todos os candidatos com o combate a estes déficits de soberania.

A proposta previa um Ciclo de Debates sobre a Soberania Nacional com reuniões nas principais capitais do país, nos meses de março, abril e maio.

Durante o mês de junho de 2018, uma Comissão de Sistematização, elaboraria o documento Compromissos com a Soberania Nacional que seria a agenda para o debate individual com os principais candidatos, ao longo dos meses de julho e agosto.

Para este Ciclo de Debates sobre a Soberania Nacional, além de militares, seriam convidadas lideranças expressivas do meio empresarial, universitário e da sociedade, bem como, autoridades civis e militares. O sucesso destas reuniões estaria na absoluta neutralidade, em relação às diversas correntes que disputarão a eleição presidencial, deixando, sempre, bem claro que o objetivo do Clube Militar é debater questões de soberania nacional, passando longe de qualquer demanda corporativa.
Logicamente, a proposta não recebeu a mínima atenção, pois o foco estava na formação de uma grande bancada fardada no Legislativo, estadual e federal.
Entre os temas propostos constava a Recontextualização da Questão Amazônica que, dada a atualidade do assunto está sendo novamente postado, separadamente.

PROJETO NACIONAL PARA A AMAZÔNIA

Passamos nós, militares, os últimos trinta anos, sentados à margem do debate nacional sobre a questão amazônica, movido por dois paradigmas antagônicos: a conservação total e irrestrita, com a criação de grandes áreas protegidas legalmente; ou a exploração por meio da transformação da mata em commodities, seja por meio da agricultura ou de outras atividades comerciais. E, repita-se, o conselho de Felipe Gonzáles: se quisermos modificar esta realidade deveremos nos dispor a nos molhar porque, nada adiantará ficarmos à margem do debate, indignados com a demarcação de imensas reservas indígenas orquestradas por interesses escusos que, a título de uma preservação da intocabilidade cultural, sacrifica os povos da floresta e nos causa profundos déficits de soberania.

Não podemos nos esquecer de que possuímos quase 70% da maior floresta tropical e bacia hidrográfica do mundo, que conta com 7,8 milhões de quilômetros quadrados, distribuídos entre nove países, sendo um deles uma potência nuclear, de fora do continente. E que de esta imensa área dependerá o futuro do Brasil, da América do Sul e do planeta.


Depende unicamente de nós, brasileiros, o papel que exerceremos no sistema de poder mundial: de um dos principais protagonistas, como uma nação rica, principal agente da integração regional e estabilizador das aflições da humanidade com relação à mudança climática, meio-ambiente, energia e água. Ou de um coadjuvante país periférico com restrições, até no exercício pleno da soberania.
No vídeo, de 6/8/2017, o deputado Jair Bolsonaro, ao abordar o seu projeto para a floresta amazônica, faz uma projeção do que nos ameaça: “Se nós levantarmos aqui o fuzil e falar ‘a Amazônia é nossa’, nós vamos perder a Amazônia. A Amazônia, hoje em dia, não é mais nossa, pelas suas riquezas minerais, biodiversidade, água potável, espaço vazio e etc. Temos que nos aproximar de países democráticos, de poderio nuclear e influência no mundo, para poder explorar em parceria essa região o que é muito mais producente e lucrativo para nós do que nós continuarmos a fazer uma exploração predatória para as nossas riquezas”. Esta, a visão de um dos nossos, que é candidato à presidência da República.
“O mais grave do que a ameaça internacional sobre a Amazônia é o quase total desconhecimento das lideranças nacionais e da sociedade brasileira em relação à Amazônia. O resultado é que a discussão sobre a Amazônia muitas vezes é superficial e equivocada, fruto do desconhecimento da realidade como ela é”, constata Virgílio Viana, Ph.D. pela Universidade de Harvard, Livre Docente pela USP, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável, no excelente artigo A Amazônia e o interesse nacional (revista Política Externa, Mai/2011).

O que importa é que não podemos perder mais tempo, pois estamos correndo sério risco de perdermos o comandamento sobre algo que está em nossas mãos.

Em setembro/2016, na revista acadêmica "Proceedings of the National Academy of Sciences", foi publicado o estudo “O uso de terra e riscos de mudança climática na Amazônia e a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento sustentável”, que propõe a criação de um “Vale do Silício amazônico” para se pesquisar matérias-primas que devem impulsionar a quarta revolução industrial o que vem reforçar a sugestão de Virgílio Viana ( A Amazônia e o interesse nacional, Política Externa, Mar/Abr/Mai 2011): transformar a riqueza da Amazônia em fonte de recursos para erradicar a pobreza na região, valorizar a floresta em pé, reduzir o desmatamento e ampliar as vantagens competitivas internacionais do Brasil.

