terça-feira, 7 de novembro de 2017

A NAU DOS INSENSATOS




¨Devemos alimentar a esperança, sempre, sem, contudo, jamais, esquecermos suas lindas filhas: a indignação e a coragem! ¨. Santo Agostinho


O presidente Michel Temer, no seu primeiro discurso, em cadeia nacional de rádio e TV, disse o seguinte: “O momento é de esperança e de retomada da confiança no Brasil. A incerteza chegou ao fim. É hora de unir o país e colocar os interesses nacionais acima dos interesses de grupos”.

Esperava-se que as elites dirigentes traduzissem o clamor das ruas por um Brasil melhor com sensatez, generosidade e determinação.

Sensatez para compatibilizar o ritmo das mudanças necessárias com a gravidade da situação.

Generosidade para entender que um Brasil melhor é sonho de todos e não somente do grupo a que se pertence, para, como preconizou Temer, “unir o país e colocar os interesses nacionais acima dos interesses de grupos”. Generosidade, também, para potencializar as convergências e deixar as divergências para depois de o tempo as reduzir às suas reais dimensões.

Determinação para proceder as correções necessárias para que o país volte ao leito da normalidade, antes que o agravamento da situação nos mergulhe no caos, mesmo que, para isso, seja necessário enfrentar poderosas corporações e produzir cirurgias que provoquem momentâneo sacrifício. Uma travessia em que seriam enfrentadas dificuldades de toda ordem em que caberia a Michel Temer um único papel: o de estadista da travessia, conforme sugerido em Um novo Estado Novo (21/12/2016).

Neste texto, apontava-se a semelhança do cenário atual com o que levou Getúlio ao Estado Novo, em 1937 e o exemplo de Margareth Tatcher que comandou a Inglaterra nos duros anos de 1980, pautados por um período de ruidosa decadência econômica e política. Em uma década, o Reino Unido foi da decadência à revitalização, reconquistando o espaço perdido na economia global e na geopolítica. Fruto da determinação da Dama de Ferro que assumiu o timão e apontou o caminho a seguir porque não havia mais tempo para consultas. There INAlternative”. Não sou uma política de consenso. Sou uma política de convicção”, dizia ela.

O que se viu, no entanto, foi a falta de convicção levar o governo Temer para o balcão de negócios do Congresso e o conformismo daqueles que poderiam pressionar por mudanças que nos dessem a esperança da retomada do rumo para um Brasil melhor, mas que preferiram se garantir nas suas respectivas zonas de conforto. Tudo agravado por ter se cercado de gente acossada pela Lava Jato.

Resultado: perdemos a grande oportunidade de transformar 2017 no ano da correção de rumo, depois de anos de desgoverno, mas o que nos restou foi um quadro desolador, de um país à deriva, no dizer do Comandante do Exército, sem um projeto de nação.

O Brasil nunca esteve em patamar tão baixo de esperança, confiança e coesão social, com a lassidão tomando conta da sua maioria silenciosa. O nosso mal é o baixíssimo potencial cívico, campo fértil para o surgimento de soluções mágicas, plantadas por salvadores da pátria.

Manifestações recentes de juristas como Miguel Reale e Ives Gandra Martins e do sociólogo José Arthur Giannotti reforçam a avaliação feita.

Miguel Reale, um dos autores do impeachment, avalia que “o presidente Michel Temer perdeu uma grande oportunidade de ser um grande presidente, porque manteve o mesmo grupo, a mesma entourage de pessoas do PMDB não dignas de confiança no plano moral", que "no plano político, nós continuamos sem dúvida nenhuma no mesmo quadro de ausência de lideranças, de ausência de seriedade" e que “o Legislativo trabalha de costas para a sociedade", se movimenta por "motivos escusos" e, apontando para a lassidão que nos aflige, instiga-nos a criar uma "nova forma de desobediência civil" que “temos que nos reorganizar e mostrar que somos contra” (UOL, 15/8/2017). Ou seja, somente a indignação e a coragem podem restabelecer a esperança.

Isto que constatou Miguel Reale, em agosto de 2017, foi proposto em dezembro de 2016 em Um novo Estado Novo: devemos ter a coragem de reconhecer que a crise atual da política e do Estado é “pior do que a de 1964, quando houve o golpe dos militares”, como veio reconhecer José Arthur Giannotti, ao comentar, em entrevista à Folha de S.Paulo, 4/9/2017, seu novo livro “Os limites da política”, porque lá, argumenta ele, apesar de tudo, “(eles) botaram ordem” e “agora nem isso nós temos. Não quero a volta dos milicos não. Mas hoje não temos processos de resolução da crise. Isso é um problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise? Ninguém”. E diante do espanto do jornalista (“o senhor acredita que nossa situação hoje é pior que a de 1964 mesmo considerando o fato de vivermos numa democracia, em que temos a opção de mudar de governo?”), Giannotti justificou: “Veja bem, tudo no Brasil é formal. Vivemos numa democracia formal. A população se manifesta hoje? Não, isso só aconteceu em 2013, quando foi para as ruas. As eleições são falsificadas pelos rios de dinheiros, pela propaganda nas TVs. Isso é melhor do que o populismo na Venezuela, mas é uma boa democracia? Não é”.

E acrescento: que democracia é essa que Emilio Odebrecht, na sua delação na Lava Jato confessa  que “o que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco anos, dez anos atrás. Nós estamos falando de 30 anos atrás" e que o “sistema de corrupção de políticos com a empresa existe há décadas”, "tudo o que está acontecendo é um negócio institucionalizado. Era uma coisa normal”. Em outras palavras: o Brasil virou um negócio para poucos com uma maquiagem de democracia, mas é “politicamente correto” afirmarmos e reafirmarmos que vivemos em uma democracia, com as instituições funcionado a pleno vapor. E digno de elogios se saí da boca de um chefe militar.

Ao avaliar o governo Temer, Giannotti traduz a expectativa da maioria, de que buscaria “resolver impasses do capitalismo brasileiro”, mas que “por enquanto, não conseguiu. E também não resolveremos o problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção”. E aborda um dos principais geradores de crises, ao longo de toda a fase republicana: a profunda crise de Estado; “Além disso, temos no Brasil uma crise de Estado. Lembre-se da definição do Weber, para quem o Estado tem o monopólio do poder. Nós não temos o monopólio do poder hoje, no Rio. É, portanto, uma profunda crise de Estado”.

Já o constitucionalista Ives Gandra Martins, ao avaliar os atos de vandalismo, de junho, em Brasília, assegurou que “os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais” e que “Assim, agem na defesa da Pátria (fracasso da diplomacia), na defesa das instituições contra agressões físicas (fracasso da população em entender que a violência contra instituições não é própria das manifestações democráticas) ou da lei e da ordem (fracasso da harmonia entre Poderes ou invasão de competência de um na de outro).

E o que pensam os chefes militares?

O general Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), em entrevista (30/5/2017), diz que vivemos um momento de crise, mas que atingimos um grau de maturidade institucional que nos assegura que dela sairemos, sem solavancos institucionais, pois “a política tem a solução para a crise e a Constituição tem os remédios, os caminhos para sair desta crise”.

O comandante do Exército, em entrevista (28/7/2017), depois de passar meio ano insistindo que “somos um país que está à deriva”, ao ser instado a comparar a “crise atual com aquela vivida em 1964”, ponderou que “o Brasil e suas instituições evoluíram e desenvolveram um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a tutela por parte das Forças Armadas. Hoje, elas estão cientes de suas missões e capacidades e mantêm-se fiéis aos ditames constitucionais”. “As instituições estão trabalhando e buscando resolver essa crise” e que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos brasileiros", que poderão, "nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido".

