Em janeiro de 2018, tentei
apresentar uma proposta para inserir o Clube Militar no debate nacional e comprometer os principais candidatos com assuntos que para nós,
militares, são de suma importância: a defesa do Estado Democrático de
Direito e de seus fundamentos, cuja pedra angular é a SOBERANIA que estamos perdendo no
dia-a-dia, pois sem ela de nada valem os demais fundamentos (art.1º),
cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa e pluralismo político.
Salientava que muitos são os
déficits de soberania que estão silenciosamente solapando as bases sobre as
quais sonhamos construir uma poderosa nação, um Brasil melhor para nós e para
as futuras gerações e que é obrigação nossa, militares, identificá-los,
mostrá-los para a Nação e participar do esforço para eliminá-los.
Este o papel do Clube Militar,
compatível com a sua história e que o recolocaria na mesa de debates nacional
como um protagonista, com a relevância ímpar de buscar o comprometimento de todos
os candidatos com o combate a estes déficits de soberania.
A proposta previa um Ciclo
de Debates sobre a Soberania Nacional com reuniões nas principais
capitais do país, nos meses de março, abril e maio.
Durante o mês de junho de 2018,
uma Comissão de Sistematização, elaboraria o documento Compromissos
com a Soberania Nacional que seria a agenda para o debate
individual com os principais candidatos, ao longo dos meses de julho e agosto.
Para este Ciclo de
Debates sobre a Soberania Nacional, além de militares, seriam
convidadas lideranças expressivas do meio empresarial, universitário e da
sociedade, bem como, autoridades civis e militares. O sucesso destas reuniões
estaria na absoluta neutralidade, em relação às diversas correntes que
disputarão a eleição presidencial, deixando, sempre, bem claro que o objetivo
do Clube Militar é debater questões de soberania nacional, passando longe de
qualquer demanda corporativa.
Logicamente, a proposta não
recebeu a mínima atenção, pois o foco estava na formação de uma grande bancada
fardada no Legislativo, estadual e federal.
Entre os temas propostos
constava a Recontextualização da Questão Amazônica que, dada a atualidade do
assunto está sendo novamente postado, separadamente.
PROJETO NACIONAL PARA A AMAZÔNIA
Passamos nós, militares, os
últimos trinta anos, sentados à margem do debate nacional sobre a questão
amazônica, movido por dois paradigmas antagônicos: a conservação total e
irrestrita, com a criação de grandes áreas protegidas legalmente; ou a exploração
por meio da transformação da mata em commodities, seja por meio da agricultura
ou de outras atividades comerciais. E, repita-se, o conselho de Felipe
Gonzáles: se quisermos modificar esta realidade deveremos nos dispor a nos
molhar porque, nada adiantará ficarmos à margem do debate, indignados com a
demarcação de imensas reservas indígenas orquestradas por interesses escusos
que, a título de uma preservação da intocabilidade cultural, sacrifica os povos
da floresta e nos causa profundos déficits de soberania.
Não podemos nos esquecer de
que possuímos quase 70% da maior floresta tropical e bacia hidrográfica do
mundo, que conta com 7,8 milhões de quilômetros quadrados, distribuídos entre
nove países, sendo um deles uma potência nuclear, de fora do continente. E que
de esta imensa área dependerá o futuro do Brasil, da América do Sul e do
planeta.
Depende unicamente de nós,
brasileiros, o papel que exerceremos no sistema de poder mundial: de um dos
principais protagonistas, como uma nação rica, principal agente da integração
regional e estabilizador das aflições da humanidade com relação à mudança climática,
meio-ambiente, energia e água. Ou de um coadjuvante país periférico com
restrições, até no exercício pleno da soberania.
No vídeo,
de 6/8/2017, o deputado Jair Bolsonaro, ao abordar o seu projeto para a
floresta amazônica, faz uma projeção do que nos ameaça: “Se nós levantarmos
aqui o fuzil e falar ‘a Amazônia é nossa’, nós vamos perder a Amazônia. A
Amazônia, hoje em dia, não é mais nossa, pelas suas riquezas minerais, biodiversidade,
água potável, espaço vazio e etc. Temos que nos aproximar de países
democráticos, de poderio nuclear e influência no mundo, para poder explorar em
parceria essa região o que é muito mais producente e lucrativo para nós do que
nós continuarmos a fazer uma exploração predatória para as nossas riquezas”.
