terça-feira, 9 de março de 2021

Lula e Bolsonaro: filhotes da ditadura


 

No livro 'A Prisioneira', o escritor francês Marcel Proust anotou o seguinte: "Habitualmente detestamos o que nos é semelhante e nossos próprios defeitos vistos de fora nos exasperam. "Bolsonaro e o bolsonarismo detestam Lula e o lulismo. E vice-versa. Mas os dois líderes políticos e seus seguidores vão se transformando gradativamente em extremos que se tocam.

São muitas as diferenças que igualam bolsonaristas e lulistas. Eles estão cada vez mais assemelhados. Uniram-se na desqualificação de Sergio Moro. Irmanaram-se no desprezo à imprensa. Equipararam-se nas desculpas esfarrapadas: "Eu não sabia". Ou "é perseguição política". Nivelaram-se em acordos rasos com o Centrão.

Se um dia se derem conta do papel de idiota que fazem, os adoradores do mito e da divindade petista terão dificuldades para descobrir o que fazer com todo o ódio que estocaram para alimentar suas lacraias interiores. (“Bolsonarismo e lulismo são extremos que se tocam”, Josias de Souza, 5/5/2020)

 

Tomo, como gancho, este comentário de Josias de Souza, para mais um esforço no sentido de desfazer este maniqueísmo que se não extirpado vai nos atrasar, a tal ponto, que tornará quase impossível construir o Brasil melhor, sonho de todos nós.

Esforço, principalmente, para tentar esclarecer gente conhecida e sabidamente bem intencionada, que se tornaram incondicionais adoradores do Mito, evitando que, mais tarde, venham se dar conta do papel de idiotas que estão fazendo e das dificuldades que terão para se desfazer de “todo o ódio que estocaram para alimentar suas lacraias interiores”.

Apesar do maniqueísmo que os dois protagonizam, Lula e Bolsonaro são irmãos, “filhotes da ditadura”, no dizer de Leonel Brizola, sendo um, programado e outro, “por descuido”, como diziam os antigos. Ambos gestados no bojo da abertura política “lenta, gradual e segura”, de Geisel (1974-1979) e que teve, em Golbery do Couto e Silva, seu estrategista.

Este texto vai mostrar que estes dois polos da radicalização foram gestados no regime militar e evoluíram em rotas paralelas, mas convergentes no objetivo: a conquista do poder pelo poder, através da manipulação de massas e a eliminação do inimigo, pela perpetuação do ódio que leva à violência, como solução para eliminação dos obstáculos.  

Os dois sonham com a democracia direta, com o comandamento do Legislativo e do Judiciário, que seriam simplesmente órgãos carimbadores das decisões tomadas pelo Executivo, através da manipulação de massas de manobra, tangidas como gado.

Um parêntesis é necessário para que se caracterize o habitat em que estas criaturas se desenvolveram e se tornaram protagonistas principais do nocivo maniqueísmo que nos atormenta.

Nossas demandas são supridas por meio de estruturas que, invariavelmente, são constituídas de uma cadeia de comando que vai projetar a demanda, suprir os recursos necessários e controlar a sua plena execução pela força produtiva, através de uma interface entre a força produtiva e a cadeia de comando, cuja função é fazer executar as ordens da cadeia de comando e realimentá-la de forma a otimizar a produção.

No meio civil, no que toca à mão-de-obra, nessa interface situa-se o sindicato, enquanto que nas forças armadas, equivale às subunidades (esquadrão, companhia, bateria) que são comandadas por capitão. É o capitão, a interface da tropa (tenente, sargento, cabo, soldado) com a cadeia de comando.

Na visão de Golbery, era necessário evitar um retorno ao cenário que provocou a intervenção militar de 1964, radicalizado por Leonel Brizola e pela agitação da massa trabalhadora, disputada pelo comunismo e pelo trabalhismo.

Segundo Golbery, a reforma partidária pretendida deveria contar com o protagonismo de Brizola, porque ele estava se tornando, fora do país, um mito muito forte, mas, para isso, seria necessário “aparar suas asas”, restringindo sua influência junto à massa trabalhadora. Urgia isolar Brizola e desviar os trabalhadores, tanto da lógica da luta de classes como do obsoleto corporativismo varguista.