Como se vê, de três vertentes da elite pensante deste país nos chegam informações que correm na contramão do diagnóstico feito pelos dois chefes militares que ocupam as posições mais destacadas, um comandando a força terrestre e outro junto a um presidente fragilizado que a nós recorria para se apoiar, em um momento muito difícil em que não se delineava alternativa, para a sustentação política para as reformas exigidas, que não fosse o presidencialismo de coalisão que gerou o Mensalão e toda essa patifaria que está sendo levantada pela Lava Jato.

O Comandante do Exército, apesar de achar que “somos um país que está à deriva”, acredita que a crise atual não se compara com aquela vivida em 1964, porque “as instituições estão trabalhando e buscando resolver essa crise”. Já, Giannotti assegura que vivemos uma crise “pior do que a de 1964” porque naquela ocasião, o país, também, se achava à deriva, mas os “milicos botaram ordem” e “agora nem isso nós temos”. E o mais grave, segundo Giannotti, “hoje não temos processos de resolução da crise. Isso é um problema muito sério. Quem diz ter a solução para a crise? Ninguém”. Ninguém, mesmo!

Mas o Comandante do Exército assegura que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos brasileiros" que sinalizarão nas eleições de 2018 o rumo a ser seguido”. Por que o general confia nesta democracia que o Giannotti taxa de formal, democracia fajuta, de fachada, com eleições periódicas, manipuladas pelo poder econômico, o que ficou mais do que claro na Lava Jato, dominada por uma massa de manobra até hoje refém do bolsa-família, mas que mais de 90% da população se considera não representada?

O general Etchegoyen, por outro lado, assegura que “a política tem a solução para a crise e a Constituição tem os remédios, os caminhos para sair desta crise”, o que não corresponde a visão de Miguel Reale, para quem, "no plano político, nós continuamos sem dúvida nenhuma no mesmo quadro de ausência de lideranças, de ausência de seriedade", pois “o Legislativo trabalha de costas para a sociedade" e nem com a de Giannotti , para quem “não resolveremos o problema com esse Congresso, que foi atravessado pela corrupção”.

Enquanto isso, o constitucionalista Ives Gandra Martins, assegura que “os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais”. Estabilizador e não interventor, pois não mais existe condições para repetir 64.

Em suma: enquanto três ilustres representantes da nossa elite pensante asseguram que vivemos em uma democracia de fachada, com instituições fragilizadas e que, repita-se, “os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais”, nossos mais destacados chefes militares insistem que “a política tem a solução para a crise e a Constituição tem os remédios, os caminhos para sair desta crise”.

Aí, vem a pergunta: o que leva os chefes militares à posição tão contemplativa, confiando que “a política tem a solução para a crise”, que a saída para a crise do país "está nas mãos dos cidadãos brasileiros", que poderão, "nas eleições de 2018, sinalizar o rumo a ser seguido"?

Atribuo ao que já foi abordado em O arquipélago Brasil (25/3/2016), sobre uma palestra do general Etchegoyen, onde o então chefe do Estado Maior do Exército, definiu a forma como os militares consideram suas relações com o Governo e a Sociedade: “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados”. Modelo, aliás, sugerido por Huntington (Samuel, The Soldier and the State, 1957) quando pregou que “a condição fundamental para a realização do ideal democrático, de manter os militares fora da área política, é a máxima profissionalização possível das forças armadas”, no caso, através do que ele chamou de domínio civil “objetivo”, que resulta na neutralização política dos militares e na ampliação da sua autonomia. E, quando lhe perguntaram a razão de não ser um general o Ministro da Defesa, assegurou que “É melhor com um político no MD, pois nós cuidamos da Força e ele (o MD) vai cuidar das questões políticas”. “O ministro da Defesa tem que ser político, tem que ter poder político”, confirmou a influência do modelo de Huntington que sustenta a tese de que a consequência lógica deste fato é que o corpo de oficiais entrega a política aos políticos. A maneira mais certa de afastar os militares da política é encorajá-los a permanecerem completa e integralmente profissionais.

E o que acontecerá se a política não resolver?

O objetivo do proposto em Um novo Estado Novo (e do aqui complementado) é, exatamente, evitar que se chegue a impasse que leve à hipótese levantada pelo general Mourão na repercutida palestra feita na loja maçônica de Brasília: “ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor uma solução… e essa imposição não será fácil, ela trará problemas”.

E trará, certamente, problemas porque a crise atual, como assegura Giannotti, é “pior do que a de 1964, quando houve o golpe dos militares”, mas o cenário é completamente diverso daquele dominado pela Guerra Fria, em todos os sentidos, pois lá existiam quadros, outro era o perfil da Forças Armadas, ajustado, social e culturalmente, com o da sociedade, formando um networking que foi decisivo para o sucesso de 64 e, importante, a existência de um arcabouço de projeto de nação, gestado na Escola Superior de Guerra, ao longo de toda a década de 1950.

E hoje?

Já não existe mais aquela identidade entre as elites civis e militares, o país se contentou em ser um player fornecedor de commodities e dependente da poupança estrangeira o que torna a sua economia dependente dos humores externos, um Estado fragilizado, incapaz de atender as demandas sociais básicas, com níveis de educação incompatíveis com a excludente economia globalizada, com vergonhosos indicadores de criminalidade e, o mais grave, com baixíssimo nível de potencial cívico.

E o mais preocupante, no curto prazo: nuvens ameaçadoras no horizonte político onde se vislumbra somente salvadores da pátria, cuja principal bandeira é potencializar a já forte rejeição à classe política o que já sabemos, por experiência própria, ganha votos, mas é prenúncio de mais instabilização, de aprofundamento da crise de Estado, pois a paciência do brasileiro já passou do limite suportável. A nossa coesão social está tão baixa que se suspeita que não suportaria mais uma desilusão. O brasileiro está aterrorizado com a violência, as baixas internas são de um país em guerra, no Rio de Janeiro o Estado brasileiro já perdeu o monopólio do poder, há muito tempo, Estados e Municípios estão falidos. A nossa Educação Fundamental é uma das piores do mundo o que nos reserva um negro futuro, São urgentes reformas estruturais para encaminhar o fim desta recessão que está sufocando a todos. O próprio general Etchegoyen reconheceu isso em entrevista ao Valor  (2/12/2016): “Essa crise, se nós perguntarmos para qualquer brasileiro o que tem que ser feito, as respostas seriam reforma da Previdência, reforma política, reforma trabalhista, reforma tributária. Rediscutir algumas questões da Constituição de 1988, pois ela também tem participação. Agora nenhuma reforma dessas, mesmo que trocássemos a Constituição inteira, nada vai funcionar se não tivermos instituições fortes”. Acrescento: nenhuma dessas reformas sairá do papel com este Congresso de vendilhões.

E o Brasil não pode parar. A solução será usar os recursos constitucionais disponíveis, compensar as nossas frágeis instituições, pois, segundo constitucionalista Ives Gandra Martins, “os constituintes de 1988 deram às Forças Armadas o relevante papel de estabilizador das crises políticas e sociais, quando os Poderes se tornarem incapazes de uma solução por vias normais”.

A proposta

A proposta feita (e aqui complementada) visava evitar que os militares venham a se envolver em atividades que os afastem daquelas previstas na Constituição, mas que, também, não fujam daquelas que ali estão previstas, a começar pela defesa do Estado Democrático de Direito e de seus fundamentos, cuja pedra angular é a soberania que estamos perdendo no dia-a-dia, pois sem ela de nada valem os demais fundamentos (art.1º), cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.

A proposta é isolar e blindar o presidente Temer e recorrer ao art. 91 da CF/88, já regulamentado pela Lei 8.183/91 que dispõe sobre a organização e funcionamento do Conselho de Defesa Nacional (CDN), um órgão de consulta do PR nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado Democrático de Direito (art. 1º). Compete ao CDN, “opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal(art. 1º, parágrafo único, b).