Esta, a visão de um dos nossos, que é candidato à presidência da República.
“O
mais grave do que a ameaça internacional sobre a Amazônia é o quase total
desconhecimento das lideranças nacionais e da sociedade brasileira em relação à
Amazônia. O resultado é que a discussão sobre a Amazônia muitas vezes é
superficial e equivocada, fruto do desconhecimento da realidade como ela é”,
constata Virgílio Viana, Ph.D. pela Universidade de Harvard, Livre Docente pela
USP, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e
Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável, no excelente
artigo A Amazônia e o interesse nacional (revista Política Externa,
Mai/2011).
O que importa é que não
podemos perder mais tempo, pois estamos correndo sério risco de perdermos o
comandamento sobre algo que está em nossas mãos.
Em setembro/2016, na revista
acadêmica "Proceedings of the National Academy of Sciences", foi publicado
o estudo “O uso de terra e riscos de mudança
climática na Amazônia e a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento
sustentável”, que propõe a criação de um “Vale do Silício amazônico” para
se pesquisar matérias-primas que devem impulsionar a quarta revolução
industrial o que vem reforçar a sugestão de Virgílio Viana ( A Amazônia e o interesse nacional, Política
Externa, Mar/Abr/Mai 2011): transformar
a riqueza da Amazônia em fonte de recursos para erradicar a pobreza na região,
valorizar a floresta em pé, reduzir o desmatamento e ampliar as vantagens
competitivas internacionais do Brasil.
Este estudo repercutiu na
alemã Deutsche Welle, de 21/9/2016: para o empreendedor peruano Juan
Carlos Castilla-Rubio, fundador da Space Time Ventures, incubadora de empresas
de tecnologia e que teve a iniciativa de lançar a Amazon Third Way (A3W), a
Amazônia é o próximo centro de inovações do mundo, mas ainda é cedo para dizer
se a floresta tropical será tomada por laboratórios de alta tecnologia.
"Ainda não sabemos como isso vai acontecer exatamente, é um tema que vai
durar 20 anos ou mais. Mas sabemos que a capacidade e conhecimento local precisam
ser reforçados, e muito", comenta Castilla-Rubio, que compara o nível de
dificuldade do projeto "à ida do homem à Lua".
O objetivo da proposta deste
empreendedor peruano é mapear os ativos biológicos da Amazônia, registrar e
certificar essa propriedade intelectual usando plataformas abertas,
sistematizar os direitos e obrigações associados a essas informações e
desenvolver um marketplace global, no estilo “Ebay”, de forma a reduzir o custo
de pesquisa e transação dessa propriedade intelectual. Esses dados irão
fomentar o desenvolvimento de uma miríade de tecnologias, incluindo novas
estruturas têxteis, formas alternativas de produção de energia, sensores,
algoritmos de inteligência artificial, tecnologias de sequestro de carbono,
entre outras.
“Existem cerca de 285 mil produtos derivados da biodiversidade mundial, mas só conseguimos
sintetizar 10 mil deles”, afirma Castilla-Rubio. Amazônia concentra 25% da biodiversidade do planeta. A questão é
que governos sempre relutaram em abrir esse banco de dados, por medo da chamada
pirataria biológica. Mas, segundo o empreendedor, isso, na verdade, criaria um
mercado capaz de financiar as pesquisas e a preservação da floresta.
Acrescenta a Deutsche Welle
que nesta chamada "terceira via", a proposta dos cientistas
enxerga a AMAZÔNIA COMO UM
PATRIMÔNIO BIOLÓGICO GLOBAL, que pode impulsionar a nova revolução
movida a inteligência artificial e tecnologias que "imitam" a
natureza –o biomimetismo. Desvendar de que plantas e animais são feitos, como
organismos se locomovem e percebem o ambiente, por exemplo, são a chave para
criação de materiais, sensores e até robôs do futuro.
Não podemos nos esquecer do
detalhe: Castilla-Rubio é peruano e seu país detém 13% deste condomínio
amazônico.
