Da
série “A nau dos insensatos”
"Aí, então, quando às polícias faltarem condições para
enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os
poderes constituídos poderão pedir o concurso das Forças Armadas, para que se
incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e,
mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a Ordem". (in “Estrutura do
poder nacional para o ano 2001", Escola Superior de Guerra, 1989)
Na verdade, o que estamos sofrendo são as consequências de
uma guerra mal terminada nos anos 1970, sem os devidos rescaldos, um câncer mal
extirpado que recrudesceu e está espalhando metástases por todo o tecido social
da nação, um conflito com todas as características de uma guerra híbrida que os
comandantes militares relutam em reconhecer.
Nota: este texto começou a ser elaborado antes
da mudança ocorrida no ministério da Defesa.
Em A nau dos insensatos
(7/11/2017) foi mostrado que de vacilação
em vacilação o presidente Temer perdeu a oportunidade de se tornar o “estadista
da travessia”, aquele presidente que corrigiu os erros dos catorze anos de
desgoverno que o seu partido deu sustentação, implementando as reformas estruturais mais importantes, como a
Política, a Previdenciária, a Trabalhista e a Tributária, e enfrentando os mais
graves déficits de soberania que ameaçam nos condenar ao status de um país
periférico, colocando-nos no rumo da construção
daquele Brasil melhor, sonho de todos nós.
Neste texto abordaremos um dos principais
assuntos desta marcha da insensatez: a violência que alarma os brasileiros que,
como um câncer já espalhou metástases por todos os cantos do país e que produziu,
no último ano, 62 mil assassinatos, cujo tumor está no Rio de Janeiro, cuja
população, segundo recente pesquisa, 73%, se pudesse, se mudava para outro
lugar, diante do permanente estado de insegurança, com índices de violência que
superam, até mesmo, áreas de plena guerra, como a Síria.
A partir de julho de 2017 começou o
recrudescimento da crise na segurança pública no Rio de Janeiro, tendo a
Rocinha como foco, com as Forças Armadas, em especial o Exército, dando
seguimento em uma marcha da insensatez que se arrasta, com a situação se
agravando em escala exponencial, ao longo destes últimos vinte e cinco anos em
que os comandantes militares insistem em não reconhecer que o Brasil está sendo
submetido a uma guerra híbrida que tem as suas origens lá no regime militar
quando não foi feito o devido rescaldo das sufocadas guerrilhas rural e urbana
dos anos 1960 e 1970.
Para demonstrar esta marcha de insensatez,
bastariam as patéticas declarações do ministro da
Defesa, Raul Jungmann, e do Comandante do Exército, general Villas Bôas, em relação
a mais grave das crises de segurança pública que assola o Rio de Janeiro, e os seus desencontros com as
declarações de comandantes militares que operam ou operaram na área e dos demais
envolvidos nesta crise, para explicar o caos que está aterrorizando a população.
A visão do ministro da Defesa
O
ministro da Defesa, Raul Jungmann, que tem sido o porta-voz do Governo Federal
e das Forças Armadas, ao longo dos últimos meses, através da grande mídia, vem
assegurando que o papel das Forças Armadas é de coadjuvante, nada mais do que
coadjuvante. Chega até ser irônico ver o ministro da Defesa anunciar, em
setembro/2017, no mais completo amadorismo, que “neste momento, a Rocinha está estabilizada”, em matéria
ilustrada com militares prestando-lhe continência.
Ao
participar, em 21/10/2017, da cerimônia de celebração do fim dos 13 anos de
missão de paz no Haiti, assegurou que “Nós aqui aplicamos esse aprendizado
(Haiti), com profissionalismo e competência, mas sempre sob a liderança das
forças policiais e de segurança do Rio de Janeiro”.
Em
entrevista ao O
Globo (29/12/2017), Raul Jungmann reafirmou que “As FFAA são apenas ‘auxiliares’ no Rio”, “Sempre dissemos que a liderança desse processo seria da segurança
pública do Rio, não das FFAA”. “A liderança não é nossa. Somos auxiliares”.
Em entrevista ao Estadão
(1/1/2018), Jungmann, deitou cátedra ao discorrer sobre o papel das Forças
Armadas em ações junto às favelas do Rio. A começar, o modelo das Forças Armadas ocupando a área, como no Complexo do Alemão ou
da Maré, no Rio, está encerrado. “Então, nós estamos atuando no Rio de Janeiro
dentro da seguinte lógica: não ocupamos permanentemente nenhuma área. Atuamos por demanda, em apoio às forças
policiais que lideram o processo”. O modelo
anterior, segundo ele, tinha como único resultado “dar férias para os bandidos”
porque “a ocupação abaixa a temperatura, mas não combate nem elimina a
infecção. A infecção tem que ser combatida com a inteligência, com os policiais
e a capacidade do Judiciário”.
“E
essa banalização da GLO não é boa para as Forças e não é boa para o País. As
Forças Armadas não têm capacitação e treinamento e muito menos vocação para
substituir as polícias”, “a formação do militar é para a defesa da soberania
nacional”. No seu entender “não se criou nenhum corpo intermediário entre as
Forças Armadas e as forças regulares da segurança pública para que atuasse nas
situações extraordinárias”. “O que eu quero dizer com isso, estou pensando nos
Estados Unidos que têm a Guarda Nacional”.
Em
31/1/2018, na conferência “O
futuro começa hoje: ações da PMERJ2018”, o ministro da Defesa bateu na mesma
tecla, para não deixar dúvidas: “Nós
entendemos que o papel central compete às polícias Militar e Civil, à Guarda
Municipal e à Secretaria de Segurança. Nós não temos a liderança e nem devemos
ter”.
A visão do Comandante do
Exército
No
auge da crise, depois da participação do Exército em mais um cerco da Rocinha,
o Comandante do Exército, general Villas Bôas, afirmou
(02/10/2017) que deve ocorrer um maior diálogo com a sociedade sobre possíveis
efeitos colaterais de um enfrentamento efetivo ao crime organizado pelas FFAA
porque “a dinâmica recente do clamor social pelo emprego de forças militares parece apontar para a necessidade de um
incremento das ações militares no combate ao crime organizado”. “Parece
apontar”, depois de o ano fechar com mais de 62 mil assassinatos! Parece
apontar!
“O
agravamento da situação de segurança nos últimos anos, com o aumento das
atividades do crime organizado, suscita
um amplo debate na sociedade acerca da ótica sob a qual se deve encarar
esse cenário. Essa discussão é fundamental, pois o emprego de tropas em GLO
não pode se tornar uma ação trivial. Há que se lembrar que o Exército é o
último recurso do Estado. Como último argumento, ele não pode falhar!”, constata o
general Villas Bôas. A situação suscita
um amplo debate!
Depois
de assegurar que
“uma solução exclusivamente militar não irá resolver essa situação”, o
comandante do Exército foi definitivo: “Tem sido rotineiro o emprego na mídia
de termo guerra, para definir a situação vivida no RJ. Na verdade, vivemos um tempo de paz, com um quadro
de comprometimento da ordem pública”. Vivemos um tempo de paz, com 62 mil
assassinatos, no último ano e com 72% da população do Rio de Janeiro sonhando
em se mudar!
Na
contramão do Comandante do Exército, a opinião de dois comandantes da Força de Pacificação do Complexo da Maré:
Em 2015, general
Antônio Carlos de Souza, em exposição ao chefe
do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa foi claro: “É um conflito moderno. Uma guerra
irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso. E o mais difícil é atuar no
meio do povo, com as ruas cheias de gente”.