Este estudo repercutiu na alemã Deutsche Welle, de 21/9/2016: para o empreendedor peruano Juan Carlos Castilla-Rubio, fundador da Space Time Ventures, incubadora de empresas de tecnologia e que teve a iniciativa de lançar a Amazon Third Way (A3W), a Amazônia é o próximo centro de inovações do mundo, mas ainda é cedo para dizer se a floresta tropical será tomada por laboratórios de alta tecnologia. "Ainda não sabemos como isso vai acontecer exatamente, é um tema que vai durar 20 anos ou mais. Mas sabemos que a capacidade e conhecimento local precisam ser reforçados, e muito", comenta Castilla-Rubio, que compara o nível de dificuldade do projeto "à ida do homem à Lua".

O objetivo da proposta deste empreendedor peruano é mapear os ativos biológicos da Amazônia, registrar e certificar essa propriedade intelectual usando plataformas abertas, sistematizar os direitos e obrigações associados a essas informações e desenvolver um marketplace global, no estilo “Ebay”, de forma a reduzir o custo de pesquisa e transação dessa propriedade intelectual. Esses dados irão fomentar o desenvolvimento de uma miríade de tecnologias, incluindo novas estruturas têxteis, formas alternativas de produção de energia, sensores, algoritmos de inteligência artificial, tecnologias de sequestro de carbono, entre outras.

“Existem cerca de 285 mil produtos derivados da biodiversidade mundial, mas só conseguimos sintetizar 10 mil deles”, afirma Castilla-Rubio. Amazônia concentra 25% da biodiversidade do planeta. A questão é que governos sempre relutaram em abrir esse banco de dados, por medo da chamada pirataria biológica. Mas, segundo o empreendedor, isso, na verdade, criaria um mercado capaz de financiar as pesquisas e a preservação da floresta.

Acrescenta a Deutsche Welle que nesta chamada "terceira via", a proposta dos cientistas enxerga a AMAZÔNIA COMO UM PATRIMÔNIO BIOLÓGICO GLOBAL, que pode impulsionar a nova revolução movida a inteligência artificial e tecnologias que "imitam" a natureza –o biomimetismo. Desvendar de que plantas e animais são feitos, como organismos se locomovem e percebem o ambiente, por exemplo, são a chave para criação de materiais, sensores e até robôs do futuro.

Não podemos nos esquecer do detalhe: Castilla-Rubio é peruano e seu país detém 13% deste condomínio amazônico.

Vale transcrever trechos do excelente “A Amazônia e o interesse nacional”:

a)  É tempo de o Brasil rever o rumo da sua política externa e pensamento estratégico no tocante à Amazônia. A Amazônia é um dos principais ativos estratégicos do país no século 21, mas estamos presos a velhos paradigmas do século passado. Isso tem impedido ao Brasil um posicionamento mais sofisticado e estratégico nos diversos fóruns onde se formata os instrumentos de regramento internacional. Necessitamos uma visão mais contemporânea do que vem a ser o interesse nacional relacionado com a Amazônia.

b)  É necessário revisitar os pressupostos e paradigmas que serviram de base para a formulação da política externa do Brasil em relação à Amazônia. Está em risco a soberania nacional sobre a Amazônia? O interesse e a cobiça externa justificariam uma ocupação militar da região por potências ou organismos internacionais? Devemos defender nosso direito de desmatar para desenvolver? A quem interessa desmatar: ao Brasil ou a alguns poucos brasileiros? Manter a floresta em pé é bom para o Brasil? Devemos ser contra a ligação entre a Amazônia e o tema das mudanças climáticas globais? Estamos tratando adequadamente os assuntos com nossos países vizinhos que fazem parte da Amazônia continental?

c)  Um dos alicerces do pensamento tradicional sobre a Amazônia é a suposição de que haveria planos, complôs e estratégias em curso para uma ocupação militar e política da Amazônia brasileira por potências estrangeiras ou organismos internacionais.

d)  Obviamente, não devemos negligenciar os interesses e movimentos de outros países na região. Temos que estar alertas, inclusive com nossos vizinhos. Felizmente, os militares desempenham com competência sua função de guardiões de nossas fronteiras. Identificar os inimigos certos e nossas metas estratégicas é essencial para vencermos a batalha contemporânea pela defesa da Amazônia.

e)  É tempo de não basear o pensamento estratégico brasileiro na tese da existência de uma conspiração em curso com o objetivo de internacionalizar a Amazônia, pois alegados interesses econômicos de outros países sobre os recursos naturais da Amazônia não precisam de tropas ou domínio militar estrangeiro para usufruir das riquezas da região. Não se justifica o custo e o ônus de uma ocupação militar para garantir o acesso aos recursos naturais da Amazônia.