Compõem o CDN (art.2º) o Vice PR, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, os ministros da Defesa, Justiça, Relações Exteriores, da Fazenda e os comandantes militares das três forças, sendo que o PR poderá nomear membros eventuais (art.2º, §1°) e “poderá contar com órgãos complementares necessários ao desempenho de sua competência constitucional” (art.2º, §1°) e o CDN se reunirá por convocação do PR que poderá ouvir o Conselho de Defesa Nacional mediante consulta feita separadamente à cada um dos seus membros, quando a matéria não justificar a sua convocação (art.3º, parágrafo único).

O CDN terá uma “Secretaria-Executiva para execução das atividades permanentes necessárias ao exercício de sua competência constitucional” (art.2º, §3°).

Cabe, pelo art.4º, ao GSI/PR executar as atividades permanentes necessárias ao exercício da competência do CDN, podendo “ser instituídos, junto ao GSI/PR, grupos e comissões especiais, integrados por representantes de órgãos e entidades, pertencentes ou não à Administração Pública Federal” (art.4º, Parágrafo único). Com base neste dispositivo, poderiam ser formadas comissões para avaliar as reformas estruturais mais importantes, como a Política, a Previdenciária, a Trabalhista e a Tributária, visando a sua implementação imediata.

Alguma dúvida sobre a montagem de um Gabinete de Crise, ao estilo do Gabinete Negro montado por Getúlio, em 1937, com a cobertura da legislação em vigor?

Os três comandantes militares (MB, EB e FAB), Nelson Jobim, como Secretário Geral/CDN e contando com o general Etchegoyen, como ministro-chefe do GSI/PR, convenientemente formatado, enquadrariam todas as cirurgias necessárias, como assuntos de “soberania nacional” ou de “defesa do Estado Democrático de Direito”.

 

(Um parêntesis é necessário para justificar a proposta por Nelson Jobim:

Dificilmente se encontrará um político mais ajustado a esta importante função do que Nelson Jobim, devido ao seu fácil trânsito em todo o espectro político e a sua experiência. Jurista renomado, foi deputado federal (1987-1995) com importante participação na Constituinte, como membro titular da Comissão de Sistematização e Redação e membro da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo. Ministro da Justiça (1995-1997). Ministro e presidente do STF (1997-2006), tendo, voluntariamente, deixado o STF, em 2006. Ministro da Defesa (2007-2011).)

 

Alinho algumas das cirurgias necessárias que poderão, depois de implementadas e testadas, serem submetidas a referendo popular:

 

Reforma política: nos termos da proposta em Um novo Estado Novo com a institucionalização do Poder Moderador, exercido pelo PR que ficaria, com a assessoria do CDN, com os assuntos de Política Externa e Defesa Nacional, ficando o poder Executivo com nomeação do PR, mas demissível pelo PR ou pelo Congresso Nacional e os poderes Judiciário e Legislativo.

Reforma Previdenciária

Reforma Trabalhista

Revolução no Ensino Fundamental: nos termos da proposta em Um novo Estado NovoExiste maior déficit de soberania em um mundo, em que o capital moderno é o do conhecimento, quando sabemos que o nosso ensino fundamental é um dos piores do mundo, visto que hoje nos encontramos em 70/77, no ranking OCDE? Caso não se faça uma revolução no ensino, inviabilizaremos o sonho da criação de um Brasil melhor, com uma liderança mundial, pelo potencial que Deus nos deu. A valorização do professor com vigorosa melhoria salarial e exigência de um retorno em excelência no ensino. Esta cirurgia, além de necessária é urgente, com um plano de implementação de, no máximo, cinco anos. Habilmente implementada, poderá resgatar a massa de professores que, por pura insensatez, foi jogada no colo da Esquerda.

Matriz Salarial Única: nos termos da proposta em Um novo Estado Novopara enquadrar todos os servidores do Estado, acabando com as castas e com os privilégios das corporações mais poderosas alojadas na Judiciário e o MP.

Revolução Tributária: A ideia é aprofundar a tendência dos constituintes de 1988 de pautar o sistema de financiamento do Estado por uma profunda desconcentração financeira que invertesse o fluxo dos recursos arrecadados, transformando o município no único arrecadador de tributos, com uma ampla autonomia fiscal e com a obrigação de recolher somente dois tributos para custear os orçamentos federal e estadual.

O município poderia montar a matriz tributária que melhor se ajustasse às suas características, na busca de competitividade, graduando a carga dos diversos tributos dentro da faixa estabelecida pela União.

O sistema de arrecadação e fiscalização seria o mesmo.  O que alteraria seria o destino dos recursos arrecadados a ser determinado pelo endereço fiscal dos contribuintes, pessoa física ou jurídica.

Muitas são as vantagens. Todas no sentido de se criar um Estado federativo mais moderno, dinâmico e democrático.

Facilitaria o controle social. O prefeito é o executivo público mais acessível ao cidadão. É no município onde vivemos. Menor seria a sonegação pelo comprometimento do contribuinte com a sua cidade.

Acabaria o passeio do dinheiro, uma das maiores fontes de desperdício e de corrupção. Acabaria o clientelismo que desfigura o Orçamento da União. Fortaleceria o regime federativo.

Os municípios começariam a se compor na busca de soluções regionais e de competitividade. As microrregiões formadas teriam mais facilidade para progredir, mais liberdade para se articular e se inserir na economia globalizada. O norte da Itália é um exemplo, com soluções que estimulam a formação do capital social necessário ao desenvolvimento sustentado.

Acabaria a indústria das emancipações que só causam desperdícios. A emancipação exigiria uma reflexão dos cidadãos quanto à capacidade de custear a construção da infraestrutura pública e de pagar os dois tributos, o federal e o estadual.

As dificuldades iniciais, os desequilíbrios, seriam compensados pelos municípios mais ricos que preferirão exportar seus excedentes de riqueza a importar a miséria que chega, se instala e gera custos de toda ordem. Simplicidade, eficiência e transparência.

Induvidosamente, esta proposta colocaria a totalidade das prefeituras ao lado do Governo, independente das cores partidárias, pois o prefeito é orientado pelas demandas da sua comuna.

A migração do estado atual para o de reforma plena exigiria um prazo para capacitar municípios a gestão dos recursos arrecadados.

Intervenção federal no RJ com a decretação do Estado de Sitio, “por todo o tempo que perdurar a guerra” (CF, art.137, II/art.138, §1º) porque se reúnem todos os componentes para caracterizar a situação como uma guerra híbrida. Existem 853 áreas em que o Estado não mais detém o domínio do território o que ameaça à integridade nacional (CF, art.34, I) e seus moradores vivem submetidos ao terror por traficantes ou milícias com grave agressão aos “direitos da pessoa humana” (CF, art.34, VII, b). Pesquisa recente do Datafolha aponta que 72% dos seus moradores, se pudessem, abandonariam o RJ para fugir da violência o que se caracteriza como um “grave comprometimento da ordem pública” (CF, art.34, III) sendo o RJ um estado falido que está a exigir a reorganização de suas finanças (CF, art.34, V)

Não passo nem por perto de querer dar a solução, mas cumpro meu dever de cidadão de participar do debate nacional na busca de um rumo para esta, no dizer do comandante do Exército, “nau à deriva” que pode se transformar, caso continuemos cometendo insensatezes, naquela imortalizada pelo holandês Bosch: a Nave dos Loucos.