O
general Roberto Escoto, que foi o primeiro comandante da Força de Pacificação, no
excelente artigo (que o MD Jungmann deveria ler e reler) Bda Inf Pqdt
na Pacificação da Maré (Defesanet, 2/9/2015) e em uma entrevista (11/8/2017) foi peremptório: a
participação das Forças Armadas na pacificação das favelas
deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança
e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas
brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e
procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças
irregulares. “Os grupos criminosos que atuam no Rio de Janeiro”, segundo
ele, “não são atores insurgentes propriamente ditos”. “Buscam controlar
territórios inteiros e transformá-los em santuários; dominam a população, suas
idas e vindas; assediam as forças de segurança oficiais com emboscadas,
procuram infiltrar-se nos órgãos do Estado, sejam polícia ou prefeituras, para
conseguir inteligência e influenciar as ações do poder legítimo etc.”. “Não têm ideologia. A ideologia é o lucro”.
E conclui: “Diante disso, quando a F Ter for empregada em Op Pac, é necessário
enfrentá-las e vencê-las executando operações de combate contra F Irreg”. E
instiga: “Com a desmobilização das FARC, você tem dúvida de que muitos desses
ex-guerilheiros vão conseguir emprego no PCC ou no CV? São cinquenta anos de
guerrilha. Todo esse know-how pode ser exportado para o Brasil. A
desmobilização das FARC pode contribuir para o agravamento do quadro da
segurança pública no Brasil”.
E
mesmo assim, o general Villas Bôas continua afirmando que
as ações de cerco das Forças Armadas, na Rocinha, criaram a
possibilidade da Polícia Militar “concentrar o emprego dos seus efetivos no
interior da comunidade, para conduzir efetivamente as ações de caráter
policial”.
E,
na mesma linha de confronto com as, repita-se, patéticas avaliações do ministro
da Defesa e do Comandante do Exército, está a avaliação de Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE e um dos
autores do livro Elite da Tropa (2006), que serviu de inspiração para os longas
Tropa de Elite 1 e 2, do cineasta José Padilha, em entrevista Veja
(28/9/2017): “Se o Exército está aqui, ele deveria assumir o comando da polícia e
dizer ‘agora tá comigo, eu sou as Forças
Armadas’”. “Mas não funciona assim, eles fazem um decreto esquisito de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que deixa dúvidas sobre quem manda e quem não
manda. Quem tá no comando? o Exército ou o Estado? Porque o Exército é uma força federal, se ele vem pra cá, tem que
comandar. O Exército veio para cá sem condições de realizar ações de
caráter diferente das executadas pela polícia, sem nenhuma vantagem, nenhum
recurso a mais. Vieram para ter mais homens nas ruas e desgastar a imagem”. E
complementa, o cap. Pimentel: “Fui
à favela da Maré em 2015, o Exército estava comandando a ocupação. Os
traficantes pagavam 50 reais para crianças de 14 anos acompanharem equipes do
Exército e jogar pedra nos militares. O que o Comando Vermelho queria? Que um
soldado perdesse a cabeça e atirasse em um garoto. Quando eu perguntei por que
não prendiam o menino, eles respondiam que não podiam prender menor, só se
praticassem atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente. Caramba, você colocou o
Exército na Maré de mãos amarradas, exatamente como você coloca a polícia. Para
colocar a maior força que o Brasil tem, de mãos amarradas, é melhor não pôr,
vai desmoralizar o Exército”.
Esta foto, de 2006, na favela de Manguinhos,
serve bem para ilustrar que a cartilha de Marighella já foi assimilada nas favelas: “O trabalho principal do
guerrilheiro urbano é distrair, cansar e desmoralizar os militares”.
O que choca é ver o general Comandante do Exército, claudicante,
falando em “efeitos colaterais”, “direitos humanos” e “contaminação das tropas
pelo crime organizado”, “falta de regras de engajamento claras”, como óbices
para a intervenção das Forças Armadas. “Ele avalia que o uso das tropas federais não tem
capacidade de solucionar os problemas” (Estadão, 15/1/2018).
E
a prova disso é dada pelo próprio Comandante do Exército que repetidas vezes
tem salientado que “há entendimentos incorretos de que as Forças Armadas possam
substituir a polícia. Temos características distintas. Fomos empregados na
favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 15 meses. No Alemão, 18
meses. É um emprego das Forças Armadas
que não soluciona o problema”. “Não
insistam, é caso de polícia. Mais uma vez ficou comprovado, passamos quase
15 meses (no Complexo da Maré), a um custo diário de R$ 1 milhão” e “quando
saímos, uma semana depois, tudo tinha voltado a ser como antes”. “É um emprego
das Forças Armadas que não soluciona o problema”. E voltou a repisar, em sua
última entrevista
(2/10/2017) sobre a operação Rocinha: “nos
últimos anos, o Exército tem participado de inúmeras Operações de Garantia da
Lei e da Ordem (GLO), ocupando comunidades da cidade do Rio de Janeiro. A
experiência tem demonstrado que após a saída das tropas, o crime organizado
retorna às atividades e recupera o controle tácito dessas áreas.
Quase
mil dias, ao custo diário de R$ 1 milhão, significa que uma atuação vacilante,
sem convicção, redundou em um desperdício de R$ 1 BILHÃO sem falar no
comprometimento da imagem institucional das Forças Armadas. Quantas vidas não
seriam salvas com este R$ 1 BILHÃO desperdiçado que serviu somente, como diz o
ministro da Defesa, "para
dar férias a bandidos".
Ainda bem
que esta visão vacilante, de que o Exército "não tem capacidade de
solucionar os problemas”, não é unânime no Alto Comando do Exército. O general
Mourão, por exemplo, volta e meia assegurava que
“O exército sabe como fazer. Agora quem deve dizer
o que fazer deve ser a sociedade”.
Depois
de uma mirada sobre as visões do ministro da Defesa e do Comandante do Exército
chega-se à triste conclusão de que o planalto não conhece a planície, que a
visão mais acurada que vem do planalto é a do general Etchegoyen, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que, no evento
“Brasil de Ideias”, que reuniu, no Rio de Janeiro, ministros e autoridades para
“debater” a segurança do país, para uma plateia de empresários, em 4/8/2017, frisou: “Produzimos teses, produzimos dissertações, produzimos monografias e eu
pergunto: quanto reduzimos da criminalidade? Quanto avançamos nisso? Nós precisamos agir. Nós precisamos fazer”.
“Nós estamos
numa guerra”.
Intervenção
no Rio
Pois, passado o Carnaval, o presidente Temer decreta intervenção
federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, até o fim do ano e
com o objetivo de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado
do Rio de Janeiro” (§ 2º, art.1º).
Se,
depois de sete meses em que o Exército esteve envolvido nesta operação em que
foram gastos milhões de reais, recursos que estão faltando em áreas vitais, o
governo adota, pela primeira vez em trinta anos, o remédio constitucional da
intervenção para “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado
do Rio de Janeiro”, é sinal de que fracassou a intervenção da força terrestre.
Temer na assinatura do decreto de intervenção, passando a nítida impressão do claro objetivo eleitoreiro e
do desconhecimento da gravidade da situação, comunicou que “nomeei o
interventor, o comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Neto, que terá poderes para restaurar a
tranquilidade do povo. As polícias e as Forças Armadas estarão nas ruas,
nas avenidas, nas comunidades e, unidas, combaterão, enfrentarão e vencerão,
naturalmente, aqueles que sequestram do povo as nossas cidades”. E, preocupado
em não causar atritos com seu partido no RJ minimizou o que estava sendo feito: “É
uma intervenção cooperativa. Nós a decretamos depois de uma conversa com o
governador, que, naturalmente, concordou, e irá prestar toda a colaboração
necessária”.
