O grave é que este
alerta vem de onde a sociedade sempre esperou encontrar o derradeiro timão.
"Aí, então, quando às polícias
faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável imaginar que
ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o concurso das
Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar essa horda de
bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a Lei e a
Ordem". (in, "Estrutura do poder nacional para o ano 2001", ESG
- Escola Superior de Guerra, 1989)
O
Comandante do Exército, general Villas Bôas, deu uma entrevista ao jornal VALOR
ECONÔMICO (17/02/2017), cuja matéria começa com um dramático espelho da
realidade: “Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Rio de
Janeiro. Desde as primeiras horas de 2017, o país passa por uma das mais graves
crises na segurança pública nos últimos anos. Do desgoverno no sistema
prisional, onde detentos em Manaus, Boa Vista e Natal foram trucidados em
brigas de facções, no caos de Vitória, que resultou da paralisação da Polícia
Militar, passando pela crescente instabilidade no Rio, a situação está tão
crítica que homens das Forças Armadas têm sido necessários para manter o
controle”. E, no título, a constatação do general: “Somos um país que está à deriva”,
com 60 mil assassinatos no último ano. Só para ter a real dimensão desta
tragédia: os Estado Unidos, durante os 16 anos de guerra no Vietnam perderam 58
mil vidas!
O
Comandante do Exército aborda dez assuntos que estão na pauta de todos os
brasileiros: segurança pública, emprego das Forças Armadas, crise política,
Lava-jato, intervenção militar, narcotráfico, descriminalização de drogas,
segurança nas fronteiras, eleição de 2018 e reforma da previdência.
Este
texto aborda o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, maior
das demandas de todos os brasileiros, tratados pelo general Villas Bôas, nos
dois primeiros assuntos da mencionada entrevista.
O
que causa perplexidade, nesta entrevista do Comandante do Exército, é que ela
não aponta uma solução para a grave crise que nos assola, mas expõe
fragilidades de quem a Nação sempre esperou uma solução quando todas as outras
falhassem, o derradeiro timão para comandar a nau quando os outros falhassem. Adaptando o que escreveu o ex-ministro Nelson
Jobim sobre este conturbado período que vai até a próxima eleição presidencial (“A
travessia”, Zero Hora, 27/02/2017): alardear que o país está à deriva no
momento em que se passa uma das mais graves crises da sua história moderna, sem
apontar soluções “é ficar só no discurso”. “É não ter compromisso com
soluções”. “É aguçar e provocar (mais)
problemas”.
“Somos
um país que está à deriva, que não sabe o que pretende ser, o que quer e o que
deve ser”!
Um navio fica à deriva quando, sem
força propulsora e sem timão, queda-se ao
sabor das ondas, dos ventos e das correntes marítimas, sem comandamento sobre o
seu destino. Um país só fica à deriva quando o Estado perde (ou aliena) a sua
soberania, quando perde o direito de exercer os
seus poderes, quando se transforma em um Estado débil, o que já deveria ter
provocado uma pronta resposta das Forças Armadas, pois cabe a elas “a
garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial”,
primeiro dos Objetivos Nacionais de Defesa estabelecidos pela Política Nacional
de Defesa.
Todo poder emana do povo e no seu nome será exercido, através
do Estado
Democrático de Direito, comanda o art.1º da nossa Carta Magna, cuja viga mestra
de seus fundamentos é a soberania, porque nela é que se sustentarão os demais
fundamentos: cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do
trabalho, livre iniciativa e pluralismo político.
Jamais existirá Estado Democrático de Direito se não houver supremacia total e absoluta de sua soberania sobre
os demais grupos sociais internos e externos. O
poder de soberania é ilimitado e absoluto, a ponto de, mesmo pertencendo
ao próprio povo, este deve se submeter à soberania que, em seu nome, é exercida
pelo Estado.
Pergunta-se: o que foi que fizeram os comandantes militares,
nos assuntos de sua alçada, para evitar que chegássemos a esta situação de um
país à deriva? De um país que tem um leque de déficits de soberania que ameaça
este que é o primeiro dos Objetivos Nacionais de Defesa: a perda do domínio de
território, fruto da omissão
na demarcação das reservas indígenas que abriu um processo de desintegração do
território nacional cuja reversão vai exigir muita coragem e patriotismo e da relutância em reconhecer que os
enclaves do narcotráfico que se consolidam pelas grandes cidades e que já transformaram
o Rio de Janeiro em um queijo suíço, deixaram de ser problema de polícia para
se tornar um sério assunto militar, desde os anos 90.
