quarta-feira, 7 de março de 2018

A GUERRA (HÍBRIDA) NO RIO


Da série “A nau dos insensatos”


"Aí, então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem". (in “Estrutura do poder nacional para o ano 2001", Escola Superior de Guerra, 1989)

Na verdade, o que estamos sofrendo são as consequências de uma guerra mal terminada nos anos 1970, sem os devidos rescaldos, um câncer mal extirpado que recrudesceu e está espalhando metástases por todo o tecido social da nação, um conflito com todas as características de uma guerra híbrida que os comandantes militares relutam em reconhecer.
Nota: este texto começou a ser elaborado antes da mudança ocorrida no ministério da Defesa.

Em A nau dos insensatos (7/11/2017) foi mostrado que de vacilação em vacilação o presidente Temer perdeu a oportunidade de se tornar o “estadista da travessia”, aquele presidente que corrigiu os erros dos catorze anos de desgoverno que o seu partido deu sustentação, implementando as reformas estruturais mais importantes, como a Política, a Previdenciária, a Trabalhista e a Tributária, e enfrentando os mais graves déficits de soberania que ameaçam nos condenar ao status de um país periférico, colocando-nos no rumo da construção daquele Brasil melhor, sonho de todos nós.
Neste texto abordaremos um dos principais assuntos desta marcha da insensatez: a violência que alarma os brasileiros que, como um câncer já espalhou metástases por todos os cantos do país e que produziu, no último ano, 62 mil assassinatos, cujo tumor está no Rio de Janeiro, cuja população, segundo recente pesquisa, 73%, se pudesse, se mudava para outro lugar, diante do permanente estado de insegurança, com índices de violência que superam, até mesmo, áreas de plena guerra, como a Síria.
A partir de julho de 2017 começou o recrudescimento da crise na segurança pública no Rio de Janeiro, tendo a Rocinha como foco, com as Forças Armadas, em especial o Exército, dando seguimento em uma marcha da insensatez que se arrasta, com a situação se agravando em escala exponencial, ao longo destes últimos vinte e cinco anos em que os comandantes militares insistem em não reconhecer que o Brasil está sendo submetido a uma guerra híbrida que tem as suas origens lá no regime militar quando não foi feito o devido rescaldo das sufocadas guerrilhas rural e urbana dos anos 1960 e 1970. 
Para demonstrar esta marcha de insensatez, bastariam as patéticas declarações do ministro da Defesa, Raul Jungmann, e do Comandante do Exército, general Villas Bôas, em relação a mais grave das crises de segurança pública que assola o Rio de Janeiro, e os seus desencontros com as declarações de comandantes militares que operam ou operaram na área e dos demais envolvidos nesta crise, para explicar o caos que está aterrorizando a população.
A visão do ministro da Defesa
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, que tem sido o porta-voz do Governo Federal e das Forças Armadas, ao longo dos últimos meses, através da grande mídia, vem assegurando que o papel das Forças Armadas é de coadjuvante, nada mais do que coadjuvante. Chega até ser irônico ver o ministro da Defesa anunciar, em setembro/2017, no mais completo amadorismo, que “neste momento, a Rocinha está estabilizada”, em matéria ilustrada com militares prestando-lhe continência.


Ao participar, em 21/10/2017, da cerimônia de celebração do fim dos 13 anos de missão de paz no Haiti, assegurou que “Nós aqui aplicamos esse aprendizado (Haiti), com profissionalismo e competência, mas sempre sob a liderança das forças policiais e de segurança do Rio de Janeiro”.
Em entrevista ao O Globo (29/12/2017), Raul Jungmann reafirmou que As FFAA são apenas ‘auxiliares’ no Rio”, “Sempre dissemos que a liderança desse processo seria da segurança pública do Rio, não das FFAA”. “A liderança não é nossa. Somos auxiliares”. 
Em entrevista ao Estadão (1/1/2018), Jungmann, deitou cátedra ao discorrer sobre o papel das Forças Armadas em ações junto às favelas do Rio. A começar, o modelo das Forças Armadas ocupando a área, como no Complexo do Alemão ou da Maré, no Rio, está enterrado. “Então, nós estamos atuando no Rio de Janeiro dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Atuamos por demanda, em apoio às forças policiais que lideram o processo. O modelo anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos” porque “a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a infecção. A infecção tem que ser combatida com a inteligência, com os policiais e a capacidade do Judiciário”.
“E essa banalização da GLO não é boa para as Forças e não é boa para o País. As Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para substituir as polícias”, “a formação do militar é para a defesa da soberania nacional”. No seu entender “não se criou nenhum corpo intermediário entre as Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas situações extraordinárias”. “O que eu quero dizer com isso, estou pensando nos Estados Unidos que têm a Guarda Nacional”.
Em 31/1/2018, na conferência “O futuro começa hoje: ações da PMERJ2018”, o ministro da Defesa bateu na mesma tecla, para não deixar dúvidas: “Nós entendemos que o papel central compete às polícias Militar e Civil, à Guarda Municipal e à Secretaria de Segurança. Nós não temos a liderança e nem devemos ter”.