Péricles da Cunha é Tenente Coronel Veterano (AMAN/MatBel-1963, IME/Eletrônica-1971), autor do livro “Os Militares e a Guerra Social (Artes e Ofícios, 1994)

quinta-feira, 9 de março de 2017

UM PAÍS À DERIVA



O grave é que este alerta vem de onde a sociedade sempre esperou encontrar o derradeiro timão.
"Aí, então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem". (in, "Estrutura do poder nacional para o ano 2001", ESG - Escola Superior de Guerra, 1989)


O Comandante do Exército, general Villas Bôas, deu uma entrevista ao jornal VALOR ECONÔMICO (17/02/2017), cuja matéria começa com um dramático espelho da realidade: “Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Desde as primeiras horas de 2017, o país passa por uma das mais graves crises na segurança pública nos últimos anos. Do desgoverno no sistema prisional, onde detentos em Manaus, Boa Vista e Natal foram trucidados em brigas de facções, no caos de Vitória, que resultou da paralisação da Polícia Militar, passando pela crescente instabilidade no Rio, a situação está tão crítica que homens das Forças Armadas têm sido necessários para manter o controle”. E, no título, a constatação do general: “Somos um país que está à deriva”, com 60 mil assassinatos no último ano. Só para ter a real dimensão desta tragédia: os Estado Unidos, durante os 16 anos de guerra no Vietnam perderam 58 mil vidas!

O Comandante do Exército aborda dez assuntos que estão na pauta de todos os brasileiros: segurança pública, emprego das Forças Armadas, crise política, Lava-jato, intervenção militar, narcotráfico, descriminalização de drogas, segurança nas fronteiras, eleição de 2018 e reforma da previdência.
Este texto aborda o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, maior das demandas de todos os brasileiros, tratados pelo general Villas Bôas, nos dois primeiros assuntos da mencionada entrevista.
O que causa perplexidade, nesta entrevista do Comandante do Exército, é que ela não aponta uma solução para a grave crise que nos assola, mas expõe fragilidades de quem a Nação sempre esperou uma solução quando todas as outras falhassem, o derradeiro timão para comandar a nau quando os outros falhassem.  Adaptando o que escreveu o ex-ministro Nelson Jobim sobre este conturbado período que vai até a próxima eleição presidencial (“A travessia”, Zero Hora, 27/02/2017): alardear que o país está à deriva no momento em que se passa uma das mais graves crises da sua história moderna, sem apontar soluções “é ficar só no discurso”. “É não ter compromisso com soluções”. “É aguçar e provocar (mais) problemas”.
“Somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer e o que deve ser”!
Um navio fica à deriva quando, sem força propulsora e sem timão, queda-se ao sabor das ondas, dos ventos e das correntes marítimas, sem comandamento sobre o seu destino. Um país só fica à deriva quando o Estado perde (ou aliena) a sua soberania, quando perde o direito de exercer os seus poderes, quando se transforma em um Estado débil, o que já deveria ter provocado uma pronta resposta das Forças Armadas, pois cabe a elas “a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial”, primeiro dos Objetivos Nacionais de Defesa estabelecidos pela Política Nacional de Defesa.
Todo poder emana do povo e no seu nome será exercido, através do Estado Democrático de Direito, comanda o art.1º da nossa Carta Magna, cuja viga mestra de seus fundamentos é a soberania, porque nela é que se sustentarão os demais fundamentos: cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, livre iniciativa e pluralismo político. Jamais existirá Estado Democrático de Direito se não houver supremacia total e absoluta de sua soberania sobre os demais grupos sociais internos e externos. O poder de soberania é ilimitado e absoluto, a ponto de, mesmo pertencendo ao próprio povo, este deve se submeter à soberania que, em seu nome, é exercida pelo Estado.
Pergunta-se: o que foi que fizeram os comandantes militares, nos assuntos de sua alçada, para evitar que chegássemos a esta situação de um país à deriva? De um país que tem um leque de déficits de soberania que ameaça este que é o primeiro dos Objetivos Nacionais de Defesa: a perda do domínio de território, fruto da omissão na demarcação das reservas indígenas que abriu um processo de desintegração do território nacional cuja reversão vai exigir muita coragem e patriotismo e da relutância em reconhecer que os enclaves do narcotráfico que se consolidam pelas grandes cidades e que já transformaram o Rio de Janeiro em um queijo suíço, deixaram de ser problema de polícia para se tornar um sério assunto militar, desde os anos 90.
E não faltaram alertas!
Reportemo-nos trinta anos atrás para verificar quantos alertas foram feitos, mas que mantiveram nossos chefes militares firmes naquele espírito já centenário e reportado por Amilcar Botelho de Magalhães, no seu excelente livro “Impressões da Missão Rondon” (Globo, 1929), em que registra a reação enfrentada por Rondon: “Não fosse a tenacidade, a linha do Noroeste não teria sido acabada, não só pela campanha movida contra a sua Comissão, no Rio de Janeiro, por elementos essencialmente militaristas, em 1911. Tais elementos entendem que o Exército deve destinar-se exclusivamente a fazer a guerra, sem permitir a sua colaboração para o progresso do país. O fato, porém, é que esse espírito militarista em essência, empolgando certas autoridades elevadas do Exército, tem criado momentos angustiosos ao general Rondon. Registrei uma frase de um opositor de elevada categoria: ‘Reconheço que é útil ao país, porém eu nada tenho a ver com o país, mas só com o Exército’”.
Pensamento, aliás, reafirmado pelo general Etchegoyen, então chefe do Estado Maior do Exército, em palestra (SIBRA, Porto Alegre, junho/2015, O arquipélago Brasil) e que venho combatendo, há mais de trinta anos: “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em que os espaços são mutuamente acordados e respeitados” e repisa: “Esse modelo passa por uma consciência do Governo sobre o papel das FFAA e da autonomia que ele, Governo, deve dar às FFAA, nas suas coisas”.
Em 1989, a ESG - Escola Superior de Guerra produziu um estudo, "Estrutura do poder nacional para o ano 2001", em que alertava para o preocupante cenário que se formava, diante da relutância em reconhecer a miséria como o maior dos nossos inimigos: "Aí, então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem". Alerta logo repercutido por Hélio Jaguaribe: "Vamos chegar ao ponto em que a população pedirá, aos gritos, a intervenção do Exército".
Em 21 de abril de 1991, o Jornal do Brasil publicou uma entrevista minha que gerou reação no meio militar, o que me rendeu dez dias de prisão e repercussão na mídia. Naquela ocasião, o Jornal do Brasil (10/5/1991) publicou um artigo do general Octavio Pereira da Costa, “Entre Sócrates e Péricles”, em que fazia um paralelo da entrevista com recentes declarações do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Sócrates Monteiro que pressionava pelo reequipamento da Força Aérea: “Com o Brasil é sempre paradoxal, nossos Péricles e Sócrates nos chegam de sinais trocados, este sentencia, aquele subverte. Sócrates sentencia: ‘A nação tem que exibir ao mundo uma capacidade militar que respalde os seus atos, inclusive diplomáticos’. Do outro polo, Péricles ‘subverte’: ‘Que soberania é essa enquanto milhões de crianças morrem de fome todos os dias’? Devo confessar que, apesar de todas as injustiças, equívocos, ingenuidades e distorções, o nosso Péricles, que estaria melhor com o nome de Sócrates, merece a minha simpatia, porque o seu arrazoado me parece mais próximo do ponto central da questão”.
Meses depois, ex-ministro do Exército, em exposição na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (agosto de 1991), reconheceu que "somos uma Nação em guerra. Os inimigos que nos rodeiam são a miséria, a deseducação, a desunião, a demagogia, o paternalismo e tantas outras mazelas".
Dos quartéis, além da prisão, inúmeros textos desaforados que rebati, através do exercício do direito de resposta ao jornal “Ombro a Ombro” (julho/1991), com o artigo “Coragem de mudar” do qual destaco dois parágrafos que bem traduzem o teor da minha resposta: “O país está sendo atacado por inimigos mortais que ocasionam milhares de baixas diárias. O país está assustado diante de tanta miséria e tanta violência. A quem caberá senão a nós, liderar o esforço nacional, a reação nacional? Pertencemos a uma das poucas instituições com o potencial exigido para tal esforço. Lutar contra este estado de coisas é defender a soberania nacional. Mudar o papel não indica fracasso ou fraqueza. Pelo contrário, mostra coragem e capacidade de se ajustar às ameaças a que está submetida a Nação”. E concluindo o artigo: “Temos justo dez anos para resgatar o Brasil do século XIX antes que o Terceiro Milênio nos deixe para trás. Se não atacarmos a miséria e a fome, comprometeremos as nossas reservas para os próximos cinquenta anos. Não se forma um grande exército com uma população de miseráveis. Nada mais forte que um povo livre, saudável e educado”.
Em dezembro de 1992 escrevi um artigo para a Folha de S.Paulo, “Os militares e a guerra social” do qual extrai algumas frases:
“Bastou que as imagens, do arrastão que atingiu as praias do Rio de Janeiro e da rebelião na FEBEM de São Paulo, explodissem na face da nação para que os militares fossem lembrados para combater a violência” e “Convém, no entanto, que a sociedade discuta o papel dos militares nesta guerra social, causada pela miséria, pela ignorância e, principalmente, pela insensibilidade social. O emprego das Forças Armadas na guerra à violência seria a continuação de um erro histórico: combater o pobre e não a pobreza. Além do mais, seria submeter ao desgaste uma instituição que não foi preparada para agir em tal cenário. Cabe à Polícia tal missão. Os militares, no entanto, poderiam atacar as causas da violência: a miséria e a ignorância. Aí sim, encontrariam a sua destinação e aplicariam todo o seu potencial”.
Em abril de 1994, a Folha de S.Paulo convidou-me para participar do painel Tendências/Debates, cuja pergunta era “As Forças armadas devem combater o crime?”, cabendo-me defender o “Sim”, ficando o “Não” a cargo de Hélio Bicudo, deputado federal PT/SP, e o “Em Termos” com o jurista e professor PUC/SP Celso Bastos. No fim, para aqueles que se interessem, deixo a íntegra dos três textos. 