E não faltaram alertas!
Reportemo-nos trinta anos atrás para verificar
quantos alertas foram feitos, mas que mantiveram nossos chefes militares firmes
naquele espírito já centenário e reportado por Amilcar Botelho de
Magalhães, no seu excelente livro “Impressões da Missão Rondon” (Globo, 1929),
em que registra a reação enfrentada por Rondon: “Não fosse a tenacidade, a
linha do Noroeste não teria sido acabada, não só pela campanha movida contra a
sua Comissão, no Rio de Janeiro, por elementos essencialmente militaristas, em
1911. Tais elementos entendem que o Exército deve destinar-se exclusivamente a
fazer a guerra, sem permitir a sua colaboração para o progresso do país. O
fato, porém, é que esse espírito militarista em essência, empolgando certas
autoridades elevadas do Exército, tem criado momentos angustiosos ao general
Rondon. Registrei uma frase de um opositor de elevada categoria: ‘Reconheço que é útil ao país, porém eu nada
tenho a ver com o país, mas só com o Exército’”.
Pensamento,
aliás, reafirmado pelo general Etchegoyen, então chefe do Estado Maior do
Exército, em palestra
(SIBRA, Porto Alegre, junho/2015, O arquipélago Brasil) e que venho combatendo, há
mais de trinta anos: “nós encontramos um modelo: FFAA, Sociedade e Governo em
que os espaços são mutuamente acordados e respeitados” e repisa: “Esse modelo
passa por uma consciência do Governo sobre o papel das FFAA e da autonomia que
ele, Governo, deve dar às FFAA, nas suas coisas”.
Em 1989, a ESG - Escola Superior de Guerra
produziu um estudo, "Estrutura do poder nacional para o ano 2001", em
que alertava para o preocupante cenário que se formava, diante da relutância em
reconhecer a miséria como o maior dos nossos inimigos: "Aí, então, quando
às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que é razoável
imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão pedir o
concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de enfrentar
essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser mantida a
Lei e a Ordem". Alerta logo repercutido por Hélio Jaguaribe: "Vamos chegar ao ponto em que a
população pedirá, aos gritos, a intervenção do Exército".
Em 21 de abril de 1991, o Jornal do
Brasil publicou uma entrevista minha que gerou reação no meio militar, o que me
rendeu dez dias de prisão e repercussão na mídia. Naquela ocasião, o Jornal do
Brasil (10/5/1991) publicou um artigo do general Octavio Pereira da Costa,
“Entre Sócrates e Péricles”, em que fazia um paralelo da entrevista com recentes
declarações do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Sócrates Monteiro que
pressionava pelo reequipamento da Força Aérea: “Com o Brasil é sempre
paradoxal, nossos Péricles e Sócrates nos chegam de sinais trocados, este
sentencia, aquele subverte. Sócrates sentencia: ‘A nação tem que exibir ao
mundo uma capacidade militar que respalde os seus atos, inclusive diplomáticos’.
Do outro polo, Péricles ‘subverte’: ‘Que soberania é essa enquanto milhões de
crianças morrem de fome todos os dias’? Devo confessar que, apesar de todas as
injustiças, equívocos, ingenuidades e distorções, o nosso Péricles, que estaria
melhor com o nome de Sócrates, merece a minha simpatia, porque o seu arrazoado
me parece mais próximo do ponto central da questão”.
Meses depois, ex-ministro do
Exército, em exposição na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados
(agosto de 1991), reconheceu que "somos uma Nação em guerra. Os inimigos
que nos rodeiam são a miséria, a deseducação, a desunião, a demagogia, o
paternalismo e tantas outras mazelas".