Foi neste ambiente que foram gestados estes dois irmãos, Lula e Bolsonaro.


LULA

Lula, em 1968, foi aluno do Iadesil (Instituto Americano de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre), escola de doutrinação de liderança sindical, mantido, desde 1963, em São Paulo, pela poderosa central norte-americana AFL-CIO. Cursos desenhados sob medida para parecer de Esquerda, mas, na realidade, para servir ao sistema dominante. Na realidade, Lula foi submetido à uma tremenda lavagem cerebral (brain wash) pelos dois organismos americanos, interessados em ter um aliado em um país como o Brasil.

A aproximação de Lula com os militares se deveu a Paulo Villares, um dos, então, capitães da indústria nacional, amigo e patrão de Lula, depois de ter, este, demonstrado habilidades na condução de uma greve “armada” por Paulo Villares para rescindir um contrato mal feito com a COFAP, em 1973, transformando o que lhe daria grande prejuízo em uma rescisão em que ganhou alguns milhões de dólares.

Depois desse fato, foi, então, Lula apresentado ao General Golbery, em um churrasco, na casa deste, na Granja do Riacho Fundo, na presença de centenas de empresários amigos de Golbery e financiadores do movimento militar de 1964.

Ainda em 1973, o governo militar escolheu Lula para realizar treinamento sob os auspícios da AFL-CIO, com direito a interpretes, na Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, USA.

Desde o início, Lula demonstrou ser o que o general Golbery queria para comandar o sindicalismo brasileiro: alguém que tivesse a capacidade, repita-se porque importante, de exorcizar das relações de trabalho, tanto a luta de classes como o obsoleto corporativismo varguista. Alguém que tornasse rotina o que Lula fez na greve “armada” pela Villares, em 1973. Para repetir, aqui, o sindicalismo de resultados do poderoso movimento operário alemão.


BOLSONARO

Em 1973, mesmo ano de em que Lula demonstrou sua utilidade, no caso Villares, e foi mandado por Golbery para os Estados Unidos para treinamento, Bolsonaro ingressava na carreira militar sendo declarado oficial, em 1977.

No Exército, Bolsonaro ensaiou desestabilizar a cadeia de comando, naquele episódio em que liderou movimento de reivindicação salarial (1986) que incluiu plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio. Submetido a Conselho de Justificação, foi JULGADO CULPADO, POR UNANIMIDADE, porque “MENTIU DURANTE TODO O PROCESSO, quando negou a autoria dos esboços publicados na revista “Veja”, como comprovam os laudos periciais”. Recorreu ao STM, ADMITIU ATOS DE INDISCIPLINA E DESLEALDADE NO EXÉRCITO, foi absolvido por 8x4 e, meses depois, transferido para a reserva por ter sido eleito vereador no RJ.

No Baixo Clero, continuou a liderar movimentos de desestabilização da cadeia de comando, sempre tentando destruir o topo da pirâmide. Agora, como presidente da República, entrou em crise existencial, pois ele é o topo e o que ele sabe fazer é DESESTABILIZAR O TOPO.

Verifica-se que enquanto o sindicalista Lula age na base da pirâmide, sobre a massa trabalhadora, no sentido de conciliar as relações patrões/operariado, o capitão Bolsonaro insufla a base contra o topo da pirâmide, tentando desestabilizar a cadeia de comando. Enquanto aquele é conciliador, este é desagregador.

Dizem que Lenin odiava Eduard Bernstein, o líder dos social-democratas alemães, porque este, passou de revolucionário a reformista, graças às concessões que o poderoso movimento operário alemão vinha arrancando da burguesia, enquanto aquele buscava a ruptura com a destruição do capitalismo. Bernstein acreditava que o socialismo seria alcançado pelo capitalismo, não pela destruição do capitalismo. Paradoxalmente, o capitão Bolsonaro age como Lenin, o comunista, enquanto o sindicalista Lula, como Bernstein, o social-democrata.