sexta-feira, 25 de março de 2016

O necessário protagonismo militar





“É preciso fortalecer o espírito de nação e, mais do que isso, o sentimento de pátria porque sem nação forte não existe Estado forte. Uma nação forte, unida, coesa, com sentimento de pátria, nós podemos, tranquilamente, superar estas perturbações que estamos vivendo no mundo atual”. (Ricardo Lewandowski, presidente do STF, palestra no CMA, 18/3/2016)

Passei as últimas semanas ruminando ideias sobre uma saída para esta grave crise que enfrentamos, com a operação Lava Jato que, como um abalo sísmico, vem causando perigosas fissuras por todos os lados, colocando-nos em uma situação muito parecida com a dos espanhóis, na Espanha dos anos 30: aturdidos, apáticos e desesperançados diante de um processo de desestruturação social que os levaria lentamente para o caos da guerra civil e que levou Ortega àquele célebre diagnóstico “No sabemos lo que nos pasa, y eso es lo que nos pasa”. E, no nosso caso, como sair deste estado de prostração nacional, em um nítido processo de desestruturação social?

Cabe aqui aquela constatação de Tocqueville, lá no século XIX, em “Democracia na América”: “Cada pessoa, mergulhada em si mesma, comporta-se como se fora estranha ao destino de todas as demais. Seus filhos e seus amigos constituem para ela a totalidade da espécie humana. Em suas transações com seus concidadãos, pode misturar-se a eles, sem, no entanto vê-los; toca-os, mas não os sente; existe apenas em si mesma e para si mesma. E se, nestas condições, um certo sentido de família ainda permanecer em sua mente, já não lhe resta sentido de sociedade”, cuja adaptação aos nossos dias poderia muito bem ser assim resumido: é a tirania da aldeia eletrônica a nos conduzir a uma cultura individualista, é a retribalização, o predomínio da vida privada sobre a pública, a alienação política.

Surpreende que tamanha atualidade tivesse sido escrita há 180 anos, pois tivesse Tocqueville, agora, nos visitado, não faria diagnóstico diferente. Porque a desestruturação da sociedade está produzindo o declínio do homem público que existe em nós, está nos enojando a tal ponto que não acreditamos mais na república porque vemos todos os dias os nossos direitos não serem reconhecidos e os nossos ideais comuns esmaecerem-se diante de tanto cinismo e de desrespeito à cidadania; julgamo-nos impotentes, retraímo-nos para a nossa intimidade, tratando exclusivamente dos nossos problemas e perdemos o espírito de solidariedade e, com isso, se esvai a coesão social. Hoje, em cima da natural plataforma da maioria silenciosa surge a polarização de coxinhas e petralhas (que começam a ser chamados de mortadelas), sem a mínima visão de um objetivo comum, pois não se trata de disputa pelo melhor caminho para atingir o objetivo, mas a rendição do adversário, da negação de tudo que o outro faz. Tudo isso porque são praticamente nulas as relações horizontais de reciprocidade e cooperação. Esmaece-se o potencial cívico e, com isso, enfraquece-se a nação brasileira.

A sociedade se mantém coesa quando existe equilíbrio entre as relações horizontais de reciprocidade e cooperação e as relações verticais de autoridade e dependência sendo que a dosagem entre a hierarquia vertical e a colaboração horizontal é que dá o tipo de comunidade que teremos, pois as duas são essenciais para o surgimento de uma comunidade cívica capaz de elaborar o tão necessário projeto de nação que a todos comprometa. E o que temos hoje, aliado a uma muito baixa coesão social?

Uma hierarquia vertical, representada pela coluna vertebral do Estado, enfraquecida por históricos vícios e pelas metástases do aparelhamento estatal produzido nestes últimos treze anos de desgoverno, deixa o Estado brasileiro à beira do caos, à beira de inviabilizar, de forma irremediável, o nosso futuro. Como bem receitou o presidente do STF, na palestra no CMA (18/3/2016): “É preciso fortalecer o espírito de nação e, mais do que isso, o sentimento de pátria porque sem nação forte não existe Estado forte”. O que não podemos nos esquecer é que foi este estado de espírito, esta demissão do coletivo, esta frouxidão moral e ética que levou à derrocada da República de Weimar e ao nazismo.

 Faço um parêntesis para comentar o artigo que o general Paulo Chagas acaba de divulgar (Alguém sugeriu: “Tá na hora do pau”, 24/3/2016) porque é pertinente: o texto começa com a resposta de um general de Exército (Reserva) concordando que a situação está parecida com 64, com o “tá na hora do pau”, mas, no entanto, ponderando que “é preciso levar em conta o que aconteceu com as FFAA, ao longo dos últimos 40 anos” quando “os chefes militares, cansados de “pagar o pato”, diante da Nação, por tudo que acontecia”, comandaram um retorno aos quartéis onde se preparariam “para atuar em um país de primeiro mundo”, deixando “a condução do Brasil por conta dos políticos.

A seguir, referindo-se à recente entrevista, na qual, o ex-senador Saturnino Braga aventando a possibilidade de se repetir outra “guerra entre duas partes”, como aconteceu em 1964, perguntou quem desempataria, visto que hoje ele não vê mais o mesmo cenário que levou, em 64, à intervenção militar, o general Chagas, prontamente respondeu com toda a ênfase: “Logicamente, os mesmos de sempre, os militares!”. E acrescentou que as “FFAA não entrarão nessa guerra  para “desempatar o jogo”, mas para assegurar a vitória de quem estiver do lado da lei e da ordem, respeitando as regras do jogo político”. E arremata: “Daí a importância de o nosso lado não “sair da linha” e “ir pro pau” sem o respaldo da razão, da lei e da ordem”, “Temos que ser persistentes, veementes e enfáticos nas nossas manifestações sem descumprir as regras estabelecidas no regulamento. Qualquer coisa diferente disso, mantida a situação e o rumo atual, é aventura e, no momento, podemos e devemos até correr riscos, mas não aventurar”. Fecho parêntesis.