Dos quartéis, além da prisão,
inúmeros textos desaforados que rebati, através do exercício do direito de
resposta ao jornal “Ombro a Ombro” (julho/1991), com o artigo “Coragem de
mudar” do qual destaco dois parágrafos que bem traduzem o teor da minha
resposta: “O país está sendo atacado por inimigos mortais que ocasionam
milhares de baixas diárias. O país está assustado diante de tanta miséria e
tanta violência. A quem caberá senão a nós, liderar o esforço nacional, a
reação nacional? Pertencemos a uma das poucas instituições com o potencial
exigido para tal esforço. Lutar contra
este estado de coisas é defender a soberania nacional. Mudar o papel não indica fracasso ou fraqueza. Pelo contrário, mostra
coragem e capacidade de se ajustar às ameaças a que está submetida a Nação”.
E concluindo o artigo: “Temos justo dez anos para resgatar o Brasil do século
XIX antes que o Terceiro Milênio nos deixe para trás. Se não atacarmos a miséria e a fome, comprometeremos as nossas reservas
para os próximos cinquenta anos. Não se forma um grande exército com uma
população de miseráveis. Nada mais forte que um povo livre, saudável e
educado”.
Em dezembro de 1992 escrevi um
artigo para a Folha de S.Paulo, “Os militares e a guerra social” do qual extrai
algumas frases:
“Bastou que as imagens, do arrastão
que atingiu as praias do Rio de Janeiro e da rebelião na FEBEM de São Paulo,
explodissem na face da nação para que os militares fossem lembrados para
combater a violência” e “Convém, no entanto, que a sociedade discuta o papel
dos militares nesta guerra social, causada pela miséria, pela ignorância e,
principalmente, pela insensibilidade social. O emprego das Forças Armadas na
guerra à violência seria a continuação de um erro histórico: combater o pobre e
não a pobreza. Além do mais, seria submeter ao desgaste uma instituição que não
foi preparada para agir em tal cenário. Cabe à Polícia tal missão. Os
militares, no entanto, poderiam atacar as causas da violência: a miséria e a
ignorância. Aí sim, encontrariam a sua destinação e aplicariam todo o seu
potencial”.
Em abril de 1994, a Folha de
S.Paulo convidou-me para participar do painel Tendências/Debates, cuja pergunta
era “As
Forças armadas devem combater o crime?”, cabendo-me defender o “Sim”, ficando o
“Não” a cargo de Hélio Bicudo, deputado federal PT/SP, e o “Em Termos” com o jurista
e professor PUC/SP Celso Bastos. No fim, para aqueles que se interessem, deixo
a íntegra dos três textos.
Para
Hélio Bicudo as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria, para Celso
Bastos, além disso, “as Forças Armadas podem e devem ser utilizadas no combate
à criminalidade”. No meu texto, depois
de alertar que “é necessário, no entanto, que o emprego das Forças Armadas nessa
guerra social seja planejado para evitar o desgaste de uma instituição que não
está preparada para agir em tal cenário e, para que não volte a cometer o erro
histórico de combater o pobre e não a pobreza”, preconizei: “a ocupação militar
dos bolsões de miséria das grandes cidades para evitar que se transformem em
escudos para os traficantes e, principalmente, para interromper esse cruel
processo de geração de miséria e delinquência, resgatando essas populações
desassistidas para a cidadania”.
Em 2003, Oscar Dias Corrêa, ex-ministro
do STF e ex-ministro da Justiça do presidente Sarney, em entrevista, em
2009, relata ter procurado o então governador do Rio de Janeiro, Moreira
Franco, para propor um plano de combate à violência: “Estou aqui para lhe dizer
o seguinte: vamos fazer uma operação no morro com Exército, Marinha,
Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Civil e Polícia Militar. Se for preciso
cercam-se todos os morros do Rio de Janeiro com soldados dando a mão um ao
outro. Diz o governador, ‘mas vai morrer muita gente’, vai sim, vai morrer umas
500 pessoas, mas é melhor quinhentas agora do que cinquenta todo dia”. O
ministro nunca teve uma resposta do governador. Atente-se para o detalhe:
a proposta de ocupação militar partiu de
um jurista que passou pelo STF e pelo ministério da Justiça.