Nesta proposta de Terceira Via está a grande oportunidade para assumirmos a liderança e fazermos uma recontextualização, deixarmos de lado velhos paradigmas e estabelecermos novas bases para uma estratégia nacional que oriente um projeto nacional para a Amazônia.

O general Villas Bôas, comandante do Exército, em artigo de anos atrás, “Amazônia - desafios e soluções” (Vermelho, 11/9/2015), pauta um debate que seria muito importante que fosse provocado pelo Clube Militar, neste ano eleitoral: “O momento em que vivemos é crucial, pois algumas das escolhas que necessitamos fazer acarretarão consequências possivelmente irreversíveis, legando às gerações futuras os benefícios ou os prejuízos delas decorrentes. A ocupação seguirá sendo extensiva e empreendida livremente como consequência natural de fluxos migratórios ou será conduzida pelo Estado? Privilegiaremos a preservação do meio ambiente ou colocaremos o ser humano como centro e razão de ser dos processos? Seria possível obter o equilíbrio entre ambas as condutas? Os brasileiros de origem indígena serão protagonistas ou permanecerão à margem dos processos? Que prioridade terá a exploração dos recursos naturais? Prevalecerão os interesses nacionais ou permitiremos que posturas internacionalistas a eles se sobreponham? Chamaremos a participar os demais países condôminos da enorme bacia, inclusive no que diz respeito às ações relativas à segurança e ao combate aos ilícitos? Em suma, que modelo a sociedade brasileira pretende adotar para balizar o enfrentamento dessa jornada histórica? É essencial que a nação brasileira se conscientize da grandeza desse desafio, tornando-se necessário que se busque visualizar o que, concretamente, a Amazônia representa para o Brasil e que papel no futuro lhe está destinado cumprir”.

O fundamental, segundo A Amazônia e o interesse nacional, “é a urgência de substituir os velhos paradigmas que ainda influenciam a formulação de políticas nacionais e internacionais relevantes para a Amazônia. Com os conceitos e paradigmas devidamente realinhados, faltará apenas a vontade política e a mobilização da sociedade brasileira entorno destes enormes desafios. O tempo urge diante da gravidade do processo de mudanças climáticas globais. Ainda há tempo”.

quinta-feira, 28 de março de 2019

SONHOS E FRUSTRAÇÕES DE UM TENENTE DE 64 (Onde foi que erramos?)