A visão do Comandante do Exército
No auge da crise, depois da participação do Exército em mais um cerco da Rocinha, o Comandante do Exército, general Villas Bôas, afirmou (02/10/2017) que deve ocorrer um maior diálogo com a sociedade sobre possíveis efeitos colaterais de um enfrentamento efetivo ao crime organizado pelas FFAA porque “a dinâmica recente do clamor social pelo emprego de forças militares parece apontar para a necessidade de um incremento das ações militares no combate ao crime organizado”. “Parece apontar”, depois de o ano fechar com mais de 62 mil assassinatos! Parece apontar!
“O agravamento da situação de segurança nos últimos anos, com o aumento das atividades do crime organizado, suscita um amplo debate na sociedade acerca da ótica sob a qual se deve encarar esse cenário. Essa discussão é fundamental, pois o emprego de tropas em GLO não pode se tornar uma ação trivial. Há que se lembrar que o Exército é o último recurso do Estado. Como último argumento, ele não pode falhar!”, constata o general Villas Bôas. A situação suscita um amplo debate!
Depois de assegurar que “uma solução exclusivamente militar não irá resolver essa situação”, o comandante do Exército foi definitivo: “Tem sido rotineiro o emprego na mídia de termo guerra, para definir a situação vivida no RJ. Na verdade, vivemos um tempo de paz, com um quadro de comprometimento da ordem pública”. Vivemos um tempo de paz, com 62 mil assassinatos, no último ano e com 72% da população do Rio de Janeiro sonhando em se mudar!
Na contramão do Comandante do Exército, a opinião de dois comandantes da Força de Pacificação do Complexo da Maré:
Em 2015, general Antônio Carlos de Souza, em exposição ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa foi claro: “É um conflito moderno. Uma guerra irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso. E o mais difícil é atuar no meio do povo, com as ruas cheias de gente”.
O general Roberto Escoto, que foi o primeiro comandante da Força de Pacificação, no excelente artigo (que o MD Jungmann deveria ler e reler) Bda Inf Pqdt na Pacificação da Maré (Defesanet, 2/9/2015) e em uma entrevista (11/8/2017) foi peremptório: a participação das Forças Armadas na pacificação das favelas deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares. “Os grupos criminosos que atuam no Rio de Janeiro”, segundo ele, “não são atores insurgentes propriamente ditos”. “Buscam controlar territórios inteiros e transformá-los em santuários; dominam a população, suas idas e vindas; assediam as forças de segurança oficiais com emboscadas, procuram infiltrar-se nos órgãos do Estado, sejam polícia ou prefeituras, para conseguir inteligência e influenciar as ações do poder legítimo etc.”. “Não têm ideologia. A ideologia é o lucro”. E conclui: “Diante disso, quando a F Ter for empregada em Op Pac, é necessário enfrentá-las e vencê-las executando operações de combate contra F Irreg”. E instiga: “Com a desmobilização das FARC, você tem dúvida de que muitos desses ex-guerilheiros vão conseguir emprego no PCC ou no CV? São cinquenta anos de guerrilha. Todo esse know-how pode ser exportado para o Brasil. A desmobilização das FARC pode contribuir para o agravamento do quadro da segurança pública no Brasil”.
E mesmo assim, o general Villas Bôas continua afirmando que as ações de cerco das Forças Armadas, na Rocinha, criaram a possibilidade da Polícia Militar “concentrar o emprego dos seus efetivos no interior da comunidade, para conduzir efetivamente as ações de caráter policial”.
E, na mesma linha de confronto com as, repita-se, patéticas avaliações do ministro da Defesa e do Comandante do Exército, está a avaliação de Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE e um dos autores do livro Elite da Tropa (2006), que serviu de inspiração para os longas Tropa de Elite 1 e 2, do cineasta José Padilha, em entrevista Veja (28/9/2017): “Se o Exército está aqui, ele deveria assumir o comando da polícia e dizer ‘agora tá comigo, eu sou as Forças Armadas’”. “Mas não funciona assim, eles fazem um decreto esquisito de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que deixa dúvidas sobre quem manda e quem não manda. Quem tá no comando? o Exército ou o Estado? Porque o Exército é uma força federal, se ele vem pra cá, tem que comandar. O Exército veio para cá sem condições de realizar ações de caráter diferente das executadas pela polícia, sem nenhuma vantagem, nenhum recurso a mais. Vieram para ter mais homens nas ruas e desgastar a imagem”. E complementa, o cap. Pimentel: Fui à favela da Maré em 2015, o Exército estava comandando a ocupação. Os traficantes pagavam 50 reais para crianças de 14 anos acompanharem equipes do Exército e jogar pedra nos militares. O que o Comando Vermelho queria? Que um soldado perdesse a cabeça e atirasse em um garoto. Quando eu perguntei por que não prendiam o menino, eles respondiam que não podiam prender menor, só se praticassem atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Caramba, você colocou o Exército na Maré de mãos amarradas, exatamente como você coloca a polícia. Para colocar a maior força que o Brasil tem, de mãos amarradas, é melhor não pôr, vai desmoralizar o Exército”.
 Esta foto, de 2006, na favela de Manguinhos, serve bem para ilustrar que a cartilha de Marighella já foi assimilada nas favelas: “O trabalho principal do guerrilheiro urbano é distrair, cansar e desmoralizar os militares”.



O que choca é ver o general Comandante do Exército, claudicante, falando em “efeitos colaterais”, “direitos humanos” e “contaminação das tropas pelo crime organizado”, “falta de regras de engajamento claras”, como óbices para a intervenção das Forças Armadas. “Ele avalia que o uso das tropas federais não tem capacidade de solucionar os problemas” (Estadão, 15/1/2018).
E a prova disso é dada pelo próprio Comandante do Exército que repetidas vezes tem salientado que “há entendimentos incorretos de que as Forças Armadas possam substituir a polícia. Temos características distintas. Fomos empregados na favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 15 meses. No Alemão, 18 meses. É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”. “Não insistam, é caso de polícia. Mais uma vez ficou comprovado, passamos quase 15 meses (no Complexo da Maré), a um custo diário de R$ 1 milhão” e “quando saímos, uma semana depois, tudo tinha voltado a ser como antes”. “É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”. E voltou a repisar, em sua última entrevista (2/10/2017) sobre a operação Rocinha: “nos últimos anos, o Exército tem participado de inúmeras Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ocupando comunidades da cidade do Rio de Janeiro. A experiência tem demonstrado que após a saída das tropas, o crime organizado retorna às atividades e recupera o controle tácito dessas áreas.
Quase mil dias, ao custo diário de R$ 1 milhão, significa que uma atuação vacilante, sem convicção, redundou em um desperdício de R$ 1 BILHÃO sem falar no comprometimento da imagem institucional das Forças Armadas. Quantas vidas não seriam salvas com este R$ 1 BILHÃO desperdiçado que serviu somente, como diz o ministro da Defesa, "para dar férias a bandidos".
Ainda bem que esta visão vacilante, de que o Exército "não tem capacidade de solucionar os problemas”, não é unânime no Alto Comando do Exército. O general Mourão, por exemplo, volta e meia assegurava que “O exército sabe como fazer. Agora quem deve dizer o que fazer deve ser a sociedade”.
Depois de uma mirada sobre as visões do ministro da Defesa e do Comandante do Exército chega-se à triste conclusão de que o planalto não conhece a planície, que a visão mais acurada que vem do planalto é a do general Etchegoyen, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que, no evento “Brasil de Ideias”, que reuniu, no Rio de Janeiro, ministros e autoridades para “debater” a segurança do país, para uma plateia de empresários, em 4/8/2017, frisou: “Produzimos teses, produzimos dissertações, produzimos monografias e eu pergunto: quanto reduzimos da criminalidade? Quanto avançamos nisso? Nós precisamos agir. Nós precisamos fazer”. “Nós estamos numa guerra”.

Intervenção no Rio
Pois, passado o Carnaval, o presidente Temer decreta intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, até o fim do ano e com o objetivo de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro” (§ 2º, art.1º).
Se, depois de sete meses em que o Exército esteve envolvido nesta operação em que foram gastos milhões de reais, recursos que estão faltando em áreas vitais, o governo adota, pela primeira vez em trinta anos, o remédio constitucional da intervenção para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro”, é sinal de que fracassou a intervenção da força terrestre.
Temer na assinatura do decreto de intervenção, passando a nítida impressão do claro objetivo eleitoreiro e do desconhecimento da gravidade da situação, comunicou que “nomeei o interventor, o comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Neto, que terá poderes para restaurar a tranquilidade do povo. As polícias e as Forças Armadas estarão nas ruas, nas avenidas, nas comunidades e, unidas, combaterão, enfrentarão e vencerão, naturalmente, aqueles que sequestram do povo as nossas cidades”. E, preocupado em não causar atritos com seu partido no RJ minimizou o que estava sendo feito: É uma intervenção cooperativa. Nós a decretamos depois de uma conversa com o governador, que, naturalmente, concordou, e irá prestar toda a colaboração necessária”.
No mesmo dia, o  ministro Raul Jungmann deu ideia dos limites da atuação das Forças Armadas: “As ações poderão ser de cerco em favelas, em rodovias ou um bloqueio marítimo”. Cerco em favelas!
Na verdade, Temer, astutamente, usou o caos instalado no Rio de Janeiro para esconder a claudicante condução da crise de segurança pública e para, em uma jogada claramente eleitoreira, assumir o protagonismo de uma das principais demandas da sociedade e de retirar de Jair Bolsonaro a bandeira de aproveitar generais para cargos importantes do seu governo, se eleito for. Temer, para isso, convocou o Exército para gerenciar a crise com a nomeação de generais para comandarem a intervenção no RJ, a nomeação do primeiro general para ministro da Defesa e de outro para a principal função executiva do recém criado ministério da Segurança Pública.