Em
2007, treze anos depois, volta a Folha de S.Paulo, ao assunto com a pergunta "É correto o uso das Forças
Armadas para o combate à violência no Rio de Janeiro?": o “Sim” coube ao
então governador do Rio, Sérgio Cabral, que no texto “O novo papel das Forças
Armadas”, depois de lembrar a flexibilização
do emprego das Forças Armadas, dado pela atualizada LC 97/99, concluía registrando
que “a população do meu Estado tem dificuldade de entender como pode ser
vítima de atos criminosos cada vez mais ousados, quando em seu território há
militares prontos a entrar em ação e ajudar no combate ao crime em uma situação
emergencial como esta. O Estado brasileiro tem que enfrentar com coragem e
determinação o problema da violência e do crime organizado. Não podemos correr
o risco de perder essa guerra contra o crime pelo medo do novo”.
Um
ano atrás, em palestra no CMA (Comando
Militar da Amazônia, 18/3/2016), na presença do Comandante do Exército, o
presidente do STF alertava: “A nação que nós estamos construindo, general
Villas Bôas, infelizmente está em perigo, estou extremamente preocupado com o
mundo que estamos vivendo hoje”.
Pergunto: o que foi feito para evitar que chegássemos a esta
situação de um país à deriva? Por que não nos preparamos para enfrentar o que
foi apontado como nosso verdadeiro inimigo, capaz de inviabilizar o nosso
futuro de forma irremediável? Por que não nos adaptamos?
O general Etchegoyen, na já
citada palestra de
junho/2015,
informou que está em desenvolvimento um processo de transformação para ajustar
o Exército às novas diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa, “que nos dê
capacidade de enfrentar o que virá, e que, como conversamos até agora, é
incerto, não sabido”, ou seja, o Chefe do Estado Maior do Exército, no inverno
de 2015, pergunta o que o Exército Brasileiro está fazendo neste cenário de
incertezas e ele mesmo responde que está se capacitando para enfrentar o que é
“incerto, não sabido”. E que cenário de
incertezas é este, perguntava eu, em O arquipélago Brasil, se a Estratégia Nacional de Defesa - END parte do princípio que
vivemos em paz com nossos vizinhos e que a nossa natural hegemonia dispensa
qualquer anseio imperialista? E se a Política Nacional de Defesa, que
estabelece os Objetivos Nacionais de Defesa tem, como o primeiro deles, a garantia da soberania, do patrimônio
nacional e da integridade territorial?
O que devemos nos preocupar é com
os graves déficits de soberania que estão ameaçando esses Objetivos Nacionais e
para enfrentá-los é que devemos nos ajustar, nos adaptar, nos preparar.
O que preocupa é sentir que nada
fizemos para afastar aquele risco que o almirante Armando Vidigal em “Uma nova
concepção estratégica para o Brasil” (in, Revista Marítima
Brasileira, jul./set. 1989) apontou: “As Forças Armadas correm o risco de
“desemprego estrutural”, isto é, de se tornarem imensas organizações sem
objetivos concretos, com militares eternamente à espera de algo que sabem não
acontecerá. Caso outras motivações, de maior credibilidade, não venham
substituir as antigas, os militares viverão uma crise existencial, com
possibilidades de transformarem-se em burocratas fardados encarregados de
operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”.
Inutilidade quando se constata
que não estamos preparados para enfrentar o nosso real inimigo, porque estamos
nos capacitando para enfrentar, no dizer do general Etchegoyen, “o incerto, não
sabido”, para “operar um mecanismo inútil, uma máquina de caçar fantasmas”, no
dizer do almirante Vidigal. O cerne da questão está na reação de os militares
aceitarem a substituição de antigas motivações por outras de maior
credibilidade, como prega o almirante.
Reação
que está estampada nesta entrevista do Comandante do Exército quando, mesmo
depois de reconhecer que a segurança pública no Brasil é uma calamidade, reluta
em aceitar “a substituição de antigas motivações por outras de
maior credibilidade”: “Há entendimentos incorretos de que as Forças
Armadas possam substituir a polícia. Temos características distintas. Fomos
empregados na favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 14 meses. No
Alemão, 18 meses. É um emprego das Forças
Armadas que não soluciona o problema”.