No mesmo dia, o ministro Raul Jungmann
deu ideia dos limites da atuação das Forças Armadas: “As ações poderão ser de cerco em favelas, em rodovias ou um bloqueio
marítimo”. Cerco em favelas!
Na verdade, Temer, astutamente, usou o caos
instalado no Rio de Janeiro para esconder a claudicante condução da crise de
segurança pública e para, em uma jogada claramente eleitoreira, assumir o
protagonismo de uma das principais demandas da sociedade e de retirar de Jair
Bolsonaro a bandeira de aproveitar generais para cargos importantes do seu
governo, se eleito for. Temer, para isso, convocou o Exército para gerenciar a
crise com a nomeação de generais para comandarem a intervenção no RJ, a
nomeação do primeiro general para ministro da Defesa e de outro para a
principal função executiva do recém criado ministério da Segurança Pública.
O bônus para os políticos e o
ônus para o Exército
Jânio
de Freitas, em Risco
ao contrário, resumiu a opinião quase unânime com a tal
“intervenção cooperativa”: “Os ideólogos
da intervenção pensaram em política. E deixaram o Exército, que tem se mantido
exemplar no Estado de Direito, com todo o risco”.
E
o que causa estupefação é ver, entre os ideólogos da intervenção, junto com
Moreira Franco e Raul Jungmann, o general Etchegoyen, autor da mais sensata das
avaliações feitas sobre a presente crise (Nós precisamos agir. Nós precisamos fazer”. “Nós estamos numa
guerra”, 4/8/2017) e, em quem se depositava a esperança de ser o
agente de mudança de rumo deste claudicante governo de transição (vide A nau
dos insensatos, 7/11/2017), deixar que políticos ordinários, repita-se,
acossados pela Lava Jato, levassem o seu Exército a uma empreitada sem a devida
proteção constitucional.
O
general Etchegoyen acaba de colocar, com essa “intervenção cooperativa”, como a
definiu o presidente Temer, o Exército em um brete cuja única saída é o
desgaste da instituição que sempre ponteia as avaliações de credibilidade junto
à Sociedade. Ou alguém duvida que exista alternativa em tão adversas condições
e tão curto prazo?
Custa
crer que os comandantes militares ainda não tenham reconhecido que “nós estamos numa
guerra” e nem foi o
general Etchegoyen o primeiro e nem o último a reconhecer isso, bastam as
declarações de dois generais envolvidos diretamente com o caso.
Conforme
já apontado, em 2015, o chefe
do Estado-Maior
Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa, ao se referir ao
que acontece no Rio de Janeiro foi claro: “É um
conflito moderno. Uma guerra irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso”.
Da
mesma forma, o general que foi o primeiro comandante da Força de Pacificação da Maré, foi peremptório (11/8/2017): a participação das Forças
Armadas
na pacificação das favelas deixou de ser coadjuvante para ser protagonista,
porque não se trata mais de um problema
de segurança e ordem pública, mas de
segurança nacional. O problema
deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas brasileiras atuam
como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e procedimentos de
guerrilheiros e terroristas e somente
o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças irregulares”.
Não bastasse, uma visão externa e recente: Manuel Eisner, suíço, diretor do Centro de Estudos da
Violência da Universidade de Cambridge, em entrevista ao Estadão, 19/2/2018: “Acredito que a atual situação
no Brasil é melhor descrita como uma guerra
crônica de pequena escala, que permeia a vida das pessoas na maior parte do
País. O Brasil perde mais cidadãos para a violência a cada ano do que os
Estados Unidos durante toda a guerra do Vietnã. Cerca de 800 mil brasileiros
foram assassinados desde o ano 2000, o que equivale a eliminar toda a
população, por exemplo, da cidade de João Pessoa”.
Consequências
de uma guerra mal terminada
Na verdade, o que estamos sofrendo são as consequências de
uma guerra mal terminada nos anos 1970, sem os devidos rescaldos, um câncer mal
extirpado que recrudesceu e está espalhando metástases por todo o tecido social
da nação, um conflito com todas as características de uma guerra híbrida.
As Forças Armadas e seus órgãos de Inteligência foram
chamados para combatê-los e, mesmo sem experiência nesse tipo de guerra e sem
auxílio externo, apagaram estes focos do incêndio, sem fazer, no
entanto, o devido rescaldo, mais por ação da guerra psicológica que os
militares, com o estoicismo cunhado no seu DNA, não souberam enfrentar.
Deixaram-se encurralar: retornaram aos quartéis, se ensimesmaram naquele modelo
das três ilhas - Sociedade – Política – Forças Armadas (O
arquipélago Brasil, 25/3/2016) - e ficaram olhando para trás,
vendo revanchismo em tudo que lhes causava desconforto, sem perceber que o
inimigo que achavam ter vencido apenas havia se aproveitado do cenário que lhe
foi imposto para se reagrupar e seguir em frente, aproveitando o imobilizado a que
os militares se submeteram.
Em
“Os
anos de chumbo”, Carlos I.S. Azambuja mostra que foram os estudantes e os
intelectuais de classe média e não as “amplas
massas” - que segundo a doutrina científica são
o motor da revolução –
que representaram a grande fonte de militantes e quadros das organizações de
luta armada.
De este grupo de militantes, estudantes e intelectuais de
classe média, aqueles não inseridos na luta armada
somados aos que do Exterior retornaram, foram constituir a grande fonte de
militantes e quadros dirigentes de todas as organizações e partidos,
constituídos após 1964. Uns acabaram formando o PT é demais siglas de
Esquerda, outros seguiram os caminhos da universidade e “fizeram a cabeça” de
milhares de jovens e tentaram reescrever a história, outros tomaram o rumo do
Judiciário, outros, o serviço público para, depois serem empregados no
aparelhamento do Estado para produzir uma revolução cultural cujo alvo são os
valores básicos da família e a redução do potencial cívico a níveis de uma
lassidão moral. E uma parte tomou o rumo do campo para formar o MST e levar a
intranquilidade ao que tem sido o celeiro do mundo.
E aqueles que se engajaram nos partidos, quando
assumiram o poder, formaram a “ampla massa” de manobra do Bolsa-família para
garantir os votos da democracia que eles inventaram para se eternizar no poder
usando as mesmas táticas de Chávez, na Venezuela.
Com o apoio do empresariado, chegam ao poder
para aparelhar o Estado e saquear os cofres públicos, conforme a Lava Jato já
começou a mostrar.
A
origem do Crime Organizado
Os demais integrantes daquele grupo de
militantes, estudantes e intelectuais de classe média, aqueles que foram capturados, por um erro estratégico do
governo militar, foram dar origem de esta guerra que vem corroendo com o
tecido social da nação.
Segundo Carlos
Amorim, autor de “Comando Vermelho, a História Secreta do Crime Organizado”,
"O governo militar tentou despolitizar as ações armadas da Esquerda
tratando-as como 'simples banditismo comum', o que permitia também uma boa
argumentação para enfrentar as pressões internacionais em prol da anistia e
contra denúncias de tortura. Nivelando o
militante e o bandido, o sistema cometeu um grave erro. O encontro dos
integrantes das organizações revolucionárias com o criminoso comum rendeu um
fruto perigoso: O Comando Vermelho”.
Comunistas intelectuais, terroristas urbanos e
estrategistas de guerrilha começaram a conviver com criminosos comuns, dentro
do presídio da Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ.