O bônus para os políticos e o ônus para o Exército
Jânio de Freitas, em Risco ao contrário, resumiu a opinião quase unânime com a tal “intervenção cooperativa”: “Os ideólogos da intervenção pensaram em política. E deixaram o Exército, que tem se mantido exemplar no Estado de Direito, com todo o risco”.
E o que causa estupefação é ver, entre os ideólogos da intervenção, junto com Moreira Franco e Raul Jungmann, o general Etchegoyen, autor da mais sensata das avaliações feitas sobre a presente crise (Nós precisamos agir. Nós precisamos fazer”. “Nós estamos numa guerra”, 4/8/2017) e, em quem se depositava a esperança de ser o agente de mudança de rumo deste claudicante governo de transição (vide A nau dos insensatos, 7/11/2017), deixar que políticos ordinários, repita-se, acossados pela Lava Jato, levassem o seu Exército a uma empreitada sem a devida proteção constitucional.
O general Etchegoyen acaba de colocar, com essa “intervenção cooperativa”, como a definiu o presidente Temer, o Exército em um brete cuja única saída é o desgaste da instituição que sempre ponteia as avaliações de credibilidade junto à Sociedade. Ou alguém duvida que exista alternativa em tão adversas condições e tão curto prazo?
Custa crer que os comandantes militares ainda não tenham reconhecido que nós estamos numa guerra” e nem foi o general Etchegoyen o primeiro e nem o último a reconhecer isso, bastam as declarações de dois generais envolvidos diretamente com o caso.
Conforme já apontado, em 2015, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa, ao se referir ao que acontece no Rio de Janeiro foi claro: “É um conflito moderno. Uma guerra irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso”.
Da mesma forma, o general que foi o primeiro comandante da Força de Pacificação da Maré, foi peremptório (11/8/2017): a participação das Forças Armadas na pacificação das favelas deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares”.
Não bastasse, uma visão externa e recente: Manuel Eisner, suíço, diretor do Centro de Estudos da Violência da Universidade de Cambridge, em entrevista ao Estadão, 19/2/2018: “Acredito que a atual situação no Brasil é melhor descrita como uma guerra crônica de pequena escala, que permeia a vida das pessoas na maior parte do País. O Brasil perde mais cidadãos para a violência a cada ano do que os Estados Unidos durante toda a guerra do Vietnã. Cerca de 800 mil brasileiros foram assassinados desde o ano 2000, o que equivale a eliminar toda a população, por exemplo, da cidade de João Pessoa”.

Consequências de uma guerra mal terminada
Na verdade, o que estamos sofrendo são as consequências de uma guerra mal terminada nos anos 1970, sem os devidos rescaldos, um câncer mal extirpado que recrudesceu e está espalhando metástases por todo o tecido social da nação, um conflito com todas as características de uma guerra híbrida.

As Forças Armadas e seus órgãos de Inteligência foram chamados para combatê-los e, mesmo sem experiência nesse tipo de guerra e sem auxílio externo, apagaram estes focos do incêndio, sem fazer, no entanto, o devido rescaldo, mais por ação da guerra psicológica que os militares, com o estoicismo cunhado no seu DNA, não souberam enfrentar. Deixaram-se encurralar: retornaram aos quartéis, se ensimesmaram naquele modelo das três ilhas - Sociedade – Política – Forças Armadas (O arquipélago Brasil, 25/3/2016) - e ficaram olhando para trás, vendo revanchismo em tudo que lhes causava desconforto, sem perceber que o inimigo que achavam ter vencido apenas havia se aproveitado do cenário que lhe foi imposto para se reagrupar e seguir em frente, aproveitando o imobilizado a que os militares se submeteram.
De este grupo de militantes, estudantes e intelectuais de classe média, aqueles não inseridos na luta armada somados aos que do Exterior retornaram, foram constituir a grande fonte de militantes e quadros dirigentes de todas as organizações e partidos, constituídos após 1964.  Uns acabaram formando o PT é demais siglas de Esquerda, outros seguiram os caminhos da universidade e “fizeram a cabeça” de milhares de jovens e tentaram reescrever a história, outros tomaram o rumo do Judiciário, outros, o serviço público para, depois serem empregados no aparelhamento do Estado para produzir uma revolução cultural cujo alvo são os valores básicos da família e a redução do potencial cívico a níveis de uma lassidão moral. E uma parte tomou o rumo do campo para formar o MST e levar a intranquilidade ao que tem sido o celeiro do mundo.
E aqueles que se engajaram nos partidos, quando assumiram o poder, formaram a “ampla massa” de manobra do Bolsa-família para garantir os votos da democracia que eles inventaram para se eternizar no poder usando as mesmas táticas de Chávez, na Venezuela.
Com o apoio do empresariado, chegam ao poder para aparelhar o Estado e saquear os cofres públicos, conforme a Lava Jato já começou a mostrar.