Nota do autor:
este texto foi escrito em março de 2014

Uma república dominada por sindicalistas pelegos somente não foi instalada em 1964 por duas razões: falta de um líder carismático e a pronta reação das Forças Armadas.
Passado meio século constatamos que uma república dominada por sindicalistas já foi instalada no país por duas razões: a existência de um líder carismático (único gerado pelo regime militar) e a omissão dos militares. A mesma república sindicalista, porém, com uma corrupção muito mais refinada, suportada por uma sólida aliança com o grande capital e garantida por uma base eleitoral mantida pelos cofres públicos.
Onde foi que erramos, a ponto de termos transformado em frustrações os sonhos de um jovem tenente que chegava à tropa, juntamente com 356 companheiros, pensando em ajudar a construir um Brasil melhor?
Uma visão retrospectiva mostra que a intervenção que os militares fizeram em 64 foi para garantir que os interesses superiores da nação não fossem sobrepostos pelos interesses escusos de governantes que estavam na iminência de assumir graves compromissos à revelia da nação, pretendendo interpretar despoticamente o interesse nacional que, no contexto de uma democracia, deve corresponder essencialmente ao interesse real da população, e não aos interesses de grupos dominantes, que não atenda necessariamente às aspirações e interesses legítimos dos diferentes estratos da sociedade.
E o interesse dos grupos governantes apontava para a instalação de uma república sindicalista que, como um câncer, espalharia metástases por todo o Estado e a sociedade, para controlar aquele e subjugar esta. O rumo desta república sindicalista seria dado pela resultante da conjugação de forças que transformariam o Brasil em algo parecido com a república bolivariana em que Chávez transformou a Venezuela.
Reconhecemos que o interesse nacional não pode ser definido como construção intelectual de um grupo, mas, também, que na conjuntura que vivíamos nos anos 60, o Brasil era dividido (como ainda é hoje) em uma maioria desorganizada e uma minoria organizada, onde se conjugam grupos de interesse, entre os quais as Forças Armadas, o grupo que, reconhecidamente, não só é o que mais reflete o perfil da nação como o que tem a consciência mais nítida do que corresponde aos interesses permanentes da nação, aqueles que constituem o núcleo irredutível do conceito de interesse nacional: a sobrevivência nacional, a integridade territorial, a independência, a autodeterminação e a segurança nacional, o bem-estar da população, a defesa da identidade cultural, a preservação dos valores nacionais, etc.
Óbvio que erramos, mas onde foi que erramos, a ponto de transformar sonhos em frustrações?
Erramos porque não tivemos a coragem de fazer a intervenção que a situação exigia e que a sociedade imaginava que fizéssemos. É nossa a responsabilidade porque a sociedade nos deu a oportunidade de corrigir o rumo e desperdiçamos quem sabe, a melhor oportunidade para que nos transformássemos na grande nação com que sonhávamos.
Não vislumbramos a complexidade do problema. Preocupamo-nos somente com o que víamos do iceberg, a Guerra Fria e seus reflexos internos. E não nos preparamos para enfrentar a sua parte submersa, imensamente maior. Não preparamos lideranças à altura dos desafios, gente capaz de praticar uma política de nação, de penetrar no imaginário e nas expectativas das pessoas para delas extrair a síntese das suas aspirações. Contemporizamos com uma política cheia de vícios simplesmente para manter uma caricatura de democracia. Deixamos hibernando uma corrupção que agora ameaça a própria existência do Estado com escândalos e roubalheiras por todos os lados.
Em vez da necessária cirurgia, uma envergonhada intervenção que se traduziu na entrega da Economia para o liberalismo econômico de economistas liderados por Eugênio Gudin, a Política para os velhos caciques políticos, inclusos os mais retrógrados e corruptos coronéis políticos do Norte e Nordeste, reservando para os militares a tarefa de garantir, através do autoritarismo, que estas áreas operassem sem qualquer contestação e a missão de enfrentar a subversão. Não fomos capazes de visualizar a trajetória da sociedade brasileira para preparar o seu futuro.
A criação daquela nação que todos sonhávamos passava obrigatoriamente pela definição de um projeto nacional forjado pela participação organizada de todos os brasileiros, o que somente seria alcançado através de uma profunda reforma estrutural que permitisse, no longo prazo, a criação de um potencial cívico capaz de gerar um projeto de nação forjado por todos os brasileiros, ou seja, a consolidação de um pleno e autossustentado estado democrático.
Para que não fossem mais necessárias intervenções como a de 64 era necessário sermos duros para mudar o rumo de variáveis importantes para o desenvolvimento social. Nosso erro foi usar mal a força que nos autorizaram empregar que se resumiu a um autoritarismo político que foi mais usado para manter um arremedo de democracia –que hoje todos chamam de ditadura- e que faltou para as reformas estruturais que estão atrasando o nosso desenvolvimento.
Autoritarismo político que serviu para a construção de um bolo que acabou sendo servido somente às elites, mas que não foi usado para ocupar de forma ordenada a Amazônia, para impor o projeto Calha Norte como prioritário para a segurança nacional o que teria edificado a nossa tranquilidade naquela imensa fronteira amazônica e para estabelecer uma política para a população indígena norteada por Rondon e não por antropólogos comandados por interesses estrangeiros. Omissões que provocam sérias ameaças à integridade nacional.