Os
militantes esquerdistas encontraram um cenário desolador: mutilações, assassinatos, estupros e torturas
faziam parte da rotina macabra da cadeia. Faltava tudo: colchões, cobertores,
comida e papel higiênico. Para quem estivesse lá, não haviam perspectivas: era
morrer assassinato ou apodrecer no “Caldeirão do Diabo”, como era conhecido o
presídio da Ilha Grande. "Em pouco tempo, os presos políticos promoveram
reformas e fizeram funcionar serviços que nunca antes atenderam ao preso comum.
Essa assistência prestada pelos militantes de Esquerda gerou um forte laço de
amizade e respeito com a massa carcerária", descreve Carlos Amorim, em
"A Irmandade do Crime".
A intenção dos “militantes esquerdistas” nem foi por
idealismo e nem pela visão de que ali, naqueles bandidos, estariam os
portadores seguros para a semente do ideal de propagar a revolução, mas de
autodefesa, no sentido de que seria insuportável o ambiente em que se
encontravam, onde seriam literalmente triturados, não sobreviveriam no inferno
da Ilha Grande. A única saída seria humanizar aqueles seres, acender uma
centelha de esperança.
Desta forma,
a Esquerda aproveitou as péssimas condições dos
presídios brasileiros para incutir ideais revolucionários na população
carcerária.
Sobre isso,
o esclarecedor testemunho de Osvaldo da Silva Calil, o Vadinho, assaltante
de banco (Isto É, 22/10/1981): "Fiquei com os marinheiros presos em 64.
Depois, com os rapazes da ALN, MR-8, VAR-Palmares, Colina (Comando de
Libertação Nacional), Juventude Operária e Universitária (ambos ligados aos
setores radicalizados da Igreja). No começo estranhei um pouco. Mas, com o
passar dos anos, eles fizeram a minha
cabeça, e cheguei até a ler a Bíblia”.
Marcola
Vale a pena um parêntesis para ver um pequeno
pedaço do longo depoimento de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, na CPI
Tráfico de Armas, em 08/6/2006, da qual fazia parte ministro da Defesa,
deputado Raul Jungmann. Para ver a importância desta “fertilização”, para
compreender a origem do Crime Organizado.
Perguntado
sobre a sua vida, Marcola respondeu: “É isso. A vida... Se o senhor pegar
qualquer preso, a minha vai ser idêntica
até o ponto em que eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda”. “Porque me faz raciocinar, me faz analisar que
existe uma injustiça muito grande em
nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez de estar numa casa de
detenção, na época, poderia estar numa universidade, se tivesse tido um apoio
do Estado. A gente começa a questionar
esse poder do Estado — o senhor entendeu? —, porque a gente é vítima dele.
Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai criando uma consciência
um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então não tinha”.
Marcola
disse que eles estudaram muito sobre Lênin, sobre a formação do Partido
Comunista, mas que “gente lê sobre tudo”, “Nietzsche, Voltaire, Vitor Hugo (Les
miserables), Santo Agostinho (Confissões)”. “Estudei a Bíblia, umas cinco vezes
eu li ela inteira, de Êxodos a Apocalipse. Êxodos, não, de Gênesis”.
Fecha-se
o parêntesis com uma certeza: o acesso aos livros começou a mudar a vida da
população carcerária.
Além de acesso a livros que foram contrabandeados
para dentro dos presídios, onde aprenderam ideologia da luta de classes, os
criminosos comuns receberam ensinamentos práticos como princípios de
organização, que incluíam desde a estrutura hierárquica e disciplinar do grupo
armado até sistemas de comunicação em código; técnicas de "propaganda
armada"; táticas de ação armada; e seleção das melhores armas para cada
tipo de operação, e ainda à fabricação de explosivos apropriados para o uso na
guerrilha urbana.
Foi
neste ambiente que surgiu o Comando
Vermelho (CV) que assimilou todos esses ensinamentos, até com mais eficácia do
que as próprias organizações guerrilheiras.
A verdade é que o Crime Organizado foi muito além do que a luta armada tinha conseguido nos anos
1970, no que tange à infraestrutura, disciplina e organização internas, bem
como tinha comandamento sobre as “amplas massas” que habitavam nas favelas, com
o perfil ajustado para gerar o que Marighella considera o guerrilheiro
urbano ideal: “a característica fundamental e decisiva do guerrilheiro urbano é
que é um homem que luta com armas”. “É necessário que todo guerrilheiro urbano
tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar os
policiais e todos aqueles dedicados à repressão”. “O guerrilheiro urbano
somente pode ter uma forte resistência física se treinar sistematicamente”.
“Estamos em uma guerra revolucionária completa e que a guerra somente pode ser
livrada por meios violentos”. Ora, somente na favela encontraremos este perfil
de combatente que nasce e vive se preparando para ser o que Marighella
classifica como o guerrilheiro urbano ideal, só faltando a doutrinação
ideológica.
Quando os presos políticos
foram sendo transferidos ou libertados, a experiência ficou. Vadinho conta
mais: “Os alunos passaram a professores. Convencemos
os presos de que eles tinham que estudar e se organizar. Foi assim que tudo
começou”.
A ideologia do Crime Organizado
Um novo parêntesis
será útil para desfazer a crença de que, tanto o Comando Vermelho e o PCC, como
os demais, usam técnicas, táticas e procedimentos de insurgentes, mas não possuem a
componente ideológica. “Não têm
ideologia. A ideologia é o lucro”.
Lendo o longo depoimento de Marcos Willians Herbas
Camacho, o Marcola, na CPI do Tráfico de Armas (2006) chega-se à conclusão de
que este caos na segurança pública foi causado por um Estado omisso, corrupto e
opressor, nessa ordem.
Omisso por ter gerado massas de excluídos nas
favelas, entregues que foram ao controle do Crime Organizado, apesar dos
alertas feitos, ao longo dos últimos trinta anos, no mínimo.
Em 1989, a Escola Superior de Guerra, em “Estrutura do poder nacional para o ano 2001" fazia esta
terrível previsão: "Aí,
então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que
é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão
pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de
enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser
mantida a Lei e a Ordem".
Em “Os militares e a guerra social” (Péricles da
Cunha, Folha de S. Paulo, 9/4/1994), vinte e quatro anos atrás:
- “Este estado de criminalidade começa a fugir do controle da polícia, confirmando a previsão da ESG”.
- “É necessário, no entanto, que o emprego das Forças Armadas nessa guerra social seja planejado para evitar o desgaste de uma instituição que não está preparada para agir em tal cenário e para que não se volte a cometer o erro histórico de combater o pobre e não a pobreza”.
- “O narcotráfico, eixo em torno do qual gira todo o problema, deixou de ser uma mera questão policial para se transformar em um inimigo que, como o câncer, começa a espalhar metástases por todos os órgãos vitais da nação, ferindo-a nos planos sociais, político, econômico e militar. O Estado brasileiro nunca esteve tão ameaçado como hoje e cabe às Forças Armadas a indelegável missão de defendê-lo” e,
- entre as missões, a mais urgente seria “a ocupação militar dos bolsões de miséria das grandes cidades para evitar que se transformem em escudos para os traficantes e, principalmente, para interromper esse cruel processo de geração de miséria e delinquência, resgatando essas populações desassistidas para a cidadania”.
Perguntado
se “se considerava um cara que veio da miséria, da violência”, Marcola, rebateu:
“Considero não, eu vim da miséria, vim da favela. Vim da boca do lixo, pra ser
mais preciso”. “Claro. Senão eu teria tido condições de estudar e ter uma vida
completamente diferente da que eu tenho. “Qualquer favela de São Paulo, do Rio
de Janeiro, de qualquer lugar. Qualquer centro de miséria, que não tem comida,
não tem educação, não tem saúde, mas tem droga e tem arma”. “Se o senhor pegar qualquer preso, a minha
vai ser idêntica até o ponto em que eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda”.