O que o texto do nosso ilustre general transmite é exatamente aquilo que apontei no meu recente O arquipélago Brasil (11/02/2016): o modelo que está na cabeça dos nossos generais e que foi didaticamente conceituado pelo Chefe do Estado Maior do Exército é o das três ilhas. “Nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados”, diz o general Etchegoyen repisando que esse “modelo passa por uma consciência do Governo sobre o papel das FFAA e da autonomia que ele, Governo, deve dar às FFAA, nas suas coisas”, mas assegurando que “o Exército tem duas grandes preocupações: a preservação da coesão social e a preservação da nossa soberania, qualquer coisa que atente contra isso aciona o nosso radar”.

Paralelamente a isso, no recente evento no CMA (18/3/2016), o Comandante do Exército, general Villas Bôas, ao considerar lamentável o clamor por intervenção militar que vem de parte dos manifestantes presentes nos atos antigovernistas das últimas semanas, assegura que "os quartéis estão prosseguindo naturalmente nas suas atividades e o Exército está profundamente empenhado em contribuir para a manutenção da estabilidade" e continuou batendo na mesma tecla: não existe a mínima possibilidade de uma intervenção militar, pois, segundo ele, o “Brasil é um país com instituições sólidas e amadurecidas, que estão cumprindo seus papéis”. Por outro lado, da palestra do ministro Lewandowski no CMA, no citado evento, pincei, sem descontextualizar, duas preocupantes constatações: “a nação que nós estamos construindo, general Villas Bôas, infelizmente está em perigo” e “estou extremamente preocupado com o mundo que estamos vivendo hoje”.

O general Etchegoyen disse que qualquer coisa que afete a coesão social e a nossa soberania, aciona o “nosso radar”. Prefiro a analogia à panela de pressão onde a sua válvula de segurança é o “nosso radar” que é função inalienável do seu comandante. Ele é quem deve sentir as pressões internas e administrá-las, caso contrário poderá causar uma explosão, um efeito caótico que, seguramente, não respeita a necessária hierarquia, sem a qual implode uma corporação baseada na hierarquia e disciplina. Em 64 já tivemos uma pequena falha na válvula de segurança, pois quem iniciou o levante não foi o mais graduado dos conspiradores, mas o general Olímpio Mourão Filho o que foi logo remediado pela liderança segura e serena de Castelo Branco. E se, agora, não for um general como naquela ocasião? Como bem alerta o chefe militar citado pelo general Chagas: “é preciso levar em conta o que aconteceu com as FFAA, ao longo dos últimos 40 anos”.

Até podemos concordar com o general que “não há paralelo com 1964”, mas não podemos deixar de reconhecer que Lewandowski está com a razão quando diz que “nós estamos trazendo esse mundo conflituoso para o nosso País” e o que mais uma vez alertou o general de Exército, no artigo do general Paulo Chagas: “De repente, diante do caos, cresce o desejo de mudar esse cenário e muitos pedem aos oficiais generais que retornem ao passado e limpem o chiqueiro. Sinceramente, fica difícil essa metamorfose e mais imprevisível ainda a reação do público interno e da população”. Retornar ao passado e limpar o chiqueiro!

Pergunta-se: até quando ficaremos neste papel de, quando em quando, voltar a fazer a mesma coisa, limpar o chiqueiro?

Assusta-me constatar que, mesmo diante da gravidade da crise que imobiliza o país de uma forma extremamente perigosa, beirando o caos, continue o comandante Exército, general Villas Bôas, apregoando, em todas as entrevistas, quando perguntado sobre como o Exército está vendo a crise e o risco de instabilidade (Correio Braziliense, 24/9/2015) que “Não cabe a nós sermos protagonistas neste processo. Hoje o Brasil tem instituições muito bem estruturadas, sólidas, funcionando perfeitamente, cumprindo suas tarefas, que dispensam a sociedade de ser tutelada. Não cabem atalhos no caminho”. Frisando que “estamos preocupados em definirmos para nós a manutenção da estabilidade, mantendo equidistância de todos os atores”.

Preocupa-me constatar que os militares pensam em ficar de fora e deixar que se engalfinhem prós e contra o governo, para intervir somente quando a situação se tornar insustentável e só para “limpar o chiqueiro”, como disse aquele general referido por Paulo Chagas. Limpo o chiqueiro, que voltem aos quartéis e fiquem aguardando até a próxima faxina. Será que não estamos nos arriscando a perder o controle, a uma catástrofe?
René Thom, um matemático francês que escreveu um livro revolucionário “Stabilité structurelle et morphogenèse” (1972), desenvolveu a teoria de que as catástrofes, sejam elas naturais, pessoais ou sociais, longe de serem acontecimentos excepcionais, são parte constitutiva e necessária da realidade. Segundo ele, a realidade pode ser imaginada como uma sucessão de pontos regulares que se sucedem uns aos outros ao longo do tempo. A isso chama de evolução.

Socialmente, somente evitaremos o impacto da catástrofe, o caos da revolução, se a considerarmos como Thom, integrante da realidade e nos prepararmos para as mudanças, transformando-as em pequenos e sucessivos saltos. Para isso, no entanto, é necessário exorcizar a resignação com uma constante prontidão para acompanhar a evolução da realidade e ter a coragem para realizar as mudanças necessárias, através de “pequenos e sucessivos saltos”, como recomenda Thom.

Não estaríamos caminhando para a catástrofe de Thom pela nossa resignação, pela absoluta falta de coragem para enfrentarmos os diversos óbices que inviabilizam o nosso futuro? Será que não seria mais sensato avivarmos as centelhas que ainda restam de coesão social para começarmos a ver o que existe de convergência entre nós, maioria silenciosa, coxinhas e petralhas? Para isso, no entanto, deverão ser identificados e removidos óbices, muitos deles, somente com uma cirurgia para que acelere o processo, para que cheguemos a um estágio de cidadania que nos permita construir um projeto de nação que comprometa todos.
 