Vale transcrever trechos do
excelente “A Amazônia e o interesse nacional”:
a) É tempo de o Brasil rever o rumo da sua política externa e
pensamento estratégico no tocante à Amazônia. A Amazônia é um dos principais
ativos estratégicos do país no século 21, mas estamos presos a velhos
paradigmas do século passado. Isso tem impedido ao Brasil um posicionamento
mais sofisticado e estratégico nos diversos fóruns onde se formata os
instrumentos de regramento internacional. Necessitamos uma visão mais contemporânea
do que vem a ser o interesse nacional relacionado com a Amazônia.
b) É necessário revisitar os pressupostos e paradigmas que serviram
de base para a formulação da política externa do Brasil em relação à Amazônia.
Está em risco a soberania nacional sobre a Amazônia? O interesse e a cobiça
externa justificariam uma ocupação militar da região por potências ou
organismos internacionais? Devemos defender nosso direito de desmatar para
desenvolver? A quem interessa desmatar: ao Brasil ou a alguns poucos brasileiros?
Manter a floresta em pé é bom para o Brasil? Devemos ser contra a ligação entre
a Amazônia e o tema das mudanças climáticas globais? Estamos tratando
adequadamente os assuntos com nossos países vizinhos que fazem parte da
Amazônia continental?
c) Um dos alicerces do pensamento tradicional sobre a Amazônia é a
suposição de que haveria planos, complôs e estratégias em curso para uma
ocupação militar e política da Amazônia brasileira por potências estrangeiras
ou organismos internacionais.
d) Obviamente, não devemos negligenciar os interesses e movimentos de
outros países na região. Temos que estar alertas, inclusive com nossos
vizinhos. Felizmente, os militares desempenham com competência sua função de
guardiões de nossas fronteiras. Identificar os inimigos certos e nossas
metas estratégicas é essencial para vencermos a batalha contemporânea pela
defesa da Amazônia.
e) É tempo de não basear o pensamento estratégico brasileiro na tese
da existência de uma conspiração em curso com o objetivo de internacionalizar a
Amazônia, pois alegados interesses econômicos de outros países sobre os
recursos naturais da Amazônia não precisam de tropas ou domínio militar
estrangeiro para usufruir das riquezas da região. Não se justifica o custo e o
ônus de uma ocupação militar para garantir o acesso aos recursos naturais da
Amazônia.
Nesta proposta de Terceira Via
está a grande oportunidade para assumirmos a liderança e fazermos uma
recontextualização, deixarmos de lado velhos paradigmas e estabelecermos novas
bases para uma estratégia nacional que oriente um projeto nacional para a
Amazônia.
O general Villas Bôas,
comandante do Exército, em artigo de anos atrás, “Amazônia - desafios e soluções” (Vermelho,
11/9/2015), pauta um debate que seria muito importante que fosse provocado pelo
Clube Militar, neste ano eleitoral: “O momento em que vivemos é crucial, pois
algumas das escolhas que necessitamos fazer acarretarão consequências
possivelmente irreversíveis, legando às gerações futuras os benefícios ou os
prejuízos delas decorrentes. A ocupação seguirá sendo extensiva e empreendida
livremente como consequência natural de fluxos migratórios ou será conduzida
pelo Estado? Privilegiaremos a preservação do meio ambiente ou colocaremos o
ser humano como centro e razão de ser dos processos? Seria possível obter o
equilíbrio entre ambas as condutas? Os brasileiros de origem indígena serão
protagonistas ou permanecerão à margem dos processos? Que prioridade terá a
exploração dos recursos naturais? Prevalecerão os interesses nacionais ou
permitiremos que posturas internacionalistas a eles se sobreponham? Chamaremos
a participar os demais países condôminos da enorme bacia, inclusive no que diz
respeito às ações relativas à segurança e ao combate aos ilícitos? Em suma, que
modelo a sociedade brasileira pretende adotar para balizar o enfrentamento
dessa jornada histórica? É essencial que a nação brasileira se conscientize da
grandeza desse desafio, tornando-se necessário que se busque visualizar o que,
concretamente, a Amazônia representa para o Brasil e que papel no futuro lhe
está destinado cumprir”.
O fundamental, segundo A Amazônia e o interesse nacional, “é a
urgência de substituir os velhos paradigmas que ainda influenciam a formulação
de políticas nacionais e internacionais relevantes para a Amazônia. Com os
conceitos e paradigmas devidamente realinhados, faltará apenas a vontade
política e a mobilização da sociedade brasileira entorno destes enormes desafios.
O tempo urge diante da gravidade do processo de mudanças climáticas globais.
Ainda há tempo”.