Para Hélio Bicudo as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria, para Celso Bastos, além disso, “as Forças Armadas podem e devem ser utilizadas no combate à criminalidade”.  No meu texto, depois de alertar que “é necessário, no entanto, que o emprego das Forças Armadas nessa guerra social seja planejado para evitar o desgaste de uma instituição que não está preparada para agir em tal cenário e, para que não volte a cometer o erro histórico de combater o pobre e não a pobreza”, preconizei: “a ocupação militar dos bolsões de miséria das grandes cidades para evitar que se transformem em escudos para os traficantes e, principalmente, para interromper esse cruel processo de geração de miséria e delinquência, resgatando essas populações desassistidas para a cidadania”.
Em 2003, Oscar Dias Corrêa, ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça do presidente Sarney, em entrevista, em 2009, relata ter procurado o então governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco, para propor um plano de combate à violência: “Estou aqui para lhe dizer o seguinte: vamos fazer uma operação no morro com Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Civil e Polícia Militar. Se for preciso cercam-se todos os morros do Rio de Janeiro com soldados dando a mão um ao outro. Diz o governador, ‘mas vai morrer muita gente’, vai sim, vai morrer umas 500 pessoas, mas é melhor quinhentas agora do que cinquenta todo dia”. O ministro nunca teve uma resposta do governador. Atente-se para o detalhe: a  proposta de ocupação militar partiu de um jurista que passou pelo STF e pelo ministério da Justiça.    
Em 2007, treze anos depois, volta a Folha de S.Paulo, ao assunto com a pergunta "É correto o uso das Forças Armadas para o combate à violência no Rio de Janeiro?": o “Sim” coube ao então governador do Rio, Sérgio Cabral, que no texto “O novo papel das Forças Armadas”, depois de lembrar a flexibilização do emprego das Forças Armadas, dado pela atualizada LC 97/99, concluía registrando que “a população do meu Estado tem dificuldade de entender como pode ser vítima de atos criminosos cada vez mais ousados, quando em seu território há militares prontos a entrar em ação e ajudar no combate ao crime em uma situação emergencial como esta. O Estado brasileiro tem que enfrentar com coragem e determinação o problema da violência e do crime organizado. Não podemos correr o risco de perder essa guerra contra o crime pelo medo do novo”.
Um ano atrás, em palestra no CMA (Comando Militar da Amazônia, 18/3/2016), na presença do Comandante do Exército, o presidente do STF alertava: “A nação que nós estamos construindo, general Villas Bôas, infelizmente está em perigo, estou extremamente preocupado com o mundo que estamos vivendo hoje”.
Pergunto: o que foi feito para evitar que chegássemos a esta situação de um país à deriva? Por que não nos preparamos para enfrentar o que foi apontado como nosso verdadeiro inimigo, capaz de inviabilizar o nosso futuro de forma irremediável? Por que não nos adaptamos?
O general Etchegoyen, na já citada palestra de junho/2015, informou que está em desenvolvimento um processo de transformação para ajustar o Exército às novas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa, “que nos dê capacidade de enfrentar o que virá, e que, como conversamos até agora, é incerto, não sabido”, ou seja, o Chefe do Estado Maior do Exército, no inverno de 2015, pergunta o que o Exército Brasileiro está fazendo neste cenário de incertezas e ele mesmo responde que está se capacitando para enfrentar o que é “incerto, não sabido”.  E que cenário de incertezas é este, perguntava eu, em O arquipélago Brasil, se a Estratégia Nacional de Defesa - END parte do princípio que vivemos em paz com nossos vizinhos e que a nossa natural hegemonia dispensa qualquer anseio imperialista? E se a Política Nacional de Defesa, que estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa tem, como o primeiro deles, a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial?
O que devemos nos preocupar é com os graves déficits de soberania que estão ameaçando esses Objetivos Nacionais e para enfrentá-los é que devemos nos ajustar, nos adaptar, nos preparar.
O que preocupa é sentir que nada fizemos para afastar aquele risco que o almirante Armando Vidigal em “Uma nova concepção estratégica para o Brasil” (in, Revista Marítima Brasileira, jul./set. 1989) apontou: “As Forças Armadas correm o risco de “desemprego estrutural”, isto é, de se tornarem imensas organizações sem objetivos concretos, com militares eternamente à espera de algo que sabem não acontecerá. Caso outras motivações, de maior credibilidade, não venham substituir as antigas, os militares viverão uma crise existencial, com possibilidades de transformarem-se em burocratas fardados encarregados de operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”.
Inutilidade quando se constata que não estamos preparados para enfrentar o nosso real inimigo, porque estamos nos capacitando para enfrentar, no dizer do general Etchegoyen, “o incerto, não sabido”, para “operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”, no dizer do almirante Vidigal. O cerne da questão está na reação de os militares aceitarem a substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade, como prega o almirante.

