No
livro 'A Prisioneira', o escritor francês Marcel Proust anotou o seguinte:
"Habitualmente detestamos o que nos é semelhante e nossos próprios
defeitos vistos de fora nos exasperam. "Bolsonaro e o bolsonarismo
detestam Lula e o lulismo. E vice-versa. Mas os dois líderes políticos e seus
seguidores vão se transformando gradativamente em extremos que se tocam.
São muitas as diferenças que igualam bolsonaristas e lulistas. Eles estão cada vez mais assemelhados. Uniram-se na desqualificação de Sergio Moro. Irmanaram-se no desprezo à imprensa. Equipararam-se nas desculpas esfarrapadas: "Eu não sabia". Ou "é perseguição política". Nivelaram-se em acordos rasos com o Centrão.
Se um dia se derem conta do papel de idiota que fazem, os adoradores do mito e da divindade petista terão dificuldades para descobrir o que fazer com todo o ódio que estocaram para alimentar suas lacraias interiores. (“Bolsonarismo e lulismo são extremos que se tocam”, Josias de Souza, 5/5/2020)
Tomo,
como gancho, este comentário de Josias de Souza, para mais um esforço no
sentido de desfazer este maniqueísmo que se não extirpado vai nos atrasar, a
tal ponto, que tornará quase impossível construir o Brasil melhor, sonho de
todos nós.
Esforço,
principalmente, para tentar esclarecer gente conhecida e sabidamente bem
intencionada, que se tornaram incondicionais adoradores do Mito, evitando que,
mais tarde, venham se dar conta do papel de idiotas que estão fazendo e das
dificuldades que terão para se desfazer de “todo o ódio que estocaram para
alimentar suas lacraias interiores”.
Apesar
do maniqueísmo que os dois protagonizam, Lula e Bolsonaro são irmãos, “filhotes
da ditadura”, no dizer de Leonel Brizola, sendo um, programado e outro, “por
descuido”, como diziam os antigos. Ambos gestados no bojo da abertura política
“lenta, gradual e segura”, de Geisel (1974-1979) e que teve, em Golbery do
Couto e Silva, seu estrategista.
Este texto vai mostrar que estes dois
polos da radicalização foram gestados no regime militar e evoluíram em rotas
paralelas, mas convergentes no objetivo: a conquista do poder pelo poder,
através da manipulação de massas e a eliminação do inimigo, pela perpetuação do
ódio que leva à violência, como solução para eliminação dos obstáculos.
Os dois sonham com a democracia direta,
com o comandamento do Legislativo e do Judiciário, que seriam simplesmente
órgãos carimbadores das decisões tomadas pelo Executivo, através da manipulação
de massas de manobra, tangidas como gado.
Um parêntesis é necessário para que se
caracterize o habitat em que estas criaturas se desenvolveram e se tornaram
protagonistas principais do nocivo maniqueísmo que nos atormenta.
Nossas demandas são supridas por meio de
estruturas que, invariavelmente, são constituídas de uma cadeia de comando que
vai projetar a demanda, suprir os recursos necessários e controlar a sua plena
execução pela força produtiva, através de uma interface entre a força produtiva
e a cadeia de comando, cuja função é fazer executar as ordens da cadeia de
comando e realimentá-la de forma a otimizar a produção.
No meio civil, no que toca à mão-de-obra, nessa
interface situa-se o sindicato, enquanto que nas forças armadas, equivale às subunidades (esquadrão,
companhia, bateria) que são comandadas por capitão. É o capitão, a interface da
tropa (tenente, sargento, cabo, soldado) com a cadeia de comando.
Na visão de Golbery, era necessário evitar um retorno ao
cenário que provocou a intervenção militar de 1964, radicalizado por Leonel
Brizola e pela agitação da massa trabalhadora, disputada pelo comunismo e pelo
trabalhismo.
Segundo Golbery, a reforma partidária pretendida deveria
contar com o protagonismo de Brizola, porque ele estava
se tornando, fora do país, um mito muito forte, mas, para isso, seria
necessário “aparar suas asas”, restringindo sua influência junto à massa trabalhadora.
Urgia isolar Brizola e desviar os trabalhadores,
tanto da lógica da luta de classes como do obsoleto corporativismo varguista.