A
sensação que nos deixa as declarações, nesta e nas outras tantas entrevistas do
general Villas Bôas, é a preocupação de que o emprego em GLO, nestas intervenções, fique bem
definido como transitório e episódico porque,
como já tinha apontado o almirante Vidigal, quase trinta anos atrás: “O cerne da questão está na reação de os militares aceitarem a
substituição de antigas motivações por outras de maior credibilidade”,
repetindo porque continua sendo o cerne da questão. Para isso, é necessário
desfazer, nas palavras do nosso comandante, “a ideia de que, se eu
emprego as Forças Armadas, o problema está resolvido”. Porque, continua o
general, “Ficou nítido na Maré, onde permanecemos por 14 meses: operação custou R$ 1 milhão por dia, ou
seja, R$ 400 milhões. Quando saímos, uma
semana depois tudo tinha voltado a ser como antes. Entendemos que esses
empregos pontuais são inevitáveis, porque as estruturas nos Estados estão
deterioradas. Nossa preocupação é que
essa participação seja restrita e delimitadas no tempo e no espaço, com tarefas
estabelecidas e sempre com entendimento de que não substituímos a polícia”.
A
mensagem que o general Villas Bôas passou para a sociedade, em suma, é: não
insistam, é caso de polícia. Mais uma vez ficou comprovado, passamos quase 15
meses (no Complexo da Maré), a um custo diário de R$ 1 milhão e “quando saímos,
uma semana depois, tudo tinha voltado a ser como antes”. “É um emprego das
Forças Armadas que não soluciona o problema”.
A vontade
é de gritar para ver se chegam, ao planalto, as demandas da planície: GENERAL,
HÁ ANOS QUE ESTE PROBLEMA DEIXOU DE SER ASSUNTO DE POLÍCIA PARA SER UM ASSUNTO
MILITAR PORQUE SE TRATA DE UM CONFLITO ASSIMÉTRICO E O SENHOR SABE MUITO BEM
DISSO, MAS CONTEMPORIZA PARA NÃO CRIAR ATRITO COM AQUELES QUE QUEREM MANTER OS
MILITARES “AMARRADOS”, “EMPREGADOS”, FOCADOS NA MANUTENÇÃO DE UMA ESTABILIDADE,
TÍPICA DE UM CAÍDO, PARA PERMITIR QUE AS INSTITUIÇÕES, SÓLIDAS E AMADURECIDAS,
NO SEU ENTENDER, CUMPRAM SEUS PAPÉIS, MESMO SABENDO QUE, SE SÓLIDAS, AMADURECIDAS
E EFICIENTES FOSSEM AS NOSSAS INSTITUIÇÕES, O PAÍS NÃO ESTARIA À DERIVA, COMO
RECONHECE, MESMO SABENDO QUE ESTA POSTURA DÚBIA IMPÕE ÀS FORÇAS ARMADAS
PERIGOSO DESGASTE. Esta a razão do “BASTA!” lá do título.
Vejamos
como evoluiu o emprego em GLO, com a sociedade pressionando de um lado e os militares
se esquivando de outro, jogando o assunto nas costas da polícia.
Na Constituinte de 1988, pressão do general
do Leônidas
Pires Gonçalves, então ministro do Exército, fez que a "garantia da lei e
da ordem" fosse mantida como parte da missão constitucional das Forças
Armadas, subsidiária das atribuições previstas no artigo 142.
Os problemas de segurança pública enfrentados,
principalmente, pela população do Rio de Janeiro, aliados à credibilidade dos
militares, levaram à primeira intervenção das Forças Armadas, no período
pós-regime militar, em novembro de 1994, conforme registra o general Roberto
Escoto, Comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista (2012-2014) e do
primeiro Contingente da Força de Pacificação na Maré (Abr a Mai 2014): “Em 94 e
95, a Bda Inf Pqdt, reforçada por batalhões de infantaria do Exército e da
Força Aérea, foi empregada na Operação Rio, devido ao aumento da violência nos
morros e sua extensão para outros bairros da cidade, que criou um clima de
insegurança implantado pelos narcotraficantes e as diversas gangues
frequentadoras de bailes funk, consumidoras de drogas e promotoras de
arrastões”. (A Bda Inf Pqd na Pacificação
da Maré, 02/9/2015).
As
reclamações
de ilegalidade de parte dos moradores das favelas ocupadas e dominadas pelo
tráfico foram vocalizadas por setores revanchistas da OAB que não só criticaram
a operação como abriram uma verdadeira guerra judicial com o governo do Estado,
com repercussão na mídia nacional. Foi nesta ocasião que a Folha de S.Paulo
convidou-me a participar do painel
Tendências/Debates, junto com Hélio Bicudo e Celso Bastos, sobre a pergunta “As
Forças armadas devem combater o crime?”, conforme já referido.