(por que?) Porque me faz raciocinar, me faz analisar que existe uma injustiça
muito grande em nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez de estar numa casa
de detenção, na época, poderia estar numa universidade, se tivesse tido um
apoio do Estado. A gente começa a questionar esse poder do Estado — o senhor
entendeu? —, porque a gente é vítima dele. Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai criando
uma consciência um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então não
tinha”.
A
corrupção e a opressão fazem a interface do Estado com o sistema penitenciário.
“Todo mundo ganha dinheiro às nossas custas de alguma forma”, revela Marcola.
“São várias formas de nos usar. O preso é fácil de ser usado. Ele não pode
falar. Não é dado o direito de ele fazer nada, nem votar, nem falar, nem
nada..., fazem da gente o uso que quiserem”. “Não existe política nenhuma de reabilitação no nosso sistema
penitenciário”. “A gente vai ser
sempre bandido. Em todos os sentidos. Marginais, bandidos. Não tem jeito. Aqui
dentro e lá fora. Como a gente vai parar de ser bandido? Se eu soubesse a
fórmula de deixar de ser bandido”.
Perguntado sobre a existência de uma organização
dentro dos presídios e se essa organização ultrapassa a fronteira de
um presídio para o outro, se é uma organização dentro do sistema, Marcola foi
claro: “Existe uma regra de convívio em
todos os presídios do Brasil, (com a existência de) uma disciplina interna
criada pelos próprios presos. É óbvio”. Marcola esclareceu que esta regra de
convívio, esta disciplina, vale tanto dentro como fora dos muros dos presídios,
e se faz valer pela força, quem não cumprir sofre as consequências. Marcola
justificou que violência é natural do preso, pois “nós todos somos praticamente filhos da miséria, todos somos descendentes
da violência, desde crianças somos habituados a conviver nela, na miséria, na
violência. Isso aí, em qualquer favela o senhor vai ver um cadáver ali todo
dia”. “Agora, essas organizações vêm no sentido de refrear essa natureza
violenta, porque o que ela faz? Ela (a disciplina) proíbe ele de tomar certas
atitudes que pra ele seria natural, só que ele estaria invadindo o espaço de
outro”, “E elas (as consequências) vêm no sentido de coibir isso mesmo”.
Explicou que foram estabelecidas regras de convivência que visam reestabelecer
a dignidade na vida do presidiário. E que isso só foi possível sem a presença
do Estado o que tirou a sua autoridade na gestão da comunidade carcerária.
(Constatado
que esta organização tem muito da estrutura leninista que tem finança
centralizada) Marcola disse que eles estudaram muito sobre Lênin, sobre a
formação do Partido Comunista, mas que “gente lê sobre tudo”. E (por que ele
faz isso?) “porque (o preso) foi
acordado, foi conscientizado, numa determinada época, de que os direitos dele,
enquanto ele não soubesse que ele tinha determinados direitos, eles jamais
seriam concedidos, o senhor entendeu? Então foi uma forma... foi um despertar.
Realmente a estrutura é leninista, com finanças centralizada e arsenal
centralizado”. Explicou que esta estrutura não se restringe ao ambiente
carcerário, mas se espraia além dos muros dos presídios.
“Os
presos apoiam os presos, os marginais na rua apoiam os marginais na rua, e
assim vai, sucessivamente. Por quê? Porque
todos acreditam que é uma luta justa dos miseráveis contra os poderes
estabelecidos, que não nos permitem ter nenhum tipo de melhora de vida. A gente
vai ser sempre bandido. Em todos os sentidos. Marginais, bandidos. Não tem
jeito. Aqui dentro e lá fora. Então... Quer dizer, foi criada essa noção, essa
consciência. A partir desse momento, existe esse apoio”.
Este determinismo associado
àquela esperança inoculada no contato com os presos políticos, esperança de que
somente com a destruição do sistema vigente é que poderão mudar de vida, é que
deu consistência ao que ele chama de idealismo. “O idealismo”, explica Marcola,
“é esse da solidariedade, do preso saber que existe muita injustiça dentro do
sistema penitenciário e que o cara que tá lá, ele precisa de um apoio, ou jurídico
ou pra família poder visitá-lo ou pra ele próprio poder sobreviver lá dentro”.
"Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população
carente”.
Aí,
quando se agrega a avaliação de o “Professor”, o fundador do Comando Vermelho - "Conseguimos
aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos
morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente,
elas serão três milhões de adolescentes, que matarão vocês (a polícia) nas
esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de
desempregados em armas?" -, chega-se à conclusão de que a omissão do
Estado foi a responsável pelo atual caos da segurança pública que está
massacrando a sociedade.
“Você não tem noção de quanta criança entra pro
tráfico e morre por causa da maconha e do pó. Do apartamentinho de vocês aqui
na zona sul, não dá para ver esse tipo de coisa, não”. (Capitão André Mathias,
BOPE, personagem do filme Tropa de Elite). O mesmo se poderia dizer: da zona
de conforto do planalto, não dá para ver esse tipo de coisa que aterroriza a
planície.
Conclusão: a “ampla
massa” que domina as favelas e os presídios forma uma força irregular
poderosa, composta de milhares de combatentes com o perfil, classificado por Marighella,
como o do guerrilheiro urbano ideal, inclusive com uma doutrinação ideológica.
Constata-se
que aquela distinção que Marighella fazia entre o guerrilheiro urbano e o
delinquente, pela falta de ideologia deste, deixou de existir, depois da
contaminação feita nos presídios.
Registre-se
que ideologia é uma palavrinha que se usa para
convencer a plebe rude que ela está se sacrificando por um ideal quando, na
verdade, está se sacrificando para uma minoria dominante, que fala palavras
difíceis, atingir seus escusos objetivos. No caso, a ideologia da luta de
classe, de o roubo como único recurso visto como um ato de justiça, foi
empregado tanto pelos guerrilheiros como pelos delinquentes. Para locupletar as
elites dominantes e submeter as “amplas massas” das favelas e do
Bolsa Família para garantir o poder.
E essa força irregular
poderosa já deu demonstrações de seu poder quando se sente que ordens emanadas
do comando, nos presídios, incendeiam qualquer cidade. O general
Escoto, que atuou no Complexo da Maré, segundo entrevista já mencionada, “vê no crime organizado um adversário feroz
ao Estado de Direito e à democracia”.
Crime Organizado,
adversário feroz do Estado Democrático de Direito
Há um contexto importante na crise
de segurança do Rio. O acordo de
deposição de armas das FARC, na Colômbia, criou um vácuo de poder na produção de cocaína das Américas.
As
consequências da longa insurreição das FARC na Colômbia deixaram um vácuo de
poder criminal. As FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia)
basearam-se na produção de coca e nos lucros resultantes para financiar sua
insurgência e impor controle territorial.
A
narcotráfico resultante criou vínculos entre os insurgentes das FARC e várias
empresas criminosas. O processo de paz após o término das hostilidades entre o
Estado colombiano e as FARC deixou um vazio na economia criminal. Uma série de
gangues, incluindo gangues brasileiras e BACRIM colombiano (bandas criminales
emergentes), estão preenchendo esse vácuo e recrutando ex-guerrilheiros das
FARC. O CV carioca e o PCC paulista disputam este espaço para que se tornem
grupos de tráfico internacionais.