O brasileiro está pronto para seguir o primeiro salvador da pátria que aparecer com um discurso razoavelmente coerente e centrado na luta contra o establishment que nos levou a esta difícil situação. Basta que tal discurso aponte para uma luta contra a corrupção e os políticos, em geral, e o Partido dos Trabalhadores. O brasileiro está pronto para assumir mais uma aventura, daquelas que já nos atrasaram décadas. Está pronto para seguir o primeiro vendedor de ilusões, de solução das suas demandas mais prementes.

A ilusão, no entanto, nos remete a uma dimensão irracional, pois o entusiasmo que provoca não tem fundamento na realidade, não se baseia em nenhum dado correto. A ansiedade que a ilusão provoca não tolera a possibilidade de erros e retificações, exige resultados mágicos, instantâneos. É o tudo ou nada, a política da terra arrasada, o estado permanente de instabilidade. Já tivemos amargas experiências, Jânio, Collor.

O que nós precisamos é de estadistas que nos tragam esperanças e não de salvadores da pátria que nos encham de ilusões. É de Voltaire a máxima de “Um dia há de estar tudo bem: eis a nossa esperança; e hoje tudo está bem: eis a nossa ilusão”. A esperança aponta para objetivos de longo prazo e aceita erros e prevê correções de rota, em contínuos esforços concatenados. É a estabilidade do avançar em busca do planejado, apesar das dificuldades.

Mas de onde sacar um estadista, capaz de dar a arrancada para o tão buscado pacto nacional, neste mar de mediocridades em que se transformou a política brasileira?

Desde o fim do dito regime militar vem sendo buscado um pacto nacional em torno de um projeto de nação que comprometa todos com os seus objetivos, respeitadas as diversas vias propostas pelas correntes políticas para a sua perseguição. E o Pacto de Moncloa (1977), marco da redemocratização da Espanha, que reuniu partidos políticos, sindicatos e empresários sempre foi o modelo que tivemos, desde Tancredo Neves. Mas o que faltou para que fizéssemos o nosso pacto nacional? Faltaram lideranças fortes, capazes de fazer predominar o interesse nacional sobre os interesses de grupos e este impasse vai nos manter parados até que inviabilizemos o nosso sonho de construir um Brasil melhor, para nós e para nossos filhos.

Existe alguma dúvida que entre estes óbices está a incapacidade de se produzir uma ampla reforma política e que este é o momento porque se continuarmos resignados acabaremos desembocando em uma democracia direta como a que Lula já ameaçou, através de uma Constituinte eleita pelo Bolsa Família o que nos transformará em uma imensa Venezuela?

Existe alguma dúvida que entre estes óbices está este estado de corrupção que somente será extirpado com o aprofundamento da Operação Lava-Jato, o que exigirá vontade política de punir o passado e evitar a sua continuação?

Existe alguma dúvida que entre estes óbices está a incapacidade de se produzir uma ampla reforma tributária o que exige consenso, impossível no formato atual, independente de quem esteja no poder?

Existe alguma dúvida que entre estes óbices está a forma equivocada de o Estado tratar seus servidores onde, com a desculpa da independência dos poderes, criaram-se castas de privilegiados que se consolidaram à custa de uma maioria mal remunerada e desestimulada?

Existe alguma dúvida que entre estes óbices está o péssimo ensino fundamental que nos torna um dos mais atrasados, no ranking mundial e que inviabiliza, por completo, qualquer projeto de nação o que somente será revertido com uma radical reforma que elimine qualquer resquício de influência de ideologias e que coloque nossos professores entre as mais disputadas carreiras de Estado?

Existe alguma dúvida de que uma das mais latentes demandas da Sociedade é a segurança e que na base está o narcotráfico que cria grandes bolsões onde o Estado não mais detém o controle do território, o que transformou o Rio de Janeiro, sede de um evento mundial, a Olimpíada 2016, em um queijo suíço, tantos são os bolsões onde as populações vivem sob o controle do crime organizado? Existe alguma dúvida de que estes bolsões estão incluídos entre os déficits de soberania que caberia aos militares a missão de eliminá-los? O general Mourão, então Comandante do CMS, em palestra no CPOR, Porto Alegre (setembro/2015), deixou bem claro que “O exército sabe como fazer. Agora quem deve dizer o que fazer deve ser a sociedade”.

Existe alguma dúvida que a presença de Lula junto à Dilma Rousseff, como ministro ou como assessor, significa o verdadeiro golpe com o ex-presidente assumindo as rédeas do governo, provocando mais uma sangria nos esgotados cofres da União para dobrar o Congresso a rejeitar o impeachment ou, em caso negativo, para mobilizar as bases na busca de uma democracia direta o que poderá incendiar o país? E que um dos mais imediatos objetivos será obstruir a Operação Lava Jato, através de uma intervenção na Polícia Federal sendo que o governo já sinalizou ser fundamental ter alguém de confiança no seu controle o que vai gerar reações dentro da corporação com todas as consequências muito graves? 

Tudo isso turbinado pelo desemprego, pela inflação, pela quebradeira de empresas, pela indignação com a falta de coragem de quem poderia resolver o problema, pela desesperança.

Não existem dúvidas que todos estes óbices somente serão extirpados através de cirurgias e que cabe às Forças Armadas a missão de garantir a sua execução.

O Chefe do Estado Maior do Exército, repita-se, foi claro: “o Exército tem duas grandes preocupações: a preservação da coesão social e a preservação da nossa soberania, qualquer coisa que atente contra isso aciona o nosso radar”.

Aqui uma incoerência entre o que dizem os dois chefes maiores da força terrestre quando se coteja esta afirmação com a do Comandante do Exército, na entrevista acima reportada (“Não cabe a nós sermos protagonistas neste processo. Hoje o Brasil tem instituições muito bem estruturadas, sólidas, funcionando perfeitamente, cumprindo suas tarefas, que dispensam a sociedade de ser tutelada. Não cabem atalhos no caminho”).