A origem do Crime Organizado
Os demais integrantes daquele grupo de militantes, estudantes e intelectuais de classe média, aqueles que foram capturados, por um erro estratégico do governo militar, foram dar origem de esta guerra que vem corroendo com o tecido social da nação.
Segundo Carlos Amorim, autor de “Comando Vermelho, a História Secreta do Crime Organizado”, "O governo militar tentou despolitizar as ações armadas da Esquerda tratando-as como 'simples banditismo comum', o que permitia também uma boa argumentação para enfrentar as pressões internacionais em prol da anistia e contra denúncias de tortura. Nivelando o militante e o bandido, o sistema cometeu um grave erro. O encontro dos integrantes das organizações revolucionárias com o criminoso comum rendeu um fruto perigoso: O Comando Vermelho”.
Comunistas intelectuais, terroristas urbanos e estrategistas de guerrilha começaram a conviver com criminosos comuns, dentro do presídio da Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ.
Os militantes esquerdistas encontraram um cenário desolador: mutilações, assassinatos, estupros e torturas faziam parte da rotina macabra da cadeia. Faltava tudo: colchões, cobertores, comida e papel higiênico. Para quem estivesse lá, não haviam perspectivas: era morrer assassinato ou apodrecer no “Caldeirão do Diabo”, como era conhecido o presídio da Ilha Grande. "Em pouco tempo, os presos políticos promoveram reformas e fizeram funcionar serviços que nunca antes atenderam ao preso comum. Essa assistência prestada pelos militantes de Esquerda gerou um forte laço de amizade e respeito com a massa carcerária", descreve Carlos Amorim, em "A Irmandade do Crime".
A intenção dos “militantes esquerdistas” nem foi por idealismo e nem pela visão de que ali, naqueles bandidos, estariam os portadores seguros para a semente do ideal de propagar a revolução, mas de autodefesa, no sentido de que seria insuportável o ambiente em que se encontravam, onde seriam literalmente triturados, não sobreviveriam no inferno da Ilha Grande. A única saída seria humanizar aqueles seres, acender uma centelha de esperança.
Desta forma, a Esquerda aproveitou as péssimas condições dos presídios brasileiros para incutir ideais revolucionários na população carcerária.
Sobre isso, o esclarecedor testemunho de Osvaldo da Silva Calil, o Vadinho, assaltante de banco (Isto É, 22/10/1981): "Fiquei com os marinheiros presos em 64. Depois, com os rapazes da ALN, MR-8, VAR-Palmares, Colina (Comando de Libertação Nacional), Juventude Operária e Universitária (ambos ligados aos setores radicalizados da Igreja). No começo estranhei um pouco. Mas, com o passar dos anos, eles fizeram a minha cabeça, e cheguei até a ler a Bíblia”.

Marcola
Vale a pena um parêntesis para ver um pequeno pedaço do longo depoimento de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, na CPI Tráfico de Armas, em 08/6/2006, da qual fazia parte ministro da Defesa, deputado Raul Jungmann. Para ver a importância desta “fertilização”, para compreender a origem do Crime Organizado.
Perguntado sobre a sua vida, Marcola respondeu: “É isso. A vida... Se o senhor pegar qualquer preso, a minha vai ser idêntica até o ponto em que eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda”. “Porque me faz raciocinar, me faz analisar que existe uma injustiça muito grande em nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez de estar numa casa de detenção, na época, poderia estar numa universidade, se tivesse tido um apoio do Estado. A gente começa a questionar esse poder do Estado — o senhor entendeu? —, porque a gente é vítima dele. Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai criando uma consciência um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então não tinha”.
Marcola disse que eles estudaram muito sobre Lênin, sobre a formação do Partido Comunista, mas que “gente lê sobre tudo”, “Nietzsche, Voltaire, Vitor Hugo (Les miserables), Santo Agostinho (Confissões)”. “Estudei a Bíblia, umas cinco vezes eu li ela inteira, de Êxodos a Apocalipse. Êxodos, não, de Gênesis”.
Fecha-se o parêntesis com uma certeza: o acesso aos livros começou a mudar a vida da população carcerária.
Além de acesso a livros que foram contrabandeados para dentro dos presídios, onde aprenderam ideologia da luta de classes, os criminosos comuns receberam ensinamentos práticos como princípios de organização, que incluíam desde a estrutura hierárquica e disciplinar do grupo armado até sistemas de comunicação em código; técnicas de "propaganda armada"; táticas de ação armada; e seleção das melhores armas para cada tipo de operação, e ainda à fabricação de explosivos apropriados para o uso na guerrilha urbana.
Foi neste ambiente que surgiu o Comando Vermelho (CV) que assimilou todos esses ensinamentos, até com mais eficácia do que as próprias organizações guerrilheiras.
A verdade é que o Crime Organizado foi muito além do que a luta armada tinha conseguido nos anos 1970, no que tange à infraestrutura, disciplina e organização internas, bem como tinha comandamento sobre as “amplas massas” que habitavam nas favelas, com o perfil ajustado para gerar o que Marighella considera o guerrilheiro urbano ideal: “a característica fundamental e decisiva do guerrilheiro urbano é que é um homem que luta com armas”. “É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os policiais e todos aqueles dedicados à repressão”. “O guerrilheiro urbano somente pode ter uma forte resistência física se treinar sistematicamente”. “Estamos em uma guerra revolucionária completa e que a guerra somente pode ser livrada por meios violentos”. Ora, somente na favela encontraremos este perfil de combatente que nasce e vive se preparando para ser o que Marighella classifica como o guerrilheiro urbano ideal, só faltando a doutrinação ideológica.

Quando os presos políticos foram sendo transferidos ou libertados, a experiência ficou. Vadinho conta mais: “Os alunos passaram a professores. Convencemos os presos de que eles tinham que estudar e se organizar. Foi assim que tudo começou”.

A ideologia do Crime Organizado
Um novo parêntesis será útil para desfazer a crença de que, tanto o Comando Vermelho e o PCC, como os demais, usam técnicas, táticas e procedimentos de insurgentes, mas não possuem a componente ideológica. “Não têm ideologia. A ideologia é o lucro”.
Lendo o longo depoimento de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, na CPI do Tráfico de Armas (2006) chega-se à conclusão de que este caos na segurança pública foi causado por um Estado omisso, corrupto e opressor, nessa ordem.
Omisso por ter gerado massas de excluídos nas favelas, entregues que foram ao controle do Crime Organizado, apesar dos alertas feitos, ao longo dos últimos trinta anos, no mínimo.
Em 1989, a Escola Superior de Guerra, em “Estrutura do poder nacional para o ano 2001" fazia esta terrível previsão:  "Aí, então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem".
Em “Os militares e a guerra social” (Péricles da Cunha, Folha de S. Paulo, 9/4/1994), vinte e quatro anos atrás:

  •  “Este estado de criminalidade começa a fugir do controle da polícia, confirmando a previsão da ESG”.
  •  “É necessário, no entanto, que o emprego das Forças Armadas nessa guerra social seja planejado para evitar o desgaste de uma instituição que não está preparada para agir em tal cenário e para que não se volte a cometer o erro histórico de combater o pobre e não a pobreza”.
  •  “O narcotráfico, eixo em torno do qual gira todo o problema, deixou de ser uma mera questão policial para se transformar em um inimigo que, como o câncer, começa a espalhar metástases por todos os órgãos vitais da nação, ferindo-a nos planos sociais, político, econômico e militar. O Estado brasileiro nunca esteve tão ameaçado como hoje e cabe às Forças Armadas a indelegável missão de defendê-lo” e,
  • entre as missões, a mais urgente seria a ocupação militar dos bolsões de miséria das grandes cidades para evitar que se transformem em escudos para os traficantes e, principalmente, para interromper esse cruel processo de geração de miséria e delinquência, resgatando essas populações desassistidas para a cidadania”.