O general
Escoto lembrava, também, em seu já nomeado artigo, que “não se pode ignorar o fato de que grupos de
violência extremista associados a organizações criminosas, tais como as FARC, o
Sendero Luminoso, o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e o Hezbollah atuam em
países fronteiriços e constituem uma ameaça à paz e à segurança nacional por
meio da violação de nossas fronteiras para o contrabando e o tráfico de armas,
drogas e pessoas ou, na pior das hipóteses, por meio da execução de ações
terroristas no interior do território brasileiro. A conjuntura atual ressalta a importância do preparo das Brigadas de
Infantaria para Op C F Irreg”.
Em entrevista ao jornal Zero Hora, o
embaixador da França acaba de alertar que os grupos terroristas Boko Haram e
Al-Qaeda são ameaças para o Brasil, diante de um possível elo entre terrorista
e traficantes brasileiros em uma nova rota do tráfico de drogas produzidas na
América Latina para o abastecimento da Europa, via Líbia. E que, tanto esses
grupos como o PCC e o Comando Vermelho são grandes fatores de desestabilização
no Brasil.
E diante de todas estas
evidências o comandante do Exército reluta em reconhecer que esta guerra
consome as energias da nação e ameaça o seu futuro: “Tem sido rotineiro o
emprego na mídia de termo guerra, para definir a situação vivida no RJ. Na
verdade, vivemos um tempo de paz,
com um quadro de comprometimento da ordem pública”.
Quadro, aliás, que não mudou
com a intervenção no RJ, pois, entrevistado
(27/02/2018), depois
de confirmar que as regras de engajamento serão as mesmas das Operações de GLO,
o interventor, general Braga Netto, adiantou que as Forças Armadas continuarão fazendo cercos em favelas e atuando
em inteligência, mas podem auxiliar a Polícia Civil a fazer prisões de
procurados. Ele também descartou a
realização de ocupações prolongadas em favelas. “Nossa missão é recuperar a
capacidade operativa dos órgãos de segurança pública e baixar os índices de
criminalidade aqui no Estado do Rio, não só na cidade”.
A dele,
interventor, pode ser esta, mas não a das Forças Armadas, cuja missão
constitucional é enfrentar qualquer
ameaça à soberania nacional, no caso, o
reestabelecimento do domínio do território que o Estado brasileiro não mais
detém em umas 850 áreas do RJ cujas populações vivem submetidas ao temor e ao
terror de traficantes ou de milícias o que deixa o Estado como se fosse um
queijo suíço.
O
Exército não pode se deixar levar pelo jogo daqueles que visam obstaculizar a
sua missão. Essa história de que vai provocar uma “guerra entre irmãos”, de
efeitos colaterais com perdas entre civis, são óbices colocados por quem não
deseja que seja solucionado este grave problema ou por quem usa qualquer
subterfúgio como desculpa não cumprir a missão.
No já citado artigo do general Escoto ele é
enfático: a participação das Forças Armadas na pacificação das favelas
deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança
e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas
brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e
procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças
irregulares. “Os grupos criminosos que atuam no Rio de Janeiro”, segundo
ele, “não são atores insurgentes propriamente ditos”. “Buscam controlar
territórios inteiros e transformá-los em santuários; dominam a população, suas
idas e vindas; assediam as forças de segurança oficiais com emboscadas,
procuram infiltrar-se nos órgãos do Estado, sejam polícia ou prefeituras, para
conseguir inteligência e influenciar as ações do poder legítimo etc.”.
Como se diz aqui pelos Pampas: até quando ficarão rodeando
a moita pra tocar fogo?
Até quando as Forças Armadas se manterão
imobilizadas pela guerra psicológica a que se submetem, desde os anos de
chumbo? A ponto de o primeiro general a
assumir o ministério da Defesa, já na primeira entrevista, apressadamente
adiantar, com relação à intervenção no RJ, que “não se
busca protagonismo”, como se tivesse o Exército se desculpando por causar
transtorno ao cumprir missão constitucional. “Não se pode deixar de contribuir,
com sua experiência, em área de gestão e administração, só porque se é militar.
Aí parece que o militar não integra a sociedade. Seria falta de bom senso. E
isso é circunstancial, não vimos isso como protagonismo”. “O que
existe hoje é a necessidade de participação de todos os brasileiros na busca de
solução dos problemas de segurança pública”. Até quando?
O que se gostaria de ouvir do,
repita-se, primeiro general a assumir o ministério da Defesa, era um seco e
decisivo, sobre a crise do RJ: “não se trata mais de um problema de segurança e ordem pública,
mas de segurança nacional e AS FORÇAS ARMADAS CUMPRIRÃO SUA MISSÃO
CONSTITUCIONAL”.
A guerra psicológica
Segundo o Manual
do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella, que pautou os anos de chumbo, a guerra psicológica consiste na estratégia
de criar uma sensação de desconforto com relação ao inimigo.
Esta
guerra psicológica, como já se viu, foi a mais eficiente das frentes prevista
por Marighella, causando desconforto, ao longo de todo o regime militar e, de
forma mais intensa, a partir dos anos 80. E foi tão eficiente junto às Forças
Armadas que levou os militares a aceitar a democracia que nos impuseram,
forjada segundo as táticas gramscianas, como algo “imexível”, quando na
realidade, conforme Emilio Odebrecht, agora confessou, desde o início da chamada
Nova República a corrupção não só saqueou os cofres públicos como cooptou
agentes públicos e compôs a massa de manobra do Bolsa Família para a
consolidação do projeto de poder que o escândalo da Lava Jato interrompeu. Que
“instituições fortes e consolidadas”, como se ouve, volta e meia, os
comandantes militares a apregoarem, são essas, capazes de gerar o maior saque
aos cofres públicos já havido neste país e de mergulhar o país nesta lassidão
moral que inviabiliza qualquer projeto de um futuro melhor?
O comandante do
Exército, general Villas Bôas, em palestra realizada antes de ser indicado para
o posto (Geopolítica
e Defesa da Amazônia, São Paulo, 19/9/2013), ao comparar o contexto
atual com o de 1964, deixou bem claras as suas convicções: contextos históricos
completamente diferentes; “hoje, o Brasil é um país com
instituições estruturadas”; “acho que é um erro a gente querer tutelar a
sociedade”. Em suma, suas convicções são aquelas que, mais tarde, foram
sintetizadas pelo general Etchegoyen, quando Chefe do Estado Maior do Exército (O
arquipélago Brasil, 25/3/2016): “nós
encontramos um modelo: Forças Armadas, Sociedade e Governo em que os
espaços são mutuamente acordados e respeitados”, ou seja, como se o Brasil
fosse um arquipélago formado por três ilhas, com os militares isolados na sua.
A guerra psicológica, cuja função é fustigar,
imobilizar as forças de segurança atua em todos os fronts. Agora no front
carioca atacam com todas as forças, tentando mostrar que os militares, ao
invadir as favelas, provocarão uma luta fratricida entre jovens que se criaram
juntos e que, agora, aqueles que foram servir ao Exército na busca de uma
carreira longe do crime, serão forçados a combater companheiros que se
desviaram para o crime, para o tráfico.