Como não sermos protagonistas (os militares) se os óbices apontados (e que só serão eliminados por cirurgia) estão na origem da preservação da coesão social e da soberania?

Alguém duvida que a coesão social somente será preservada e somente serão eliminados os déficits de soberania que mais afetam a segurança da Sociedade com a efetiva participação das Forças Armadas?

Como não sermos protagonistas se sabemos que, no andar das coisas, dentro de pouco a situação ficará incontrolável com o Brasil se transformando em um imenso vale do rio Doce quando o rompimento das barragens de rejeitos da corrupção deste governo incompetente e corrupto, certamente, encontrará a cúpula das Forças Armadas no distrito de Bento Rodrigues?

É necessário que os comandantes militares assumam o protagonismo que as suas responsabilidades constitucionais exige, de garantia da lei e da ordem. Que assumam o papel de cirurgião da sociedade para evitar o caos, a catástrofe.

Diante do exposto e da máxima de que na política se avança pelo caminho das fragilidades dos outros, não restam dúvidas de que ao se esgotar o ciclo de poder dominado pelo Partido dos Trabalhadores e antes que se inicie um próximo, seria a oportunidade de se realizar as cirurgias necessárias para que se abram as portas para a construção de um Brasil melhor.

Já imaginaram o que seria de bom para o país se os comandantes militares forçassem um amplo acordo nacional para transformar o restante de mandato presidencial para preparar o nosso futuro, produzindo as cirurgias necessárias para erradicar os óbices que inviabilizam um projeto de nação, para que os próximos que forem eleitos em 2018 possam começar a construir um Brasil melhor para todos, repito TODOS, os brasileiros, dispensando-nos da triste missão de, quando em quando, ter de voltar a “limpar o chiqueiro”?

Não se fala em golpe, mas em se evitar um golpe, evitar o caos que poderá nos levar a anos de escuridão. E, para isso, os militares devem deixar de lado a resignação de que a estabilidade reina na Terra de Santa Cruz, de que o “Brasil é um país com instituições sólidas e amadurecidas, que estão cumprindo seus papéis”, de que se deve manter a equidistância dos atores. Pelo contrário! Devemos buscar os atores e exercer o nosso protagonismo, mostrando a gravidade da situação, a necessidade de que se persigam convergências e se façam as inadiáveis cirurgias.

Péricles da Cunha
25/03/2016


NR: Concluído e revisado o texto, leio com satisfação a entrevista à Veja (Páginas Amarelas, 26/3/2016)da socióloga italiana Donatella Della Porta, estudiosa da Operação Mãos Limpas, na Itália, onde ela afirma que a Itália não conseguiu mudar para melhor porque era preciso uma reforma política em paralelo às investigações e decisões judiciais. 

O arquipélago Brasil






O ano de 2015 marcou a renovação da cúpula do Exército com a chegada aos postos de comando de oficiais que não foram meus contemporâneos nas escolas de formação. Procurei saber o que pensam estes generais que assumiram o comando da Força terrestre. Fixei-me no Comandante do Exército, general Villas Bôas, no Chefe do Estado Maior do Exército, general Etchegoyen e no Comandante Militar do Sul, general Mourão.

Acredito que, passado um ano, já se pode ver o cenário com a clareza necessária para emitir opiniões e colaborar para que os militares venham a reassumir o protagonismo perdido depois do chamado “regime militar”. E farei o que venho fazendo nos últimos trinta anos, ciente do que disse Felipe Gonzáles, o ex-primeiro ministro espanhol: “No se modifica la realidad desde la orilla. Si quieres modificarla, hás de mojarte”.

Venho defendendo, nos últimos trinta anos, que os militares assumam um papel mais ajustados às nossas demandas e à realidade do cenário em que nos inserimos. No artigo “Por trás do urutu”, publicado no Jornal do Brasil e no Correio Braziliense, no dia 25/10/1987, quase trinta anos atrás, buscava influir os constituintes: “Está nas mãos dos constituintes o estabelecimento das diretrizes que permitam a definição do papel a ser exercido pelas Forças Armadas, hoje sem missão estratégica realista. Somos fracos para a guerra convencional contra uma superpotência. Estamos despreparados para organizar a luta guerrilheira nacional que seguiria a uma eventual ocupação de nosso território. E estamos à margem da nossa grande guerra ao subdesenvolvimento. É preciso dar às Forças Armadas um perfil marcado pela flexibilidade operacional e tecnológica, com objetivos estratégicos ajustados à realidade nacional, com tropas profissionais bem remuneradas, bem equipadas e engajadas nas atividades de defesa e de combate ao subdesenvolvimento”.

Assisti à palestra que o general Etchegoyen, Chefe do Estado Maior do Exército, proferiu na SIBRA (Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência, Porto Alegre, 25/6/2015), “A nova composição de forças internacionais”.

A simpatia do general e o domínio dos assuntos abordados cativou a plateia de forma a tornar leves duas horas de exposição, sem intervalo. O interesse de uma plateia qualificada e preocupada com a preocupante conjuntura nacional que chegou a se empolgar, diante da segurança transmitida pela exposição do general. A empolgação chegou até a lançamento à Presidência da República.


Sai de lá pensando no que o general havia exposto sobre o pano de fundo de um mapa mundi iluminado. Na cobiça do Norte iluminado pelas commodities do apagado Sul; nos déficits de soberania; nas projeções de poder que as assimetrias provocam; na estabilidade da América do Sul com suas fronteiras externas resolvidas, mas ameaçada por problemas insolúveis em suas fronteiras internas; na estratégia de dissuasão, no caso brasileiro; na nossa tendência de importarmos ideologias e sobre elas fixarmos um debate dominado por raiva, resmungos, preconceitos e ressentimentos e deixarmos de lado os nossos reais interesses; na necessidade de um projeto de país; na nova mentalidade de defesa criada pelo END; na estabilidade institucional gerada por um modelo com três protagonistas: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados e, por fim, no alerta dado: “o Exército tem duas grandes preocupações: a preservação da coesão social e a preservação da nossa soberania, qualquer coisa que atente contra isso aciona o nosso radar”.