Perguntado se “se considerava um cara que veio da miséria, da violência”, Marcola, rebateu: “Considero não, eu vim da miséria, vim da favela. Vim da boca do lixo, pra ser mais preciso”. “Claro. Senão eu teria tido condições de estudar e ter uma vida completamente diferente da que eu tenho. “Qualquer favela de São Paulo, do Rio de Janeiro, de qualquer lugar. Qualquer centro de miséria, que não tem comida, não tem educação, não tem saúde, mas tem droga e tem arma”. “Se o senhor pegar qualquer preso, a minha vai ser idêntica até o ponto em que eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda”. (por que?) Porque me faz raciocinar, me faz analisar que existe uma injustiça muito grande em nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez de estar numa casa de detenção, na época, poderia estar numa universidade, se tivesse tido um apoio do Estado. A gente começa a questionar esse poder do Estado — o senhor entendeu? —, porque a gente é vítima dele. Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai criando uma consciência um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então não tinha”.
A corrupção e a opressão fazem a interface do Estado com o sistema penitenciário. “Todo mundo ganha dinheiro às nossas custas de alguma forma”, revela Marcola. “São várias formas de nos usar. O preso é fácil de ser usado. Ele não pode falar. Não é dado o direito de ele fazer nada, nem votar, nem falar, nem nada..., fazem da gente o uso que quiserem”. “Não existe política nenhuma de reabilitação no nosso sistema penitenciário”. “A gente vai ser sempre bandido. Em todos os sentidos. Marginais, bandidos. Não tem jeito. Aqui dentro e lá fora. Como a gente vai parar de ser bandido? Se eu soubesse a fórmula de deixar de ser bandido”.
Perguntado sobre a existência de uma organização dentro dos presídios e se essa organização ultrapassa a fronteira de um presídio para o outro, se é uma organização dentro do sistema, Marcola foi claro: “Existe uma regra de convívio em todos os presídios do Brasil, (com a existência de) uma disciplina interna criada pelos próprios presos. É óbvio”. Marcola esclareceu que esta regra de convívio, esta disciplina, vale tanto dentro como fora dos muros dos presídios, e se faz valer pela força, quem não cumprir sofre as consequências. Marcola justificou que violência é natural do preso, pois “nós todos somos praticamente filhos da miséria, todos somos descendentes da violência, desde crianças somos habituados a conviver nela, na miséria, na violência. Isso aí, em qualquer favela o senhor vai ver um cadáver ali todo dia”. “Agora, essas organizações vêm no sentido de refrear essa natureza violenta, porque o que ela faz? Ela (a disciplina) proíbe ele de tomar certas atitudes que pra ele seria natural, só que ele estaria invadindo o espaço de outro”, “E elas (as consequências) vêm no sentido de coibir isso mesmo”. Explicou que foram estabelecidas regras de convivência que visam reestabelecer a dignidade na vida do presidiário. E que isso só foi possível sem a presença do Estado o que tirou a sua autoridade na gestão da comunidade carcerária.
(Constatado que esta organização tem muito da estrutura leninista que tem finança centralizada) Marcola disse que eles estudaram muito sobre Lênin, sobre a formação do Partido Comunista, mas que “gente lê sobre tudo”. E (por que ele faz isso?) “porque (o preso) foi acordado, foi conscientizado, numa determinada época, de que os direitos dele, enquanto ele não soubesse que ele tinha determinados direitos, eles jamais seriam concedidos, o senhor entendeu? Então foi uma forma... foi um despertar. Realmente a estrutura é leninista, com finanças centralizada e arsenal centralizado”. Explicou que esta estrutura não se restringe ao ambiente carcerário, mas se espraia além dos muros dos presídios.
“Os presos apoiam os presos, os marginais na rua apoiam os marginais na rua, e assim vai, sucessivamente. Por quê? Porque todos acreditam que é uma luta justa dos miseráveis contra os poderes estabelecidos, que não nos permitem ter nenhum tipo de melhora de vida. A gente vai ser sempre bandido. Em todos os sentidos. Marginais, bandidos. Não tem jeito. Aqui dentro e lá fora. Então... Quer dizer, foi criada essa noção, essa consciência. A partir desse momento, existe esse apoio”.
Este determinismo associado àquela esperança inoculada no contato com os presos políticos, esperança de que somente com a destruição do sistema vigente é que poderão mudar de vida, é que deu consistência ao que ele chama de idealismo. “O idealismo”, explica Marcola, “é esse da solidariedade, do preso saber que existe muita injustiça dentro do sistema penitenciário e que o cara que tá lá, ele precisa de um apoio, ou jurídico ou pra família poder visitá-lo ou pra ele próprio poder sobreviver lá dentro”.
"Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente”.
Aí, quando se agrega a avaliação de o “Professor”, o fundador do Comando Vermelho - "Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes, que matarão vocês (a polícia) nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?" -, chega-se à conclusão de que a omissão do Estado foi a responsável pelo atual caos da segurança pública que está massacrando a sociedade.
“Você não tem noção de quanta criança entra pro tráfico e morre por causa da maconha e do pó. Do apartamentinho de vocês aqui na zona sul, não dá para ver esse tipo de coisa, não”. (Capitão André Mathias, BOPE, personagem do filme Tropa de Elite). O mesmo se poderia dizer: da zona de conforto do planalto, não dá para ver esse tipo de coisa que aterroriza a planície.
Conclusão: a “ampla massa” que domina as favelas e os presídios forma uma força irregular poderosa, composta de milhares de combatentes com o perfil, classificado por Marighella, como o do guerrilheiro urbano ideal, inclusive com uma doutrinação ideológica.
Constata-se que aquela distinção que Marighella fazia entre o guerrilheiro urbano e o delinquente, pela falta de ideologia deste, deixou de existir, depois da contaminação feita nos presídios.
Registre-se que ideologia é uma palavrinha que se usa para convencer a plebe rude que ela está se sacrificando por um ideal quando, na verdade, está se sacrificando para uma minoria dominante, que fala palavras difíceis, atingir seus escusos objetivos. No caso, a ideologia da luta de classe, de o roubo como único recurso visto como um ato de justiça, foi empregado tanto pelos guerrilheiros como pelos delinquentes. Para locupletar as elites dominantes e submeter as “amplas massas” das favelas e do Bolsa Família para garantir o poder.
E essa força irregular poderosa já deu demonstrações de seu poder quando se sente que ordens emanadas do comando, nos presídios, incendeiam qualquer cidade. O general Escoto, que atuou no Complexo da Maré, segundo entrevista já mencionada, “vê no crime organizado um adversário feroz ao Estado de Direito e à democracia”.