Foi neste ambiente que foram gestados estes dois irmãos, Lula
e Bolsonaro.
LULA
Lula, em 1968, foi aluno do Iadesil (Instituto Americano de
Desenvolvimento do Sindicalismo Livre), escola de doutrinação de liderança
sindical, mantido, desde 1963, em São Paulo, pela poderosa central
norte-americana AFL-CIO. Cursos desenhados sob medida para parecer de Esquerda,
mas, na realidade, para servir ao sistema dominante. Na realidade, Lula foi
submetido à uma tremenda lavagem
cerebral (brain wash) pelos dois organismos americanos, interessados em ter um
aliado em um país como o Brasil.
A aproximação
de Lula com os militares se deveu a Paulo Villares, um dos, então, capitães da indústria
nacional, amigo e patrão de Lula, depois de ter, este,
demonstrado habilidades na condução de uma greve “armada” por Paulo Villares
para rescindir um contrato mal feito com a COFAP, em 1973, transformando o que
lhe daria grande prejuízo em uma rescisão em que ganhou alguns milhões de
dólares.
Depois desse
fato, foi, então, Lula apresentado ao General Golbery, em um churrasco, na casa
deste, na Granja do Riacho Fundo, na presença de centenas de empresários amigos
de Golbery e financiadores do movimento militar de 1964.
Ainda em 1973,
o governo militar escolheu Lula para realizar treinamento sob os auspícios da
AFL-CIO, com direito a interpretes, na Johns Hopkins University, em Baltimore,
Maryland, USA.
Desde o início, Lula demonstrou ser o que o general Golbery queria
para comandar o sindicalismo brasileiro: alguém que tivesse a capacidade,
repita-se porque importante, de exorcizar das relações de trabalho, tanto a luta de classes como o obsoleto corporativismo
varguista. Alguém que tornasse rotina o que Lula fez na greve “armada” pela
Villares, em 1973. Para repetir, aqui, o sindicalismo de resultados do
poderoso movimento operário alemão.
BOLSONARO
Em 1973, mesmo ano de em que Lula demonstrou sua utilidade,
no caso Villares, e foi mandado por Golbery para os Estados Unidos para
treinamento, Bolsonaro ingressava na carreira militar sendo declarado oficial,
em 1977.
No
Exército, Bolsonaro ensaiou desestabilizar a cadeia de comando, naquele
episódio em que liderou movimento de reivindicação salarial (1986) que incluiu
plano para explodir bombas-relógio em unidades militares do Rio. Submetido a
Conselho de Justificação, foi JULGADO CULPADO, POR UNANIMIDADE, porque “MENTIU
DURANTE TODO O PROCESSO, quando negou a autoria dos esboços publicados na
revista “Veja”, como comprovam os laudos periciais”. Recorreu ao STM, ADMITIU
ATOS DE INDISCIPLINA E DESLEALDADE NO EXÉRCITO, foi absolvido por 8x4 e, meses
depois, transferido para a reserva por ter sido eleito vereador no RJ.
No Baixo
Clero, continuou a liderar movimentos de desestabilização da cadeia de comando,
sempre tentando destruir o topo da pirâmide. Agora, como presidente da República,
entrou em crise existencial, pois ele é o topo e o que ele sabe fazer é
DESESTABILIZAR O TOPO.
Verifica-se
que enquanto o sindicalista Lula age na base da pirâmide, sobre a massa
trabalhadora, no sentido de conciliar as relações patrões/operariado, o capitão Bolsonaro insufla a base
contra o topo da pirâmide, tentando desestabilizar a cadeia de comando. Enquanto
aquele é conciliador, este é desagregador.
Dizem que Lenin odiava Eduard Bernstein, o
líder dos social-democratas alemães, porque este, passou de revolucionário a
reformista, graças às concessões que o poderoso movimento operário alemão vinha
arrancando da burguesia, enquanto aquele buscava a ruptura com a destruição
do capitalismo. Bernstein acreditava que o socialismo seria alcançado pelo capitalismo,
não pela destruição do capitalismo. Paradoxalmente,
o capitão Bolsonaro age como Lenin, o comunista, enquanto o sindicalista Lula,
como Bernstein, o social-democrata.
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