Anos depois,
em março/2006, repetiu-se com a “Operação Abafa”, gerada pelo roubo de
armamento em um quartel localizado em São Cristóvão, zona norte do Rio. Nesta
ocasião, o primeiro choque com o Ministério Público Federal (MPF), tendo, a
Justiça, rejeitado denúncia contra o general que chefiou a ação em busca das
armas roubadas. Crescia desta forma, a reação à atuação das Forças Armadas.
Acirrou-se, novamente, o debate tendo a Folha de S.Paulo trazido, outra vez, ao
painel Tendências/Debates, o
assunto, agora, conforme já visto, com a pergunta "É correto o uso das Forças Armadas para
o combate à violência no Rio de Janeiro?" quando o governador do Rio,
pregando a intervenção das Forças Armadas, concluía, repita-se,
registrando que “a população do meu Estado tem dificuldade de entender como
pode ser vítima de atos criminosos cada vez mais ousados, quando em seu
território há militares prontos a entrar em ação e ajudar no combate ao crime
em uma situação emergencial como esta. O Estado brasileiro tem que enfrentar
com coragem e determinação o problema da violência e do crime organizado. Não podemos correr o risco de perder essa
guerra contra o crime pelo medo do novo”.
Conjugavam-se, no entanto, forças de várias
vertentes contra a intervenção militar: OAB, sindicatos, Direitos Humanos,
revanchistas de toda ordem. O MPF afirmando que a atuação do Exército era
inconstitucional, configurando uma intervenção federal ilegal. E todos, no
fundo, com o mesmo objetivo: evitar que os militares, mais uma vez, convocados
pela sociedade, resolvessem o que a atormentava, consolidando seu prestígio e
expondo a incapacidade de, o governo estadual, lidar com o grave problema da
segurança pública.
É
necessário entender a reação dos militares a este tipo de intervenção. O
general comandante do CML, general Fernando Azevedo e Silva deixou clara esta reação: “O Exército não entrou porque quis. Entrou para cooperar com a
pacificação daquela região, que é estratégica para o Rio. Só que ali nossas
ações foram limitadas, tornando a ação muito mais dificil do que em outras
ocasiões. A missão na Maré é muito mais complexa do que no Haiti”. Na imprensa
se lê que “Preocupados
com a situação do Complexo da Maré, oficiais defendem, nos bastidores, a
retirada das tropas da região o quanto antes”. “No Comando da Força, em
Brasilia, militares deixam claro que preferem manter a presença no Haiti a
ocupar favelas no Rio de Janeiro”. “Um dos motivos do descontentamento dos
militares é a limitação das ações na Maré”, constata a Folha de S.Paulo. “O
acordo entre o governo federal e o do Rio levou a uma GLO (Garantia da Lei e da
Ordem) “amarrada”, na opinião dos oficiais. Na Maré, os militares só podem
patrulhar, realizar prisões em flagrantes ou revistas em carros. A decisão de
limitar as ações da tropa tem comprometido a missão”.
Os
militares se desgastam neste jogo sujo entre políticos e traficantes porque
aqueles ditam as regras de uma operação “amarrada” com prazo de retirada e
estes se encolhem sem abrir mão do território e prontos para retomar as
operações quando os militares se retirarem. Porque contam com o apoio passivo
da população, por interesse ou por temor. Na Maré, a milícia e mais três
facções rivais do crime organizado não abandonaram a área para não abrir mão do
território, uma vez que sabiam que as Forças Armadas não permaneceriam lá,
eternamente. Em suma, neste jogo sujo perdem a sociedade e as Forças Armadas.