Crime Organizado, adversário feroz do Estado Democrático de Direito
Há um contexto importante na crise de segurança do Rio. O acordo de deposição de armas das FARC, na Colômbia, criou um vácuo de poder na produção de cocaína das Américas.
As consequências da longa insurreição das FARC na Colômbia deixaram um vácuo de poder criminal. As FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia) basearam-se na produção de coca e nos lucros resultantes para financiar sua insurgência e impor controle territorial.
A narcotráfico resultante criou vínculos entre os insurgentes das FARC e várias empresas criminosas. O processo de paz após o término das hostilidades entre o Estado colombiano e as FARC deixou um vazio na economia criminal. Uma série de gangues, incluindo gangues brasileiras e BACRIM colombiano (bandas criminales emergentes), estão preenchendo esse vácuo e recrutando ex-guerrilheiros das FARC. O CV carioca e o PCC paulista disputam este espaço para que se tornem grupos de tráfico internacionais.
O general Escoto lembrava, também, em seu já nomeado artigo, que “não se pode ignorar o fato de que grupos de violência extremista associados a organizações criminosas, tais como as FARC, o Sendero Luminoso, o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e o Hezbollah atuam em países fronteiriços e constituem uma ameaça à paz e à segurança nacional por meio da violação de nossas fronteiras para o contrabando e o tráfico de armas, drogas e pessoas ou, na pior das hipóteses, por meio da execução de ações terroristas no interior do território brasileiro. A conjuntura atual ressalta a importância do preparo das Brigadas de Infantaria para Op C F Irreg”.
Em entrevista ao jornal Zero Hora, o embaixador da França acaba de alertar que os grupos terroristas Boko Haram e Al-Qaeda são ameaças para o Brasil, diante de um possível elo entre terrorista e traficantes brasileiros em uma nova rota do tráfico de drogas produzidas na América Latina para o abastecimento da Europa, via Líbia. E que, tanto esses grupos como o PCC e o Comando Vermelho são grandes fatores de desestabilização no Brasil.
E diante de todas estas evidências o comandante do Exército reluta em reconhecer que esta guerra consome as energias da nação e ameaça o seu futuro: “Tem sido rotineiro o emprego na mídia de termo guerra, para definir a situação vivida no RJ. Na verdade, vivemos um tempo de paz, com um quadro de comprometimento da ordem pública”.
Quadro, aliás, que não mudou com a intervenção no RJ, pois, entrevistado  (27/02/2018), depois de confirmar que as regras de engajamento serão as mesmas das Operações de GLO, o interventor, general Braga Netto, adiantou que as Forças Armadas continuarão fazendo cercos em favelas e atuando em inteligência, mas podem auxiliar a Polícia Civil a fazer prisões de procurados. Ele também descartou a realização de ocupações prolongadas em favelas. “Nossa missão é recuperar a capacidade operativa dos órgãos de segurança pública e baixar os índices de criminalidade aqui no Estado do Rio, não só na cidade”.
A dele, interventor, pode ser esta, mas não a das Forças Armadas, cuja missão constitucional é enfrentar qualquer ameaça à soberania nacional, no caso, o reestabelecimento do domínio do território que o Estado brasileiro não mais detém em umas 850 áreas do RJ cujas populações vivem submetidas ao temor e ao terror de traficantes ou de milícias o que deixa o Estado como se fosse um queijo suíço.
O Exército não pode se deixar levar pelo jogo daqueles que visam obstaculizar a sua missão. Essa história de que vai provocar uma “guerra entre irmãos”, de efeitos colaterais com perdas entre civis, são óbices colocados por quem não deseja que seja solucionado este grave problema ou por quem usa qualquer subterfúgio como desculpa não cumprir a missão.
No já citado artigo do general Escoto ele é enfático: a participação das Forças Armadas na pacificação das favelas deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares. “Os grupos criminosos que atuam no Rio de Janeiro”, segundo ele, “não são atores insurgentes propriamente ditos”. “Buscam controlar territórios inteiros e transformá-los em santuários; dominam a população, suas idas e vindas; assediam as forças de segurança oficiais com emboscadas, procuram infiltrar-se nos órgãos do Estado, sejam polícia ou prefeituras, para conseguir inteligência e influenciar as ações do poder legítimo etc.”.
Como se diz aqui pelos Pampas: até quando ficarão rodeando a moita pra tocar fogo?
Até quando as Forças Armadas se manterão imobilizadas pela guerra psicológica a que se submetem, desde os anos de chumbo?  A ponto de o primeiro general a assumir o ministério da Defesa, já na primeira entrevista, apressadamente adiantar, com relação à intervenção no RJ, que “não se busca protagonismo”, como se tivesse o Exército se desculpando por causar transtorno ao cumprir missão constitucional. “Não se pode deixar de contribuir, com sua experiência, em área de gestão e administração, só porque se é militar. Aí parece que o militar não integra a sociedade. Seria falta de bom senso. E isso é circunstancial, não vimos isso como protagonismo”. “O que existe hoje é a necessidade de participação de todos os brasileiros na busca de solução dos problemas de segurança pública”. Até quando?
O que se gostaria de ouvir do, repita-se, primeiro general a assumir o ministério da Defesa, era um seco e decisivo, sobre a crise do RJ: “não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública, mas de segurança nacional e AS FORÇAS ARMADAS CUMPRIRÃO SUA MISSÃO CONSTITUCIONAL.