Isolamento
Em algumas passagens o general Etchegoyen deixou-me a convicção de que o Exército continua dominado pela ideia força que vem desde o fim do regime militar: recolher-se aos quartéis e deixar que a sociedade faça as coisas como bem entender e esperar que volte a chamá-lo, como em 1964, quando, convocados, intervimos, assumimos uma cota de sacrifício que nos pesa até hoje e, ainda nos debitaram todos os erros sem nos ter creditado os acertos que nos catapultaram para uma economia moderna, base de tudo que temos hoje.

Agora somos nós, eles e o governo, pois, segundo o general, “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados” e repisa: “Esse modelo passa por uma consciência do Governo sobre o papel das FFAA e da autonomia que ele, Governo, deve dar às FFAA, nas suas coisas”.

E quando perguntaram sobre o que achava melhor para ser o ministro da Defesa, um general ou um civil, foi peremptório: “Um civil é muito melhor. No caso de um militar ele tinha que usar dois chapéus, pois ele é o representante dos militares junto a Presidência da República e da Presidência da República junto aos militares e não existe um general com voto no Congresso para defender os militares”. “É melhor com um político no MD, pois nós cuidamos da Força e ele (o MD) vai cuidar das questões políticas”. “O ministro da Defesa tem que ser político, tem que ter poder político”.

Sinto neste posicionamento dos nossos generais a consolidação de uma ideia equivocada dos chefes revolucionários de que era necessário tolher a evolução natural de um oficial aonde o vetor profissional, predominante no início da carreira, ia cedendo espaço para o político, de forma que no topo, a resultante apontasse, predominantemente, para o político, para suprir aquilo que o Chefe do EME acha melhor deixar nas mãos dos políticos: a capacidade de negociação para a satisfação das demandas da Força. Migramos de um modelo que forjou a Revolução de 64 e nos salvou do caos para o que aí está em que olhamos para dentro, para o presente e deixamos que políticos tratem do nosso futuro. E políticos sem o mínimo preparo para tratar de assuntos de defesa nacional.

Assegurou, no entanto, o general Etchegoyen, diante da preocupação externada sobre as ameaças de movimentos sociais e de forças paramilitares, tipo MST: “o Exército tem duas grandes preocupações: a preservação da coesão social e a preservação da nossa soberania, qualquer coisa que atente contra isso aciona o nosso radar”.

Em suma, como salientou o general, “temos FFAA conscientes do seu papel, vigilantes e elas não representam ameaça nem para a Sociedade e nem para o Governo”, mas com o radar ligado, prontos para atender qualquer chamado da sociedade civil.

De tudo, o que mais me preocupou foi constatar que se consolidou o que eu temia e contra o que venho lutando nestes últimos trinta anos: o modelo de país que está na cabeça dos militares é o de um arquipélago formado por três ilhas, a Sociedade, as Forças Armadas e o Governo. E este arquipélago fica ainda mais nítido quando se constata que as pontes entre a Sociedade e o Governo estão sendo dinamitadas pela rejeição provocada, em suma, pela lassidão moral que se enraizou em nosso meio. E que as existentes com os militares foram sendo demolidas, gradativamente, a partir de 1964.

Sempre combati este isolamento dos militares que vejo se consolidar. O cerne da minha militância, no assunto, está no meu livro “Os militares e a guerra social” (Artes e Ofícios, 1994) onde defendo a criação de condições para que o Exército volte ao protagonismo que o consolidou como a instituição de maior prestígio junto à sociedade.

Por mais paradoxal que possa ser, este isolamento que se consolida, começou lá em 1964, quando os militares assumiram o poder e decidiram “profissionalizar” as forças armadas, ensimesmando-se, queimando pontes. Páginas e mais páginas seriam necessárias para mostrar as consequências das decisões equivocadas de destruir pontes que nos mantinham integrados, principalmente, à sociedade.

A falta de visão ao submeter os militares à “cota de sacrifício” quando deveria ter sido estabelecido um Plano de Carreira que mantivesse a carreira militar atraente diante da concorrência surgida com o “boom” desenvolvimentista dos anos 70, causa principal do descolamento do perfil do oficialato do da Sociedade. E a perda de atratividade gera uma natural evasão dos melhores quadros na busca de uma vida melhor.

Paradoxal, repetindo: foi durante o regime militar que se construíram as carreiras de Estado que hoje estão atraindo nossos jovens oficiais em uma evasão que considero um dos problemas dos mais graves a enfrentar, muito mais do que o reequipamento. Foi durante o regime militar que nos consolidamos na posição de “primos pobres” das carreiras de Estado. E este problema, ressalto, é prioritário, pois levaremos, no mínimo, uma geração para recuperarmos o status dos anos 60.

Pela importância, abro parêntesis para comentar a entrevista do Comandante do Exército à Revista do Clube Militar (abril/2015), quando abordado o assunto evasão de jovens oficiais. Perguntado sobre o preocupante aumento da taxa de evasão de militares de carreira, passou-me a visão de um perigoso conformismo que chega às raias daquilo que o general Synésio Fernandes considerou, ao traduzir, em email, a indignação dos militares com a inação dos chefes contra a degradação salarial: “a hipocrisia que esconde a realidade com o seu manto de deboche”. Quando perguntado sobre a “preocupante taxa de evasão de militares de carreira”, alegou o General Villas Bôas, que devido à ótima formação dos oficiais do Exército, estes “tornam-se extremamente atraentes para o exercício de funções da iniciativa privada e candidatos muito competitivos nos cargos oferecidos nos melhores concursos públicos”. E arrematou: “a saída precoce desse pessoal, ao menos nos assegura, favoravelmente, a disseminação da imagem e da reputação do Exército por novos ambientes da sociedade brasileira, conduzindo e divulgando os valores da Força, e contribuindo, de forma indireta, para a missão de cooperar com o desenvolvimento do País”. Ora, não é missão do Exército formar quadros para a iniciativa privada ou preparar candidatos competitivos para os melhores concursos públicos. Este conformismo deveria dar lugar à busca de atratividade para a carreira militar, cuja condição básica está apontada na END: “que seja remunerada com vencimentos competitivos com outras valorizadas carreiras do Estado”.