Reação que está estampada nesta entrevista do Comandante do Exército quando, mesmo depois de reconhecer que a segurança pública no Brasil é uma calamidade, reluta em aceitar “a substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade”: “Há entendimentos incorretos de que as Forças Armadas possam substituir a polícia. Temos características distintas. Fomos empregados na favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 14 meses. No Alemão, 18 meses. É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”.
A sensação que nos deixa as declarações, nesta e nas outras tantas entrevistas do general Villas Bôas, é a preocupação de que o emprego em GLO, nestas intervenções, fique bem definido como transitório e episódico porque, como já tinha apontado o almirante Vidigal, quase trinta anos atrás: “O cerne da questão está na reação de os militares aceitarem a substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade”, repetindo porque continua sendo o cerne da questão. Para isso, é necessário desfazer, nas palavras do nosso comandante, “a ideia de que, se eu emprego as Forças Armadas, o problema está resolvido”. Porque, continua o general, “Ficou nítido na Maré, onde permanecemos por 14 meses: operação custou R$ 1 milhão por dia, ou seja, R$ 400 milhões. Quando saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes. Entendemos que esses empregos pontuais são inevitáveis, porque as estruturas nos Estados estão deterioradas. Nossa preocupação é que essa participação seja restrita e delimitadas no tempo e no espaço, com tarefas estabelecidas e sempre com entendimento de que não substituímos a polícia”.
A mensagem que o general Villas Bôas passou para a sociedade, em suma, é: não insistam, é caso de polícia. Mais uma vez ficou comprovado, passamos quase 15 meses (no Complexo da Maré), a um custo diário de R$ 1 milhão e “quando saímos, uma semana depois, tudo tinha voltado a ser como antes”. “É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”.
A vontade é de gritar para ver se chegam, ao planalto, as demandas da planície: GENERAL, HÁ ANOS QUE ESTE PROBLEMA DEIXOU DE SER ASSUNTO DE POLÍCIA PARA SER UM ASSUNTO MILITAR PORQUE SE TRATA DE UM CONFLITO ASSIMÉTRICO E O SENHOR SABE MUITO BEM DISSO, MAS CONTEMPORIZA PARA NÃO CRIAR ATRITO COM AQUELES QUE QUEREM MANTER OS MILITARES “AMARRADOS”, “EMPREGADOS”, FOCADOS NA MANUTENÇÃO DE UMA ESTABILIDADE, TÍPICA DE UM CAÍDO, PARA PERMITIR QUE AS INSTITUIÇÕES, SÓLIDAS E AMADURECIDAS, NO SEU ENTENDER, CUMPRAM SEUS PAPÉIS, MESMO SABENDO QUE, SE SÓLIDAS, AMADURECIDAS E EFICIENTES FOSSEM AS NOSSAS INSTITUIÇÕES, O PAÍS NÃO ESTARIA À DERIVA, COMO RECONHECE, MESMO SABENDO QUE ESTA POSTURA DÚBIA IMPÕE ÀS FORÇAS ARMADAS PERIGOSO DESGASTE. Esta a razão do “BASTA!” lá do título.
Vejamos como evoluiu o emprego em GLO, com a sociedade pressionando de um lado e os militares se esquivando de outro, jogando o assunto nas costas da polícia. 
Na Constituinte de 1988, pressão do general do Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército, fez que a "garantia da lei e da ordem" fosse mantida como parte da missão constitucional das Forças Armadas, subsidiária das atribuições previstas no artigo 142.
Os problemas de segurança pública enfrentados, principalmente, pela população do Rio de Janeiro, aliados à credibilidade dos militares, levaram à primeira intervenção das Forças Armadas, no período pós-regime militar, em novembro de 1994, conforme registra o general Roberto Escoto, Comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista (2012-2014) e do primeiro Contingente da Força de Pacificação na Maré (Abr a Mai 2014): “Em 94 e 95, a Bda Inf Pqdt, reforçada por batalhões de infantaria do Exército e da Força Aérea, foi empregada na Operação Rio, devido ao aumento da violência nos morros e sua extensão para outros bairros da cidade, que criou um clima de insegurança implantado pelos narcotraficantes e as diversas gangues frequentadoras de bailes funk, consumidoras de drogas e promotoras de arrastões”. (A Bda Inf Pqd na Pacificação da Maré, 02/9/2015).
As reclamações de ilegalidade de parte dos moradores das favelas ocupadas e dominadas pelo tráfico foram vocalizadas por setores revanchistas da OAB que não só criticaram a operação como abriram uma verdadeira guerra judicial com o governo do Estado, com repercussão na mídia nacional. Foi nesta ocasião que a Folha de S.Paulo convidou-me a participar do painel Tendências/Debates, junto com Hélio Bicudo e Celso Bastos, sobre a pergunta “As Forças armadas devem combater o crime?”, conforme já referido.
Anos depois, em março/2006, repetiu-se com a “Operação Abafa”, gerada pelo roubo de armamento em um quartel localizado em São Cristóvão, zona norte do Rio. Nesta ocasião, o primeiro choque com o Ministério Público Federal (MPF), tendo, a Justiça, rejeitado denúncia contra o general que chefiou a ação em busca das armas roubadas. Crescia desta forma, a reação à atuação das Forças Armadas. Acirrou-se, novamente, o debate tendo a Folha de S.Paulo trazido, outra vez, ao painel Tendências/Debates, o assunto, agora, conforme já visto, com a pergunta "É correto o uso das Forças Armadas para o combate à violência no Rio de Janeiro?" quando o governador do Rio, pregando a intervenção das Forças Armadas, concluía, repita-se, registrando que “a população do meu Estado tem dificuldade de entender como pode ser vítima de atos criminosos cada vez mais ousados, quando em seu território há militares prontos a entrar em ação e ajudar no combate ao crime em uma situação emergencial como esta. O Estado brasileiro tem que enfrentar com coragem e determinação o problema da violência e do crime organizado. Não podemos correr o risco de perder essa guerra contra o crime pelo medo do novo”.
Conjugavam-se, no entanto, forças de várias vertentes contra a intervenção militar: OAB, sindicatos, Direitos Humanos, revanchistas de toda ordem. O MPF afirmando que a atuação do Exército era inconstitucional, configurando uma intervenção federal ilegal. E todos, no fundo, com o mesmo objetivo: evitar que os militares, mais uma vez, convocados pela sociedade, resolvessem o que a atormentava, consolidando seu prestígio e expondo a incapacidade de, o governo estadual, lidar com o grave problema da segurança pública.
É necessário entender a reação dos militares a este tipo de intervenção. O general comandante do CML, general Fernando Azevedo e Silva deixou clara esta reação: O Exército não entrou porque quis. Entrou para cooperar com a pacificação daquela região, que é estratégica para o Rio. Só que ali nossas ações foram limitadas, tornando a ação muito mais dificil do que em outras ocasiões. A missão na Maré é muito mais complexa do que no Haiti”. Na imprensa se lê que Preocupados com a situação do Complexo da Maré, oficiais defendem, nos bastidores, a retirada das tropas da região o quanto antes”. “No Comando da Força, em Brasilia, militares deixam claro que preferem manter a presença no Haiti a ocupar favelas no Rio de Janeiro”. “Um dos motivos do descontentamento dos militares é a limitação das ações na Maré”, constata a Folha de S.Paulo. “O acordo entre o governo federal e o do Rio levou a uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) “amarrada”, na opinião dos oficiais. Na Maré, os militares só podem patrulhar, realizar prisões em flagrantes ou revistas em carros. A decisão de limitar as ações da tropa tem comprometido a missão”.
Os militares se desgastam neste jogo sujo entre políticos e traficantes porque aqueles ditam as regras de uma operação “amarrada” com prazo de retirada e estes se encolhem sem abrir mão do território e prontos para retomar as operações quando os militares se retirarem. Porque contam com o apoio passivo da população, por interesse ou por temor. Na Maré, a milícia e mais três facções rivais do crime organizado não abandonaram a área para não abrir mão do território, uma vez que sabiam que as Forças Armadas não permaneceriam lá, eternamente. Em suma, neste jogo sujo perdem a sociedade e as Forças Armadas.
E a tudo isso se associava a velha resistência de os militares reconhecerem que o que estava acontecendo no Rio (e que hoje já se propagou por todas as grandes cidades), há muito deixou de ser um assunto de polícia para ser um conflito assimétrico para o qual todos os exércitos estão se adaptando, como reconheceu o comandante da Força de Pacificação do Complexo da Maré, general Antônio Carlos de Souza, em exposição ao chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa (in, MD,17mar2015): “É um conflito moderno. Uma guerra irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso. E o mais difícil é atuar no meio do povo, com as ruas cheias de gente”. Uma guerra, uma intervenção que cabe somente às Forças Armadas entrar, não para cooperar, mas para resolver, resgatar o domínio do território e reintegrar as comunidades envolvidas no Estado Democrático de Direito.
O que não pode mais ser admitido é o que o portal G1 registrou: “Dia 6/10/2013, às 5h25, Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil com 180 militares e 14 blindados e 1.141 agentes das Forças de Segurança seguiram em direção ao Conjunto de Favelas do Lins, composto por 18 favelas, entre as quais, os morros do Gambá e da Cachoeira Grande que ficam exatamente atrás do Hospital Marcílio Dias, da Marinha. Defensores públicos acompanharam a ação policial para verificar se ocorreram casos de violação dos direitos dos moradores. Às 10h, as bandeiras do Brasil e do estado do Rio foram hasteadas no Conjunto de Favelas do Lins. Dois meses depois, duas UPP foram instaladas”. Em janeiro/2016, o portal da Veja mostra o resultado, dois anos depois: “de lá pra cá, o cenário se transformou. A esperança inicial deu lugar à desconfiança e ao medo”, “policiais foram literalmente expulsos do território que o governo classificou como pacificado. Há pelo menos três meses, os morros da Cachoeira Grande e do Gambá não contam mais com bases avançadas e qualquer ação de patrulhamento nesse território só acontece com autorização expressa. Elas são raríssimas e, nas últimas vezes que aconteceram, no final do ano passado, ocasionaram intensos tiroteios”, “criminosos desfilam armados com fuzis e pistolas a qualquer hora do dia pelo meio da rua”. Um policial reconhece, para a reportagem de Veja: "Eles (oficiais) não vão admitir isso publicamente, mas nós estamos fora. Essas duas favelas estão abandonadas. Perdemos ali. Só quem entra é o COE (Comando de Operações Especiais) e, mesmo assim, tem que ir de blindado".