A guerra psicológica
Segundo o Manual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella, que pautou os anos de chumbo, a guerra psicológica consiste na estratégia de criar uma sensação de desconforto com relação ao inimigo.
Esta guerra psicológica, como já se viu, foi a mais eficiente das frentes prevista por Marighella, causando desconforto, ao longo de todo o regime militar e, de forma mais intensa, a partir dos anos 80. E foi tão eficiente junto às Forças Armadas que levou os militares a aceitar a democracia que nos impuseram, forjada segundo as táticas gramscianas, como algo “imexível”, quando na realidade, conforme Emilio Odebrecht, agora confessou, desde o início da chamada Nova República a corrupção não só saqueou os cofres públicos como cooptou agentes públicos e compôs a massa de manobra do Bolsa Família para a consolidação do projeto de poder que o escândalo da Lava Jato interrompeu. Que “instituições fortes e consolidadas”, como se ouve, volta e meia, os comandantes militares a apregoarem, são essas, capazes de gerar o maior saque aos cofres públicos já havido neste país e de mergulhar o país nesta lassidão moral que inviabiliza qualquer projeto de um futuro melhor?
O comandante do Exército, general Villas Bôas, em palestra realizada antes de ser indicado para o posto (Geopolítica e Defesa da Amazônia, São Paulo, 19/9/2013), ao comparar o contexto atual com o de 1964, deixou bem claras as suas convicções: contextos históricos completamente diferentes;  “hoje, o Brasil é um país com instituições estruturadas”; “acho que é um erro a gente querer tutelar a sociedade”. Em suma, suas convicções são aquelas que, mais tarde, foram sintetizadas pelo general Etchegoyen, quando Chefe do Estado Maior do Exército (O arquipélago Brasil, 25/3/2016): “nós encontramos um modelo: Forças Armadas, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados”, ou seja, como se o Brasil fosse um arquipélago formado por três ilhas, com os militares isolados na sua.
A guerra psicológica, cuja função é fustigar, imobilizar as forças de segurança atua em todos os fronts. Agora no front carioca atacam com todas as forças, tentando mostrar que os militares, ao invadir as favelas, provocarão uma luta fratricida entre jovens que se criaram juntos e que, agora, aqueles que foram servir ao Exército na busca de uma carreira longe do crime, serão forçados a combater companheiros que se desviaram para o crime, para o tráfico.
Denúncia feita pela liderança do Complexo do Chapadão à Anistia Internacional mostrando “o barril de pólvora que pode se tornar um confronto que divide jovens que foram criados juntos e têm armas de alto calibre nas mãos. ‘Estão tentando criar uma guerra nas favelas’. ‘A maioria que vai para o Exército é favelada e há essa rivalidade com os que foram para o tráfico. Eles vão enfrentar o próprio povo: vão se matar”. Os jovens das favelas, que ingressaram nas Forças Armadas em busca de emprego estável e ascensão social, temem ser vistos por traficantes no papel de inimigo. Isso poderia desencadear represália para si e seus familiares, como o jovem soldado que se criou na Cidade de Deus, que tem colegas “servindo” ao tráfico e lá tem sua família: “Acredito na intervenção e na construção de um Rio e um país melhor se as operações forem sérias. Só não adianta fazer operação e sair. Tem de ficar” (uol).
Pois, hoje, se constata que esta estratégia foi tão bem-sucedida que inibiu a ação das Forças Armadas, que se limitam a fazer o cerco, mas não querem entrar nas favelas, diante do intenso patrulhamento das forças ligadas aos Direitos Humanos, do revanchismo e da ação dos procuradores do MP.
A eficácia da guerra psicológica chegou ao ponto de fazer com que as Forças Armadas prefiram ir para o Haiti ou qualquer lugar da África a enfrentar o Rio de Janeiro.
E as patrulhas encarregadas de tolher a ação das Forças Armadas, ONGs e ativistas que atuam em favelas, segundo UOL, já estão se mobilizando para fiscalizar a ação de forças de segurança durante a intervenção federal e para evitar eventuais ações violentas contra moradores. “Estamos criando uma rede de monitoramento dessa intervenção”. “Tivemos a experiência de tanques apontados para as favelas, para os morros, cercos com arame farpado, soldados armados, um estado de guerra, revistas armadas da população, inclusive crianças. Estamos colocando a população numa situação de risco num quadro que não vai trazer solução”. “Como o Exército não pode ficar indefinidamente, não tem cabimento esse tipo de estratégia. Essa política não tem futuro. Nosso desafio é fazer com que ela tenha o menor dano possível à população”.
Constata-se a eficiência de esta guerra psicológica quando se vê que se consolidou a estratégia, como diz o ministro da Defesa, de somente "dar férias a bandidos".
Como disse o Comandante do Exército: “quando saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes". E a população, sabendo disso, não vai colaborar com os militares para depois sofrer a retaliação dos criminosos. Conclusão: a intervenção, além de “cooperativa”, vai ser amarrada e, além disso, conduzida ao sabor do interesse eleitoreiro de políticos ordinários que buscam a imunidade dos cargos eletivos.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o político mais privilegiado, com este envolvimento das Forças Armadas, apressou-se no lançamento do Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, que até sigla na tem, OLERJ. Para a primeira reunião foram convidados prefeitos e secretários de educação de todos os municípios do Estado do RJ. Recorde-se que o início dessas operações que envolveram o Exército, em julho/2017, foram precipitados para fazer um agrado ao presidente da Câmara dos Deputados, à véspera do julgamento da denúncia contra Temer.
Procuradoria Geral da República já partiu para a crítica porque “A intervenção não pode ser realizada à margem dos direitos fundamentais”. Os mandados de busca e apreensão coletivos em zonas pobres da cidade são ilegais porque “faz supor que há uma categoria de sujeitos “naturalmente” perigosos e/ou suspeitos, em razão de sua condição econômica e do lugar onde moram”. “As autoridades, todas de alto escalão, que assim se manifestam em relação à execução da intervenção colocam sob suspeita os propósitos democráticos do ato e demandam os órgãos públicos comprometidos com os direitos fundamentais e a defesa da Constituição uma postura de vigilância e controle sobre o desenvolvimento de sua implementação”. Na verdade, esta preocupação com os direitos fundamentais acaba privilegiando àqueles que submetem, as populações das favelas, ao temor e ao terror.
E, ao criticarem o ministro da Justiça que, em entrevista, comparou a intervenção ao que chamou de “guerra assimétrica”, os procuradores deitaram cátedra: “Guerra se declara ao inimigo externo. No âmbito interno, o Estado não tem amigos ou inimigos. Combate o crime dentro dos marcos constitucionais e legais que lhe são impostos”. A arrogância destes procuradores os faz desconhecer que a guerra, há muito, passou a acontecer, também, no ambiente interno onde é impossível combater quem não respeita as leis sem a adoção do remédio constitucional do Estado de Sítio.
Até a ministra do STM, Maria Elizabeth Guimaraes Teixeira Rocha, partiu para a demagogia ao comparar bandidos, que mantem populações subjugadas pelo terror, com os escravos do tempo do Império: “Sempre achei que o papel das Forças Armadas não é o de capitão do mato de fazer segurança pública. As Forças Armadas têm a missão completamente diferente, estão lidando com a soberania do Estado. Defendem fronteiras, trabalham em missões humanitárias, na defesa da nossa soberania”.
E as reações brotam de todas áreas, visando travar, ou mesmo, abortar a intervenção decretada:
  • “A Redes da Maré se recusa a dialogar com o interventor, não legitimamos este poder. Entraremos com uma representação junto ao MPF pedindo a revogação da intervenção”.
  • A Faferj (Federação das Associações das Favelas do Estado do RJ), por sua vez, aposta na criação de uma Comissão Popular da Verdade, “para averiguar crimes recentes de militares”. “Essa Comissão Popular da Verdade é para a gente poder acompanhar violações de direitos humanos feitas exclusivamente pelos militares”.
  • “Um observatório da intervenção será lançado para vermos como a sociedade civil se organiza diante da intervenção. É uma iniciativa do Centro de Estudos de segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes”.


Verifica-se, pois, que a guerra psicológica imobilizou de tal forma as Forças Armadas que a impedem de cumprir a sua missão constitucional de, no caso, reestabelecer o domínio do território e resgatar, para a cidadania, as populações que ali estão submetidas ao Crime Organizado.
Efeito desta guerra psicológica pode ser visto nesta entrevista do Comandante do Exército (Palácio do Planalto, 27/02/2018), em que convidou integrantes da Justiça, do Ministério Público e da Imprensa para acompanharem as incursões da tropa no combate ao crime para verificarem, in loco, como o Exército age neste tipo de missão: “Eventuais preocupações que surjam em relação ao tratamento da população e respeito aos direitos humanos, damos boas vindas a todos os órgãos que quiserem acompanhar, imprensa também se quiser estar presente, para verificar nosso modus operandi consolidado em 13 anos de Haiti, assim como com a ocupação da favela do Alemão, da favela da Maré, com zero índice de efeitos colaterais e desrespeito aos direitos humanos e à população”. Zero índices de efeitos colaterais e zero resultado prático, conforme reconhece o general Villas Bôas, a um custo da ordem de um bilhão de reais. Único resultado do “modus operandi” adotado, conforme constatou o ministro Jungmann, era “dar férias para os bandidos”.
Para que se tenha ideia do grau de imobilização que esta guerra psicológica impôs às Forças Armadas, basta ver um episódio ocorrido na favela Kelson’s, no Complexo da Maré, vizinha Centro Instrução Alm. Alexandrino -CIAA/Marinha (Uol, 22/2/2018): “No fim de janeiro, dois tiros de fuzil disparados da Kelson’s -comandada pelo Comando Vermelho- atingiram o ambulatório naval do CIAA. No mesmo mês, um criminoso armado subiu no muro do quartel e pediu que os recrutas interrompessem uma atividade física por causa do barulho, de acordo com o relato de militares”.