Fecho o parêntesis para abordar outra ponte que foi destruída: o patrulhamento imposto ao Clube Militar que o levou de vetor do protagonismo político dos militares no debate nacional ao domado papel de clube social, de círculo militar da guarnição do Rio de Janeiro. Registro mais uma vez a minha convicção e desafio que a desmontem: foram os militares que se isolaram da Sociedade, através de decisões equivocadas, fruto da falta de visão estratégica.

Esta preocupação se torna ainda maior quando se constata que o general Etchegoyen, Chefe do Estado Maior do Exército, é neto e filho de chefes militares daquele exército que a Sociedade sempre confiou e que sempre o considerou como parte dela, sendo um reflexo do seu perfil. Seu avô foi, inclusive, presidente do Clube Militar em uma das fases em que o seu protagonismo no debate político foi dos mais agudos e que, a meu juízo, serve de paradigma para o que se deseja para o nosso clube. Preocupante, pois, seguramente, o pensamento do general é o predominante entre os atuais chefes militares.

Foi de propósito que comecei a fazer considerações sobre a excelente palestra do Chefe do Estado Maior do Exército, pelo isolamento, pela, que vejo consolidada, “posição de equilíbrio” atingida pelo modelo “FFAA, Sociedade e Governo” porque vai ditar o papel dos militares no Brasil que estamos querendo construir, ajustado às demandas e recursos do país ou aos anseios dos militares.

O Brasil na América do Sul
Conforme salientou o Chefe do EME, o Brasil pertence a um condomínio chamado América do Sul, um mosaico com 12 nações, com fronteiras bem definidas, ocupando 12% da superfície do planeta em que habitam 6% da sua população, exercendo soberania sobre 25%, tanto das suas terras agricultáveis como da sua reserva de água potável. Deste condomínio, ao Brasil correspondem 47% do território, 55% da população e 58% do PIB.

“A estabilidade mora na América do Sul”, constata o general. Estabilidade de fronteiras, pois, como reconhece, se as fronteiras externas são de integração, as internas causam instabilidades, fruto de dramáticas assimetrias provocadas pela criminalidade, pobreza, falta de saúde, miséria e pelo pai e mãe delas que são a corrupção e a falta de educação. E para agravar este quadro de instabilidade interna, acrescenta o general, “ficamos nos digladiando, aceitando meridianos ideológicos e não definimos o nosso interesse, qual a nossa responsabilidade com as gerações que vão nos suceder, como vamos garantir a estas gerações o desfrute destas riquezas?”.

E o que agrava este cenário delineado pelo Chefe do EME, é que os últimos governos se fixaram em consolidar um projeto de poder e não a implementação de um projeto de nação. Trataram de consolidar uma massa de manobra que garantisse votos à custa de benesses governamentais e aproveitaram os bons ventos do desenvolvimento chinês para transformar o Brasil em um fornecedor de commodities para a plataforma mundial de produção de mercadorias. Paradoxal, mas a China capitalista conseguiu o que a China de Mao não conseguiu: transformar o Brasil em uma grande Cuba.

A má qualidade da educação no país associada à excludente revolução digital, disparada pelos avanços na computação e nas tecnologias de informação e comunicação ao fim do século XX, tende a produzir massas de excluídos do processo produtivo que viverão à custa do Estado. De acordo com o levantamento da CNI, o Brasil aparece em penúltimo lugar no ranking de competitividade formado por 15 países. Na classificação da OCDE, o Brasil está no fim da lista, na posição 60/76. A automação em larga escala das linhas de produção significa que somente os qualificados permanecerão empregados levando ao fenômeno que os economistas chamam de "desindustrialização prematura".

Além disso, apontou o general que “a América do Sul é uma região do mundo com déficits de soberania muito graves. Se nós, ainda, não integramos 62% do nosso território, que é a Amazônia, nós temos um déficit de soberania; se as Malvinas são Falklands, nós temos um déficit de soberania; se as FARC dominam 30, 40 por cento do território colombiano, nós temos um déficit de soberania; se a França ainda tem uma colônia na fronteira com o Amapá, nós temos um déficit de soberania”.

E com todos esses déficits de soberania e conformados com o papel de supridor de commodities, 6% da população do planeta precisa garantir a soberania sobre imensas reservas de recursos, diante de pressões dos países do Norte, já orquestradas por porta vozes de todo o espectro ideológico, como Kissinger ("Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos, 1994"), como Mitterrand ("O Brasil tem que aceitar a soberania parcial sobre a Amazônia", 1989), como Gorbachev ("O Brasil tem que delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia a Organizações Internacionais competentes,1992"), como o “Grupo dos Cem” ("Somente a internacionalização poderá salvar a Amazônia", 1989) ou como o Congresso de Ambientalistas Alemães ("A Amazônia tem que ser intocável, porque é o suprimento de florestas da humanidade", 1990).

Pressões que começam a se materializar, conforme apontou o general, pelo posicionamento das potências nucleares China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia visando alguma forma de comandamento sobre o suprimento de commodities, petróleo e água potável. E continua o general a delinear o cenário: “A OTAN, na sua última diretriz estratégica definiu que Atlântico norte ou sul são uma coisa só para defender os interesses dos seus membros”, “A China está chegando, com presença muito forte no Atlântico Sul, com presença na África Oriental e, agora, comprando terras na Argentina”, a Inglaterra com presença na cadeia de ilhas do Atlântico sul que vai até as Malvinas, “a França costuma dizer que a sua maior fronteira terrestre é com o Brasil”, “a Rússia está na Venezuela e na Bolívia com bom suporte militar, não em pessoal, mas em equipamento” e os Estados Unidos com presença militar na Colômbia e sua IV Frota.