E, bem lá no fundo, aquela já secular resistência porque o Exército continua na mesma linha descrita pelo já mencionado Amilcar Botelho de Magalhães (“Impressões da Missão Rondon”, Globo, 1929), ao registrar a opinião de um chefe militar que se opunha à obra de Rondon: “Reconheço que é útil ao país, porém eu nada tenho a ver com o país, mas só com o Exército” o que não deixa de ser o modelo das três ilhas, Sociedade, Governo e Forças Armadas, descrito em O arquipélago Brasil.
O útil para o país seria enfrentar as resistências, mostrar para a sociedade que os problemas enfrentados pelo Rio de Janeiro, com o tráfico assumindo o controle das favelas já não era mais um assunto de polícia, mas um déficit de soberania a ser enfrentado pelas Forças Armadas e exigir que fossem feitos os ajustes legais para que a intervenção militar resolvesse o problema definitivamente.
Preferiram, no entanto, o “nada tenho a ver com o país, mas só com o Exército” e ficar aguardando a convocação para “substituir a polícia”, mesmo sabendo, como reconheceu o general Villas Bôas, que é “um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”, com um gasto diário de R$ 1 milhão, como foi na Maré, e com um desgaste para os militares porque, como mostrou o general, “Quando saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes“.
O que dá esperança, no entanto, é o que vem da base, como o testemunho deste jovem oficial que esteve no Haiti, em 2010 e que, depois, comandou uma companhia de 100 homens no Alemão, no primeiro semestre de 2012: “Eu senti mais dificuldade de atuar no Rio de Janeiro do que no Haiti. Porém, a ação aqui foi mais gratificante, pois eu vi o resultado ali, no rosto da nossa população. Eu estava fazendo algo pelo meu país”.
Causa perplexidade o trecho da entrevista do general Villas Bôas ao VALOR ECONÔMICO sobre o emprego das Forças Armadas: “Nosso emprego está no artigo 142 da Constituição da Garantia da Lei e da Ordem. No entanto, nosso pessoal não tem a proteção jurídica adequada. A Justiça e o Ministério Público entendem que o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não se trata de atividade de natureza militar e sim, policial. Não é verdade. Quando o emprego da estrutura policial não for suficiente, se emprega outra instância, as Forças Armadas. Mas, ao não exigir que se adote o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, a lei não nos proporciona a proteção jurídica necessária. Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri”. Vejamos.
Nosso emprego está no artigo 142 da Constituição da Garantia da Lei e da Ordem. No entanto, nosso pessoal não tem a proteção jurídica adequada”: a meu juízo, não procede, pois a ocupação de uma favela passou a ser uma atividade tipicamente militar, nos termos do § 7º do artigo 15 da Lei Complementar nº 97 /1999, ajustada pela LC 136/2010.
“A Justiça e o Ministério Público entendem que o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não se trata de atividade de natureza militar e sim, policial”: o que espanta é que, mesmo o Comandante do Exército sabendo que isso não é verdade, pois às Forças Armadas foi dado o necessário respaldo constitucional para agir nos contextos relacionados à garantia da lei e da ordem, se submete a este tipo de pressão que prejudica a sociedade e desgasta as Forças Armadas. Basta buscar no Google que se encontra farta jurisprudência para mostrar a legalidade de tal intervenção: “A alegada ilegalidade do ato que determinou a ocupação do Exército no Complexo da Penha perde sua força diante da redação contida no § 1º do art. 142 da Constituição da República, conferindo à legislação ordinária (LC nº 97 /1999, art. 15) competência para estabelecer as normas gerais de organização, preparo e emprego das Forças Armadas para a garantia da ordem pública” (STM - APELAÇÃO AP 2397120117010301 RJ 0000239-71.2011.7.01.0301 (STM), 05/06/2013).
“Mas, ao não exigir que se adote o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, a lei não nos proporciona a proteção jurídica necessária. Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri”. O que espanta é ver o conformismo que passa esta declaração do Comandante do Exército ao mostrar que com a não adoção dos remédios constitucionais do Estado de Defesa e o Estado de Sítio que a situação exige “sofremos desgaste e risco enormes com isso”, mas que “não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país”. Ora, o que a sociedade está clamando é exatamente isso aconteça.
Que se pressione o governo para que sejam feitos os ajustes legais necessários para dar plena condição de uma intervenção para resolver o problema definitivamente. Reconheça-se: nunca se sentiu qualquer óbice, de parte do governo federal, que dificultasse a intervenção militar. O decreto presidencial que autorizou a intervenção no Complexo da Maré deixou claro que seria o planejamento militar que determinaria a extensão da missão e a retirada das tropas.
Bastariam alguns ajustes para que se encaminhasse a extirpação de um câncer que não enfrentado, começou a espalhar metástases pelas principais cidades brasileiras.
O general Antônio Hamilton Martins Mourão, então Comandante do CMS, em exposição sobre a conjuntura nacional, feita para uma plateia com civis e militares (CPOR, Porto Alegre, setembro/2015), ao discorrer sobre o papel do Exército, ao discorrer sobre a maior preocupação da sociedade, a insegurança, a violência urbana, deixou claro: “O emprego do Exército na segurança pública deve ser limitado no tempo e no espaço. Somos treinados para outra coisa. Mas a gente não escolhe missão” e “Nós sabemos como fazer. O que fazer tem que ser definido pelo conjunto da sociedade” (in, O necessário protagonismo militar). Por que, então, não se prepararam para enfrentar o que foi apontado como nosso verdadeiro inimigo, capaz de inviabilizar o nosso futuro de forma irremediável?
Paradoxalmente, para esta demanda da sociedade, as Forças Armadas já estão se preparando, mas para suprir com toda a eficiência no Haiti e em outros cafundós da África. Em 2014, o Brasil integrava nove das dezesseis operações de paz em andamento sob a égide das Nações Unidas. Isso porque os nossos militares, como atesta o general Mourão, não escolhem missão, basta que a sociedade defina o que devem fazer. Pois que se consulte a sociedade, a maioria silenciosa, onde que deseja que atuem seus militares, no Haiti ou no Brasil. Que continuem atolados na Cité Soleil e adjacências ou que venham cumprir a mesma missão nos bolsões, tipo complexos da Maré ou do Alemão, que começam a sufocar as cidades brasileiras, transformando em um inferno a vida do cidadão brasileiro.
O Haiti é herança dos anos de desgoverno do PT, faz parte do seu projeto de poder que precisava se projetar como liderança regional, no cenário mundial. Nos primeiros dez anos da missão, o Brasil teve um custo líquido de R$ 1,5 bilhão com a Minustah, a mais malsucedida aventura da política externa brasileira neste século.
Ricardo Seitenfus, o gaúcho que representou a Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e 2011, é um crítico da Minustah, para ele, uma das piores missões da ONU.  “O desafio haitiano é socioeconômico e institucional. Não há como estabilizar um país com 80% de desemprego e com um Estado que é muito mais uma ficção do que uma realidade. A missão no Haiti é uma das piores missões de paz da história da ONU. Se saírem em 2016, deixarão um país pior do que encontraram em 2004. Até o cólera foi levado para lá. Essa intervenção foi triste e pesarosa. Nada melhorou”. “Cada dia que passa nos desgasta mais. Gasta-se um capital imenso de reconhecimento e respeitabilidade”.
Já imaginaram se, naquela ocasião, os alertas feitos e as tendências apontadas pelas doutrinas sobre o emprego das forças armadas no mundo globalizado do pós-Guerra Fria, indicando a necessidade de adaptação aos novos cenários onde a guerra convencional daria lugar aos conflitos assimétricos, tivessem anulado “a reação”, não custa repetir, “de os militares aceitarem a substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade”?
Já imaginaram se tivéssemos enfrentado, vinte anos atrás, este problema que hoje aterroriza o Rio de Janeiro e que está se propagando, como metástases pelo país? Alertas e ideias não faltaram como já foi visto.
Transcrevo trecho do meu livro “Os militares e a guerra social” (Artes e Ofícios, 1994) que trata sobre a ocupação dos bolsões de miséria pelas Forças Armadas, com uma proposta singela, mas viável.
“A proposta é que os bolsões de pobreza passem a ser considerados “área de segurança”, sob controle das Forças Armadas. Não para combater o pobre, maior vítima da guerra social, mas a pobreza. Para libertar o pobre das amarras da pobreza. Libertá-lo do domínio do crime organizado, nos cinturões de miséria e nas favelas das grandes cidades. Libertá-lo do jogo de políticos corruptos que usam a miséria como forma de intermediar verbas para preservar o clientelismo e os currais eleitorais, nos bolsões que se espalham pelo Nordeste.
Seriam, os militares, responsáveis pela execução dos programas governamentais, enquanto o Estado se recupera da crise existencial que o atormenta. A missão seria dar rendimento máximo às verbas, estabelecer padrões mínimos de qualidade de vida e promover a escolarização. Resgatar para a cidadania os seus habitantes e interromper o processo cruel de reprodução da miséria que inviabiliza qualquer projeto nacional de desenvolvimento.
E educação seria o alvo principal e essencial na preparação do indivíduo para o exercício da cidadania. Seria aproveitada a experiência dos militares com o ensino básico. Colégios militares, no formato mais singelo possível, com matrícula obrigatória dos 10 aos 16 anos. Educar e proteger as crianças. São elas as mais afetadas por essa guerra social. Desde os sete ou oito anos, as crianças começam a ser forjadas para o tráfico e a ele ficam definitivamente aprisionados. Ficam marcadas por deficiências físicas e intelectuais que comprometerão o nosso futuro.
Campanhas educativas para reduzir a mortalidade infantil e criação do conceito de paternidade responsável: o direito de ter e de não ter filhos e a obrigação de criá-los. Não podemos permitir que a miséria se propague em escala geométrica por absoluta falta de informação e de responsabilidade.
Esta a proposta. Não é o ideal, mas é viável. Dará um fôlego para que os problemas estruturais sejam equacionados sem a pressão do pânico popular. É viável porque os militares estão sensibilizados para o problema. O ex-ministro do Exército, em exposição na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (agosto de 1991), reconheceu: “Somos uma Nação em guerra. Os inimigos que rodeiam são miséria, a deseducação, a desunião, a demagogia, o paternalismo e tantas outras mazelas”. Consolida-se, como vemos, o consenso de que essa guerra social inviabilizará o sonho de construir , abaixo do Equador, a grande nação do século 21”.