Autoritarismo político que não foi usado para criar uma política do cidadão que começasse com um planejamento familiar baseado na paternidade responsável - essencial para a interrupção no curto prazo do processo de geração de miséria- e que continuasse com a criação de um sistema nacional de saúde pública e de educação, para transformar, em uma geração, o brasileiro em um cidadão, capaz de forjar o tão necessário projeto nacional.
Autoritarismo político que faltou para enfrentar a oligarquia dominante e dar mais ousadia na implementação do excelente Estatuto da Terra que certamente transformaria o Brasil no celeiro do mundo e teria desarmado essa bomba chamada MST que mais prejuízos e frustrações causou do que encaminhar uma moderna reforma agrária. Faltou ousadia para decretar índices de produção para as terras agricultáveis, sobre os quais seriam cobrados os tributos, o imposto da terra, fixo, de acordo com o potencial estabelecido, o que premiaria os produtivos e inviabilizaria a posse de terras improdutivas. As terras privadas seriam respeitadas sendo, ao longo do tempo e sem conflitos, consolidadas as produtivas e sendo dilapidadas, pelos impostos, as improdutivas. As terras públicas continuariam públicas e arrendadas pelo pagamento do Imposto da Terra. O Estado ficaria com o papel de indutor da produção primária. Teríamos feito uma inédita revolução agrícola com uma revisão fundiária que, sem violência, corrigiria injustiças do passado. Teríamos tirado, daqueles que só visam à agitação social, a sua maior bandeira. Teríamos dado um exemplo para o mundo e nos tornado o celeiro do planeta, mas fomos incapazes de dobrar os latifundiários que dominavam a ARENA dos grotões, de onde vinham os votos para suplantar os que os grandes centros despejavam no MDB. Teríamos reduzido os efeitos do desordenado êxodo rural e a criação de bolsões de miséria nos grandes centros, origem de uma série de problemas dos quais, o maior, foi a sua transformação em cidadelas do tráfico.
Faltaram autoritarismo e grandeza política para quebrar a espinha dorsal da corrupção e criar as bases do verdadeiro federalismo, invertendo o fluxo dos recursos públicos e declarando o município como o único arrecadador de impostos e centro da geração da cidadania e da administração das coisas públicas. O município como único arrecadador de tributos e pagador de um tributo federal e outro estadual, para custear os respectivos orçamentos. Esta inversão feriria de morte a corrupção endêmica que desvia uma parcela razoável dos orçamentos público e criaria as bases para o domínio público da respública, sonho desde os tempos da Ágora de Atenas.
Faltaram autoritarismo e grandeza política, também, para facilitar o surgimento de uma geração de líderes, capaz de dirigir essa grande nação. Ao contrário, forjaram um bando de eunucos que navegam pela bússola dos interesses daqueles que os financiam ou que os garantem no poder. Faltam-nos líderes em todas as áreas. Este, um dos maiores erros estratégicos dos militares.
Faltou autoritarismo político para fazer uma profunda reforma na máquina estatal, para extirpar dela o vírus da corrupção, para criar um Estado moderno, operado por agentes públicos capacitados e preocupados unicamente com o bem público. Para demonstrar “austeridade democrática”, cortamos na própria carne e deixamos correr solto o resto, permitindo que se criassem e se enraizassem as distorções absurdas em todos os níveis na administração pública que inviabilizam uma reforma séria na máquina estatal. A tal “cota de sacrifício” que nos impusemos, nos condenou a sermos os primos pobres da República com a agravante de não podermos reclamar, pois fomos nós mesmos os autores. Em vez de criar, logo no início, uma política única de remuneração para os servidores públicos com um escalonamento vertical único para todos os três poderes, autarquias e estatais, uma Matriz Salarial Única que envolvesse todos os Poderes, executando as “cirurgias necessárias” nos direitos adquiridos, permitiram que se consolidasse um absurdo desalinhamento que acabou sendo sacramentado com a CF/1988.
Faltou autoritarismo e a visão de estadista para fazer uma revolução na Saúde Pública e na Educação de Base, sabidamente áreas básicas para qualquer projeto de nação e cuja implementação exige muita energia e determinação. Perdemos tempo com Mobral e batendo boca com estudante universitário enquanto devíamos ter focado nosso esforço para interromper o processo de geração de miséria.
Passados cinquenta anos reconhecemos que cicatrizes ficaram, mas também reconhecemos que, sem a Revolução de 64, o Brasil seria, hoje, mais do que uma grande Cuba, seria uma União Soviética porque contagiaria toda a América Latina. Basta ver os amores daqueles que foram por nós contidos em 64 e que hoje nos governam.
O que aconteceu no regime militar foi uma guerra suja que, se descontextualizada, nada mais é do que uma sucessão de atrocidades. Omissões -e mesmo fraquezas- dos chefes militares permitiram que aqueles duros tempos fossem reduzidos a um golpe de militares insuflados pelos Estados Unidos para reprimir inocentes patriotas que só queriam implantar no Brasil uma democracia quando a realidade é bem outra, pois se tratava de gente treinada e suportada pela União Soviética e seus satélites -que cometeram os mesmos ou até mais desatinos que agora acusam os militares- com um objetivo bem claro: transformar o Brasil em uma grande Cuba.
Esta, a visão retrospectiva de um tenente de 64 que sonhou, se frustrou, mas que nunca perdeu a esperança de ver a nação pacificada para que juntos construamos um Brasil melhor.
Péricles da Cunha
(31/3/2014)