E a China não está só na Argentina, mas aqui, no Brasil, com o programa CBERS 4 de satélites de sensoriamento remoto desenvolvido em parceria e que manda do espaço dados estratégicos sobre o território brasileiro. Inclusive, segundo o general Etchegoyen, a China está pedindo para que o Exército Brasileiro vá dar instrução de guerra na selva, na China! “Engraçado, mas é isso mesmo: eles querem aprender operações na selva e eles estão na Ásia”, comenta. Sobre o projeto CBERS é necessário que se registre que os dados recebidos do satélite que, convertidos em imagens, são estratégicos para os planos de defesa da região e para o controle da maior reserva florestal e hídrica, na faixa tropical do planeta, somente são covertidos em imagens na China, pois não dispomos do software para a decodificação dos dados e os chineses não as repassam ao Brasil e nem fornecem o software para rodar nos computadores brasileiros.

E pergunta o Chefe do EME: “E o que o Exército Brasileiro está fazendo neste cenário de incertezas em que o mundo ainda não encontrou a paz que vai presidir a vida dos nossos netos”?

Estratégia Nacional de Defesa
Informa o general Etchegoyen que está em desenvolvimento um processo de transformação para ajustar o Exército às novas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (Decreto n. 6.703/2008), “que nos dê capacidade de enfrentar o que virá, e que, como conversamos até agora, é incerto, não sabido”.

Em suma, o Chefe do Estado Maior do Exército, no inverno de 2015, pergunta o que o Exército Brasileiro está fazendo neste cenário de incertezas e ele mesmo responde que está se capacitando para enfrentar o que é “incerto, não sabido”.

Trata-se, seguramente, da declaração mais sincera e corajosa feita por um chefe militar, nos últimos trinta anos: o reconhecimento de que estamos nos equipando para enfrentar um inimigo que desconhecemos. O reconhecimento de que viemos, ao longo deste longo período, repetindo o erro de Saddam Hussein que gastou bilhões de dólares para montar, no Iraque, uma das mais poderosas forças armadas para virar sucata na tempestade no deserto que provocou ao desafiar a maior potência militar do planeta.

Estamos nos equipando para o quê? Para dissuadir a marinha de Evo Morales de ameaçar o nosso pré-sal ou para dissuadir um dos nossos vizinhos de nos invadir quando sabemos que somente a nossa projeção de poder é mais do que suficiente para manter a estabilidade das nossas fronteiras, como reconhece o Chefe do EME? Ou nos iludindo porque sabemos que a única dissuasão respeitada pelas nossas reais ameaças é aquela que insensatamente renunciamos, a nuclear? E a prova está aí nas manchetes: a Coreia do Norte, um país miserável, que sem o seu arsenal nuclear já teria sido varrido da face da terra há muito tempo.

E que cenário de incertezas é este, se a END parte do princípio que vivemos em paz com nossos vizinhos e que a nossa natural hegemonia dispensa qualquer anseio imperialista? E se a Política Nacional de Defesa, que estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa tem, como o primeiro deles, a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial?
Será que a estabilidade de fronteiras pode nos assegurar que “a estabilidade mora na América do Sul”, com todas as dramáticas assimetrias e os preocupantes déficits de soberania apontados pelo general, potencializados pela nossa tendência a ficar “nos digladiando, aceitando meridianos ideológicos”, em vez de definir “o nosso interesse, qual a nossa responsabilidade com as gerações que vão nos suceder, como vamos garantir a estas gerações o desfrute destas riquezas” e, além de tudo isso, pelo posicionamento das potências nucleares China, Estados Unidos, França, Inglaterra e Rússia visando alguma forma de comandamento sobre o suprimento de commodities, petróleo e água potável?
Constata-se que nada mudou desde o fim do dito regime militar. Naquela época, se vivia a Pax Americana, com a hegemonia norte-americana, depois da fragmentação da União Soviética e da Guerra do Golfo. Aqui na América do Sul, já se vivia o mesmo cenário de hoje, pautado pela estabilidade, mas com o interesse das potências industriais (e nucleares) em nossos recursos naturais e as naturais pressões já expressas. O que se agravaram foram as assimetrias e os déficits de soberania que aumentaram as tensões nas fronteiras internas.
As FFAA passaram por um período difícil ao saírem do regime militar: orçamento baixo, equipamento e armamento sucateado, críticas sobre a atuação nos chamados anos de chumbo, a necessidade de definir o papel dos militares com a revisão da doutrina militar e redefinição das próprias missões. Na realidade, as forças armadas brasileiras mergulharam em uma crise existencial o que suscitou um debate sobre o papel que os nossos militares deveriam assumir e que, pelo visto, ainda não terminou.

No meio deste debate que se iniciou no fim dos anos de 1980, o almirante Armando Vidigal em “Uma nova concepção estratégica para o Brasil” (in, Revista Marítima Brasileira, jul./set. 1989) alertava que “As Forças Armadas correm o risco de “desemprego estrutural”, isto é, de se tornarem imensas organizações sem objetivos concretos, com militares eternamente à espera de algo que sabem não acontecerá. Caso outras motivações, de maior credibilidade, não venham substituir as antigas, os militares viverão uma crise existencial, com possibilidades de transformarem-se em burocratas fardados encarregados de operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”.

Conforme alertou o Almirante Vidigal, as FFAA correm o risco “de se tornarem imensas organizações sem objetivos concretos, com militares eternamente à espera de algo que sabem não acontecerá”, “caso outras motivações, de maior credibilidade, não venham substituir as antigas”, correm o risco de mergulhar em uma crise existencial, “com possibilidades de transformarem-se em burocratas fardados encarregados de operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”.