Já imaginaram, repita-se, se, vinte anos atrás, tivéssemos feito algo parecido? Já imaginaram como não estaria o Rio de janeiro? Já imaginaram o prestígio que os militares teriam?
O que me leva a dar este alto e sonoro “BASTA!” é constatar que se passaram trinta anos, de alertas e clamores da sociedade, entre o meu artigo “Por trás do Urutu”, publicado, em outubro de 1987, no Jornal do Brasil e no Correio Braziliense, em que procurava sensibilizar os constituintes para a necessidade de se ajustar o papel das Forças Armadas às reais demandas nacionais, em que mostrava que “Discutem o papel das Forças Armadas, mas não veem a verdadeira guerra que está sendo travada. Nas cidades, onde já se registram milhares de baixas para caracterizá-la. No Nordeste, onde a incompetência e a desonestidade comprometem toda uma geração que teremos de sustentar, pois não atingirá um estágio de desenvolvimento mental e físico que a torne plenamente produtiva. No campo, onde os conflitos apresentam todos os componentes de guerrilha rural. Nas invasões urbanas. Nos recentes acontecimentos nas favelas do Rio que lembram a correspondentes da imprensa estrangeira, os campos de refugiados de Beirute” e o momento em que o Comandante do Exército, literalmente, lava as mãos, ao declarar que "Somos um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer ser e o que deve ser", que “Fomos empregados na favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 14 meses. No Alemão, 18 meses. É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema” e que “Ficou nítido na Maré, onde permanecemos por 14 meses: a operação custou R$ 1 milhão por dia, ou seja R$ 400 milhões. Quando saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes”.
Para concluir fica uma pergunta: a quem a sociedade recorrerá quando as chamas do Espírito Santo se espalharem pelo Brasil, um país mergulhado na maior recessão da sua história recente? Porque dúvidas ficam sobre a previsão da ESG, feita em 1989: "Aí, então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem".
O momento exige que os homens de bem tenham audácia dos canalhas”, sentenciava Benjamin Disraeli, político inglês do século XIX, conservador, que foi primeiro ministro. Seria bom que tivéssemos a audácia dos corruptos e dos traficantes, citando somente aqueles que mais nos atormentam, para mudar enquanto é tempo.

E nunca esquecendo o conselho que nos deixou o excelente Roberto Campos: “Saber mudar de inimigos é não só uma receita de sobrevivência como, às vezes, uma receita de sucesso” (in, Reflexos do Crepúsculo).

Nota: este blog visa debater assuntos que nos levem a construir um Brasil melhor. Estas são ideias que exponho para se comporem com outras que poderão, inclusive, serem expostas neste espaço, desde que versem sobre o mesmo assunto. Basta encaminhar para o e-mail periclesdacunha@gmail.com.