Denúncia feita pela liderança do Complexo do
Chapadão à Anistia Internacional mostrando “o barril de pólvora que pode se
tornar um confronto que divide jovens que foram criados juntos e têm armas de
alto calibre nas mãos. ‘Estão tentando criar uma guerra nas favelas’. ‘A
maioria que vai para o Exército é favelada e há essa rivalidade com os que
foram para o tráfico. Eles vão enfrentar o próprio povo: vão se matar”. Os jovens das favelas, que ingressaram nas Forças
Armadas em busca de emprego estável e ascensão social, temem ser vistos por
traficantes no papel de inimigo. Isso poderia desencadear represália para si e
seus familiares, como o jovem soldado que se criou na Cidade de Deus, que tem
colegas “servindo” ao tráfico e lá tem sua família: “Acredito na intervenção e
na construção de um Rio e um país melhor se as operações forem sérias. Só não
adianta fazer operação e sair. Tem de ficar” (uol).
Pois,
hoje, se constata que esta estratégia foi tão bem-sucedida que inibiu a ação
das Forças Armadas, que se limitam a fazer o cerco, mas não querem entrar nas
favelas, diante do intenso patrulhamento das forças ligadas aos Direitos
Humanos, do revanchismo e da ação dos procuradores do MP.
A
eficácia da guerra psicológica chegou ao ponto de fazer com que as Forças
Armadas prefiram ir para o Haiti ou qualquer lugar da África a enfrentar o Rio
de Janeiro.
E
as patrulhas encarregadas de tolher a ação das Forças Armadas, ONGs e ativistas
que atuam em favelas, segundo UOL, já
estão se mobilizando para fiscalizar a ação de forças de segurança durante a
intervenção federal e para evitar eventuais ações violentas contra moradores.
“Estamos criando uma rede de monitoramento dessa intervenção”. “Tivemos a experiência
de tanques apontados para as favelas, para os morros, cercos com arame farpado,
soldados armados, um estado de guerra, revistas armadas da população, inclusive
crianças. Estamos colocando a população numa situação de risco num quadro que
não vai trazer solução”. “Como o
Exército não pode ficar indefinidamente, não tem cabimento esse tipo de
estratégia. Essa política não tem
futuro. Nosso desafio é fazer com que ela tenha o menor dano possível à
população”.
Constata-se
a eficiência de esta guerra psicológica quando se vê que se consolidou a
estratégia, como diz o ministro da Defesa, de somente "dar
férias a bandidos".
Como
disse o Comandante do Exército: “quando saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes". E a população, sabendo disso, não vai
colaborar com os militares para depois sofrer a retaliação dos criminosos.
Conclusão: a intervenção, além de “cooperativa”, vai ser amarrada e, além
disso, conduzida ao sabor do interesse eleitoreiro de políticos ordinários que
buscam a imunidade dos cargos eletivos.
Rodrigo
Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o político mais privilegiado, com este
envolvimento das Forças Armadas, apressou-se no lançamento do
Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de
Janeiro, que até sigla na tem, OLERJ. Para a primeira reunião foram convidados
prefeitos e secretários de educação de todos os municípios do Estado do RJ.
Recorde-se que o início dessas operações que envolveram o Exército, em
julho/2017, foram precipitados para fazer um agrado ao presidente da Câmara dos
Deputados, à véspera do julgamento da denúncia contra Temer.
Procuradoria
Geral da República já partiu para a crítica
porque “A intervenção não pode ser realizada à margem dos direitos
fundamentais”. Os mandados de busca e apreensão coletivos em zonas pobres da
cidade são ilegais porque “faz supor que há uma categoria de sujeitos
“naturalmente” perigosos e/ou suspeitos, em razão de sua condição econômica e
do lugar onde moram”. “As autoridades, todas de alto escalão, que assim se
manifestam em relação à execução da intervenção colocam sob suspeita os
propósitos democráticos do ato e demandam os órgãos públicos comprometidos com
os direitos fundamentais e a defesa da Constituição uma postura de vigilância e
controle sobre o desenvolvimento de sua implementação”. Na verdade, esta preocupação
com os direitos fundamentais acaba privilegiando àqueles que submetem, as
populações das favelas, ao temor e ao terror.
E,
ao criticarem o ministro da Justiça que, em entrevista, comparou a intervenção
ao que chamou de “guerra assimétrica”, os procuradores deitaram cátedra:
“Guerra se declara ao inimigo externo. No âmbito interno, o Estado não tem
amigos ou inimigos. Combate o crime dentro dos marcos constitucionais e legais
que lhe são impostos”. A arrogância destes procuradores os faz desconhecer que
a guerra, há muito, passou a acontecer, também, no ambiente interno onde é
impossível combater quem não respeita as leis sem a adoção do remédio
constitucional do Estado de Sítio.
Até
a ministra do STM, Maria Elizabeth Guimaraes Teixeira Rocha, partiu para
a demagogia ao comparar bandidos, que mantem populações subjugadas pelo terror,
com os escravos do tempo do Império: “Sempre achei que o papel das Forças
Armadas não é o de capitão do mato de fazer segurança pública. As Forças
Armadas têm a missão completamente diferente, estão lidando com a soberania do
Estado. Defendem fronteiras, trabalham em missões humanitárias, na defesa da
nossa soberania”.
E
as reações brotam de todas áreas, visando travar, ou mesmo, abortar a
intervenção decretada:
- “A Redes da Maré se recusa a dialogar com o interventor, não legitimamos este poder. Entraremos com uma representação junto ao MPF pedindo a revogação da intervenção”.
- A Faferj (Federação das Associações das Favelas do Estado do RJ), por sua vez, aposta na criação de uma Comissão Popular da Verdade, “para averiguar crimes recentes de militares”. “Essa Comissão Popular da Verdade é para a gente poder acompanhar violações de direitos humanos feitas exclusivamente pelos militares”.
- “Um observatório da intervenção será lançado para vermos como a sociedade civil se organiza diante da intervenção. É uma iniciativa do Centro de Estudos de segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes”.
Verifica-se, pois, que a
guerra psicológica imobilizou de tal forma as Forças Armadas que a impedem de
cumprir a sua missão constitucional de, no caso, reestabelecer o domínio do
território e resgatar, para a cidadania, as populações que ali estão submetidas
ao Crime Organizado.
Efeito desta guerra
psicológica pode ser visto nesta entrevista do
Comandante do Exército (Palácio do Planalto, 27/02/2018), em que convidou
integrantes da Justiça, do Ministério Público e da Imprensa para acompanharem
as incursões da tropa no combate ao crime para verificarem, in loco, como o
Exército age neste tipo de missão: “Eventuais preocupações que surjam em
relação ao tratamento da população e respeito aos direitos humanos, damos boas
vindas a todos os órgãos que quiserem acompanhar, imprensa também se quiser
estar presente, para verificar nosso modus operandi consolidado em 13 anos de
Haiti, assim como com a ocupação da favela do Alemão, da favela da Maré, com
zero índice de efeitos colaterais e desrespeito aos direitos humanos e à
população”. Zero índices de efeitos colaterais e zero resultado prático,
conforme reconhece o general Villas Bôas, a um custo da ordem de um bilhão de
reais. Único resultado do “modus operandi” adotado, conforme
constatou o ministro Jungmann, era “dar férias
para os bandidos”.
Para que se tenha ideia do
grau de imobilização que esta guerra psicológica impôs às Forças Armadas, basta
ver um episódio ocorrido na favela Kelson’s, no Complexo da Maré, vizinha
Centro Instrução Alm. Alexandrino -CIAA/Marinha (Uol, 22/2/2018):
“No fim de janeiro, dois tiros de fuzil disparados da Kelson’s -comandada pelo
Comando Vermelho- atingiram o ambulatório naval do CIAA. No mesmo mês, um criminoso armado subiu no muro do
quartel e pediu que os recrutas interrompessem uma atividade física por causa
do barulho, de acordo com o relato de militares”.