O cerne da questão está na reação de os militares aceitarem a substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade, como prega o almirante.
Naquela ocasião, pregava eu (IX Conferência Continental da Associação Americana de Juristas, Porto Alegre, inverno de 1991) que “a discussão que se desenvolve no mundo sobre o papel dos militares na nova ordem que se estabelece após a fragmentação da União Soviética e da guerra do Golfo chegou ao Brasil e aos poucos começa a empolgar a sociedade. No debate interno, dominam modelos estrangeiros baseados em concepções estratégicas calcadas em demandas e valores diferentes. O risco é que não aproveitemos essa oportunidade para moldar as nossas Forças Armadas às nossas necessidades, ao esforço para construir, no Brasil, a grande nação do século 21. Devemos enfrentar com todo pragmatismo a Pax Americana que os americanos e seus aliados tentam impor aos países do Terceiro Mundo. Nada adiantará procurarmos em tal estratégia um complô para desestruturar as nossas Forças Armadas. O que devemos é pensar estrategicamente e buscar condições favoráveis à construção de uma nação para nós e nossos filhos. Aproveitarmos os ventos de paz para enfrentarmos o nosso grande inimigo que é a miséria. Contra o qual é impotente toda a parafernália que equipa os modernos exércitos do mundo desenvolvido, como bem ilustra Saddam Hussein, que submeteu o seu povo à miséria para equipar um exército que foi esmagado na guerra do Golfo. Será que o modelo adotado pelos países ricos serve para as nossas Forças Armadas?”.

E encaminhava uma proposta de modelo de um novo papel para os militares sugerindo que o “nosso planejamento estratégico militar deveria considerar que não temos inimigos potenciais para os quais tenhamos que nos preparar e que somos impotentes, mesmo gastando tudo que possuímos em armamentos, para enfrentar as grandes potências industriais e que temos um inimigo cruel: a miséria”.

Das muitas reações, registro duas frases. A conclusão de o editorial “O País das Maravilhas”, Noticiário do Exército, 11/7/1991, referindo-se às minhas propostas: “Felizmente, nossa sociedade não comunga com as ideias acima, esposadas por minoria obscura, constituída por ex-militares, frustrados em sua vocação, que pouco ou nada produziram pela Instituição, dela se valendo apenas para proveito próprio”. E a minha resposta (“Coragem de Mudar”, jornal “Ombro a Ombro”, julho de 1991), a artigo publicado no mesmo jornal, em que minhas propostas, segundo o irado autor, um prestigiado chefe militar, “se perdem e se esvaziam no emaranhado de baboseiras, contradições, incoerências e aleivosias”: “O país está sendo atacado por inimigos mortais que ocasionam milhares de baixas diárias”, rebatia eu. “O país está assustado diante de tanta miséria e tanta violência. A quem caberá, se não a nós, liderar o esforço nacional, a reação nacional? Pertencemos a uma das poucas instituições com o potencial exigido para tal esforço. Lutar contra este estado de coisas é defender a soberania nacional. Mudar o papel não indica fracasso ou fraqueza. Pelo contrário, mostra coragem e capacidade de se ajustar às ameaças a que está submetida a Nação”.

Passados trinta anos, verifica-se que os nossos comandantes não só não seguiram as sugestões feitas para repensar o papel que deveriam exercer como não seguiram o sábio conselho de Roberto Campos: “Saber mudar de inimigos é não só uma receita de sobrevivência como, às vezes, uma receita de sucesso”.

Preferiram, pelo que se constata, o isolamento. Nas palavras do Chefe do EME, na já mencionada palestra em Porto Alegre: “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados” e repisa: “Esse modelo passa por uma consciência do Governo sobre o papel das FFAA e da autonomia que ele, Governo, deve dar às FFAA, nas suas coisas”.

E aí, torno minha a pergunta feita pelo general Etchegoyen: “E o que o Exército Brasileiro está fazendo neste cenário de incertezas em que o mundo ainda não encontrou a paz que vai presidir a vida dos nossos netos”? E responderia com o alerta feito pelo Almirante Vidigal: assim procedendo, “As Forças Armadas correm o risco de “desemprego estrutural”, isto é, de se tornarem imensas organizações sem objetivos concretos, com militares eternamente à espera de algo que sabem não acontecerá. Caso outras motivações, de maior credibilidade, não venham substituir as antigas, os militares viverão uma crise existencial, com possibilidades de transformarem-se em burocratas fardados encarregados de operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”.

Porque este modelo que se consolidou nestas três ilhas, FFAA, Governo e Sociedade, passados trinta anos do regime dito militar, já causou os temidos efeitos do afastamento dos militares da Sociedade e de um projeto de nação e da sua aproximação da área de influência do Governo com a natural sintonia com o seu projeto de poder.

Concluo este texto com um desafio, parafraseando o General Etchegoyen: “E o que o Exército Brasileiro poderia fazer, neste cenário de incertezas em que o mundo ainda não encontrou a paz, para criarmos um Brasil melhor para nós, nossos filhos e netos”?

Trata-se, reconheço, de um assunto polêmico, mas como bem estabelece a Estratégia Nacional de Defesa (Decreto 6703/2008): “Disposição para mudar é o que a Nação está a exigir agora de seus marinheiros, soldados e aviadores. Não se trata apenas de financiar e de equipar as Forças Armadas. Trata-se de transformá-las, para melhor defenderem o Brasil”.


Péricles da Cunha, 11/02/2016.


terça-feira, 8 de março de 2016

Trinta anos de militância por um Brasil melhor


Pretendo neste blog reunir todos os textos que produzi ao longo destes trinta anos (1986-2016) de militância por um Brasil melhor. No ano de 1986 deixei o serviço ativo no Exército Brasileiro e decidi iniciar uma cruzada visando ajustar o papel dos militares ao Brasil que surgia no pós-regime militar, evitando que se isolassem nos quartéis e que ajudassem a construir um Brasil melhor.

Os textos serão postados na ordem cronológica, com o registro da data de edição