PNR - point of no return
Sucede, no entanto, que, com a decretação da intervenção no RJ o panorama mudou radicalmente, pois agora é “dar ou desce”, pois o Exército ultrapassou o PNR, o “point of no return”, e somente não sofrerá um terrível desgaste se os comandantes militares tiverem a coragem de impor a solução militar, através da decretação do Estado de Sítio, conforme sugestão feita (A nau dos insensatos), “por todo o tempo que perdurar a guerra” (CF, art.137, II/art.138, §1º) porque se reúnem todos os componentes para caracterizar a situação como uma guerra híbrida.  Existem 853 áreas em que o Estado não mais detém o domínio do território o que ameaça à integridade nacional (CF, art.34, I) e seus moradores vivem submetidos ao terror por traficantes ou milícias com grave agressão aos “direitos da pessoa humana” (CF, art.34, VII, b). Pesquisa recente do Datafolha aponta que 72% dos seus moradores, se pudessem, abandonariam o RJ para fugir da violência o que se caracteriza como um “grave comprometimento da ordem pública” (CF, art.34, III) sendo o RJ um estado falido que está a exigir a reorganização de suas finanças (CF, art.34, V). Caso contrário deveremos nos preparar para ver o Cidade Maravilhosa se transformar na nova Medellin e os militares mergulhados em um perigoso descrédito.
O conflito no Rio de Janeiro não é apenas carioca. É parte de uma guerra que está em curso em todo o território brasileiro e que tem por objetivo controlar a produção e a distribuição de drogas no continente.
Que se façam os ajustes constitucionais necessários. E não se fale em Estado de Defesa porque o parágrafo 3º do art. 136 da CF exige que cada prisão seja comunicada imediatamente a um juiz “que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial”, devidamente “acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação”, não podendo a prisão ser por prazo maior do que dez dias, “vedada a incomunicabilidade do preso”.

CIRURGIÃO
O Exército, no caso, é o cirurgião, o derradeiro recurso da Nação. Quando um paciente chega ao cirurgião é porque já passou por todas as etapas de cura sem sucesso e, todos sabem, que no bloco cirúrgico quem decide é o cirurgião, sem a interferência de ninguém, a quem cabe a missão de extirpar o mal e salvar o paciente.
Que tenham, os comandantes militares, a coragem para rejeitar influências políticas de fundo eleitoreiro e ideológico para impor ao Governo que, conforme já atestado por comandantes que participaram das operações, a crise do RJ é um conflito moderno, uma guerra irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso”. A participação das Forças Armadas na pacificação das favelas deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares.

Desinformação
Viralizou nas redes sociais um vídeo do Prof. João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia, em que ele relata seu encontro com uma jovem estudante universitária (18 anos) portando o adesivo “Intervenção não é a solução”, a quem perguntou qual seria a solução, tendo a jovem respondido que a solução seria a Educação. Então ele a questionou: “mas você acha que o criminoso, o bandido com um fuzil na mão, granada e pistola na cintura, vai querer estudar com você na universidade, você não confia na intervenção?” tendo ela respondido “eu não confio é no Exército”.
O professor deduz que, então, “ela confia no crime organizado, no traficante, no bandido” e arremata “foi isso que a extrema Esquerda divulgou durante décadas, dentro das universidades e são essas pessoas que são formadas nas universidades públicas, regra geral, e que vão trabalhar, depois, nas instituições, em defesa dos bandidos, contra as FFAA do seu próprio país. Esse foi o estrago que fizeram na consciência da juventude brasileira, durante décadas, e o resultado é esse que está aí”.
Incrível a desinformação que este professor conseguiu divulgar. A jovem estudante que deu com a solução a Educação, está corretíssima. De ela não confiar no Exército cabe perguntar: e o que o Exército fez para ela nele confiar, se o próprio comandante do Exército reconhece que depois de uns mil dias de intervenção no Alemão e na Maré, a um custo de cerca de R$ 1 bilhão, bastou o Exército sair que os traficantes retornaram? Ou seja, o que rendeu para a população dessas áreas o desperdício de recursos feito?
Caso encontrasse este professor, perguntaria: Já imaginou o que teria acontecido se 25 anos atrás tivessem declarado estes bolsões, tipo Alemão e Maré, área militar, como comando militar, sob a égide do Código Penal Militar, com os militares encarregados de resgatar estas populações para a cidadania. Reurbanização, construção de um forte apache com quartel da tropa de ocupação, colégio militar com escola de tempo integral e cursos profissionalizantes, centro de desenvolvimento esportivo, centro de integração comunitária. Redirecionamento das atividades econômicas para a economia de mercado com a total independência em relação ao Crime Organizado. Já imaginou o que seriam estes bandidos que, hoje, portam fuzis, pistolas e granadas? Quantos diplomas, quantas medalhas olímpicas? De quem é a culpa de isso não ter acontecido, deles ou daqueles que, mesmo diante dos alertas de que deveriam, enquanto era tempo, combater a miséria para não ter que, mais tarde, combater o pobre como agora vai ser necessário para reconquistar as áreas que o Estado perdeu o domínio, desconhecendo as sugestões insistentemente oferecidas?
A quem debitar o estrago que fizeram em milhares de jovens aos quais o Estado não oportunizou educação, deixando-os sob o jugo do crime organizado e condenados a não ter um futuro honesto, à Esquerda ou àqueles que não fizeram, mesmo alertados, o que deveriam? Qual o futuro de estas crianças, em um ambiente escolar como o desta foto, diferente de serem recrutados para o tráfico? Qual a razão para essa jovem confiar no Exército?


Vale a pena meditar sobre o desabafo de Marcola na CPI do Tráfico de Armas (2006) quando lhe perguntaram “Tu veio da favela, te consideras um cara que veio da miséria, da violência?”: “Considero não, eu vim da miséria, vim da favela. Vim da boca do lixo, pra ser mais preciso”. “Claro. Senão eu teria tido condições de estudar e ter uma vida completamente diferente da que eu tenho”. Perguntado sobre a sua vida, Marcola: “É isso. A vida... Se o senhor pegar qualquer preso, a minha vai ser idêntica até o ponto em que eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda. (por que?) Porque me faz raciocinar, me faz analisar que existe uma injustiça muito grande em nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez de estar numa casa de detenção, na época, poderia estar numa universidade, se tivesse tido um apoio do Estado. A gente começa a questionar esse poder do Estado — o senhor entendeu? —, porque a gente é vítima dele. Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai criando uma consciência um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então não tinha.
Por isso, a razão está com a jovem estudante, “a solução é a Educação”, só que, agora, vinte e cinco anos depois, a saúde do paciente chamado Brasil, se deteriorou tanto que somente o cirurgião poderá salvá-lo.