PNR - point of no return
Sucede, no entanto, que, com a decretação da intervenção
no RJ o panorama mudou radicalmente, pois agora é “dar ou desce”, pois o
Exército ultrapassou o PNR, o “point of no return”, e somente não sofrerá um
terrível desgaste se os comandantes militares tiverem a coragem de impor a
solução militar, através da decretação do Estado de Sítio, conforme sugestão
feita (A nau dos insensatos), “por todo
o tempo que perdurar a guerra” (CF, art.137, II/art.138, §1º) porque se reúnem
todos os componentes para caracterizar a situação como uma guerra
híbrida. Existem 853 áreas em que o Estado não mais detém o domínio
do território o que ameaça à integridade nacional (CF, art.34, I) e seus
moradores vivem submetidos ao terror por traficantes ou milícias com grave
agressão aos “direitos da pessoa humana” (CF, art.34, VII, b). Pesquisa recente
do Datafolha aponta que 72% dos seus moradores, se pudessem, abandonariam o RJ
para fugir da violência o que se caracteriza como um “grave comprometimento da
ordem pública” (CF, art.34, III) sendo o RJ um estado falido que está a exigir
a reorganização de suas finanças (CF, art.34, V). Caso
contrário deveremos nos preparar para ver o Cidade Maravilhosa se transformar
na nova Medellin e os militares mergulhados em um perigoso descrédito.
O conflito no Rio de
Janeiro não é apenas carioca. É parte de uma guerra que está em curso
em todo o território brasileiro e que tem por objetivo controlar a produção e a
distribuição de drogas no continente.
Que se
façam os ajustes constitucionais necessários. E não se fale em Estado de
Defesa porque o parágrafo 3º do art. 136 da CF exige que cada prisão seja comunicada
imediatamente a um juiz “que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso
requerer exame de corpo de delito à autoridade policial”, devidamente “acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado
físico e mental do detido no momento de sua autuação”, não podendo a prisão ser
por prazo maior do que dez dias, “vedada
a incomunicabilidade do preso”.
CIRURGIÃO
O Exército, no caso, é o cirurgião, o derradeiro
recurso da Nação. Quando um paciente chega ao cirurgião é porque já passou por
todas as etapas de cura sem sucesso e, todos sabem, que no bloco cirúrgico quem
decide é o cirurgião, sem a
interferência de ninguém, a quem cabe a missão de extirpar o mal e salvar o
paciente.
Que tenham, os comandantes militares, a coragem para rejeitar
influências políticas de fundo eleitoreiro e ideológico para impor ao Governo que,
conforme já atestado por comandantes que participaram das operações, a crise do
RJ “é um conflito moderno, uma guerra
irregular, sem fronteiras, com inimigo difuso”. A
participação das Forças Armadas na pacificação das favelas
deixou de ser coadjuvante para ser protagonista, porque não se trata mais de um problema de segurança
e ordem pública, mas de segurança nacional. O problema deixou de ser caso de polícia porque as facções criminosas
brasileiras atuam como forças irregulares, com as mesmas táticas, técnicas e
procedimentos de guerrilheiros e terroristas e somente o Exército tem a capacidade de conduzir operações contra forças
irregulares.
Desinformação
Viralizou
nas redes sociais um vídeo do Prof. João
Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia, em que ele
relata seu encontro com uma jovem estudante universitária (18 anos) portando o
adesivo “Intervenção não é a solução”, a quem perguntou qual seria a solução,
tendo a jovem respondido que a solução seria a Educação. Então ele a
questionou: “mas você acha que o criminoso, o bandido com um fuzil na mão,
granada e pistola na cintura, vai querer estudar com você na universidade, você
não confia na intervenção?” tendo ela respondido “eu não confio é no Exército”.
O
professor deduz que, então, “ela confia no crime organizado, no traficante, no bandido”
e arremata “foi isso que a extrema Esquerda divulgou durante décadas, dentro
das universidades e são essas pessoas que são formadas nas universidades
públicas, regra geral, e que vão trabalhar, depois, nas instituições, em defesa
dos bandidos, contra as FFAA do seu próprio país. Esse foi o estrago que
fizeram na consciência da juventude brasileira, durante décadas, e o resultado
é esse que está aí”.
Incrível
a desinformação que este professor conseguiu divulgar. A jovem estudante que deu
com a solução a Educação, está corretíssima. De ela não confiar no Exército
cabe perguntar: e o que o Exército fez para ela nele confiar, se o próprio comandante
do Exército reconhece que depois de uns mil dias de intervenção no Alemão e na Maré,
a um custo de cerca de R$ 1 bilhão, bastou o Exército sair que os traficantes
retornaram? Ou seja, o que rendeu para a população dessas áreas o desperdício de
recursos feito?
Caso
encontrasse este professor, perguntaria: Já imaginou o que teria acontecido se
25 anos atrás tivessem declarado estes bolsões, tipo Alemão e Maré, área
militar, como comando militar, sob a égide do Código Penal Militar, com os
militares encarregados de resgatar estas populações para a cidadania.
Reurbanização, construção de um forte apache com quartel da tropa de ocupação,
colégio militar com escola de tempo integral e cursos profissionalizantes, centro
de desenvolvimento esportivo, centro de integração comunitária. Redirecionamento
das atividades econômicas para a economia de mercado com a total independência
em relação ao Crime Organizado. Já imaginou o que seriam estes bandidos que, hoje,
portam fuzis, pistolas e granadas? Quantos diplomas, quantas medalhas olímpicas?
De quem é a culpa de isso não ter acontecido, deles ou daqueles que, mesmo
diante dos alertas de que deveriam, enquanto era tempo, combater a miséria para
não ter que, mais tarde, combater o pobre como agora vai ser necessário para
reconquistar as áreas que o Estado perdeu o domínio, desconhecendo as sugestões
insistentemente oferecidas?
A
quem debitar o estrago que fizeram em milhares de jovens aos quais o Estado não
oportunizou educação, deixando-os sob o jugo do crime organizado e condenados a
não ter um futuro honesto, à Esquerda ou àqueles que não fizeram, mesmo
alertados, o que deveriam? Qual o futuro de estas crianças, em um ambiente
escolar como o desta foto, diferente de serem recrutados para o tráfico? Qual a
razão para essa jovem confiar no Exército?
Vale
a pena meditar sobre o desabafo de Marcola na CPI do Tráfico de Armas (2006) quando
lhe perguntaram “Tu veio da favela, te consideras um cara que veio da miséria,
da violência?”: “Considero não, eu vim da miséria, vim da favela. Vim da boca
do lixo, pra ser mais preciso”. “Claro. Senão
eu teria tido condições de estudar e ter uma vida completamente diferente da
que eu tenho”. Perguntado sobre a
sua vida, Marcola: “É isso. A vida... Se o senhor pegar qualquer preso, a minha vai ser idêntica até o ponto em que
eu tive acesso a livros. Aí minha vida muda. (por que?) Porque me faz
raciocinar, me faz analisar que existe
uma injustiça muito grande em nosso País. Que um jovem igual a mim, em vez
de estar numa casa de detenção, na época, poderia estar numa universidade, se
tivesse tido um apoio do Estado. A gente
começa a questionar esse poder do Estado — o senhor entendeu? —, porque a gente
é vítima dele. Então, fica difícil. Aí, a partir de então, a gente vai
criando uma consciência um tanto revoltada, mas uma consciência, que até então
não tinha.
Por
isso, a razão está com a jovem estudante, “a solução é a Educação”, só que,
agora, vinte e cinco anos depois, a saúde do paciente chamado Brasil, se
deteriorou tanto que somente o cirurgião poderá salvá-lo.