E a tudo
isso se associava a velha resistência de os militares reconhecerem que o que
estava acontecendo no Rio (e que hoje já se propagou por todas as grandes
cidades), há muito deixou de ser um assunto de polícia para ser um conflito
assimétrico para o qual todos os exércitos estão se adaptando, como reconheceu o comandante da Força de Pacificação do Complexo da Maré, general
Antônio Carlos de Souza, em exposição ao chefe
do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA) do Ministério da Defesa
(in, MD,17mar2015): “É um conflito moderno. Uma guerra irregular, sem
fronteiras, com inimigo difuso. E o mais difícil é atuar no meio do povo, com
as ruas cheias de gente”. Uma guerra, uma intervenção que cabe somente às
Forças Armadas entrar, não para cooperar, mas para resolver, resgatar o domínio
do território e reintegrar as comunidades envolvidas no Estado Democrático de
Direito.
O que não pode mais ser admitido é o que o portal G1 registrou: “Dia 6/10/2013, às 5h25, Corpo de Fuzileiros
Navais da Marinha do Brasil com 180 militares e 14 blindados e 1.141 agentes
das Forças de Segurança seguiram em direção ao Conjunto de Favelas do Lins,
composto por 18 favelas, entre as quais, os morros do Gambá e da
Cachoeira Grande que ficam exatamente atrás do Hospital Marcílio Dias, da
Marinha. Defensores públicos acompanharam a ação policial para verificar se
ocorreram casos de violação dos direitos dos moradores. Às 10h, as
bandeiras do Brasil e do estado do Rio foram hasteadas no Conjunto de Favelas
do Lins. Dois meses depois, duas UPP foram instaladas”. Em janeiro/2016,
o portal da Veja mostra o resultado, dois anos depois: “de lá pra
cá, o cenário se transformou. A esperança inicial deu lugar à desconfiança e ao
medo”, “policiais foram literalmente expulsos do território que o governo
classificou como pacificado. Há pelo menos três meses, os morros da Cachoeira
Grande e do Gambá não contam mais com bases avançadas e qualquer ação de
patrulhamento nesse território só acontece com autorização expressa. Elas são raríssimas e, nas últimas vezes
que aconteceram, no final do ano passado, ocasionaram intensos tiroteios”,
“criminosos desfilam armados com fuzis e pistolas a qualquer hora do dia pelo
meio da rua”. Um policial reconhece, para a reportagem de
Veja: "Eles (oficiais) não vão admitir isso publicamente, mas nós estamos
fora. Essas duas favelas estão abandonadas. Perdemos ali. Só quem entra é o COE
(Comando de Operações Especiais) e, mesmo assim, tem que ir de blindado".
E, bem lá no fundo, aquela já secular resistência porque
o Exército continua na mesma linha descrita pelo já mencionado Amilcar Botelho
de Magalhães (“Impressões da Missão Rondon”, Globo, 1929), ao registrar a
opinião de um chefe militar que se opunha à obra de Rondon: “Reconheço que é
útil ao país, porém eu nada tenho a ver com o país, mas só com o Exército” o
que não deixa de ser o modelo das três ilhas, Sociedade, Governo e Forças
Armadas, descrito em O
arquipélago Brasil.
O útil para o país seria enfrentar as
resistências, mostrar para a sociedade que os problemas enfrentados pelo Rio de
Janeiro, com o tráfico assumindo o controle das favelas já não era mais um
assunto de polícia, mas um déficit de soberania a ser enfrentado pelas Forças
Armadas e exigir que fossem feitos os ajustes legais para que a intervenção
militar resolvesse o problema definitivamente.
Preferiram, no entanto, o “nada tenho a ver
com o país, mas só com o Exército” e ficar aguardando a convocação para
“substituir a polícia”, mesmo sabendo, como reconheceu o general Villas Bôas,
que é “um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”, com um gasto
diário de R$ 1 milhão, como foi na Maré, e com um desgaste para os militares
porque, como mostrou o general, “Quando saímos, uma semana depois tudo tinha
voltado a ser como antes“.
O que dá esperança, no entanto, é o que vem
da base, como o testemunho deste jovem oficial que esteve no Haiti, em 2010 e
que, depois, comandou uma companhia de 100 homens no
Alemão, no primeiro semestre de 2012: “Eu senti mais dificuldade de atuar no
Rio de Janeiro do que no Haiti. Porém, a ação
aqui foi mais gratificante, pois eu vi o resultado ali, no rosto da nossa
população. Eu estava fazendo algo pelo meu país”.
Causa perplexidade o trecho da entrevista do
general Villas Bôas ao VALOR ECONÔMICO sobre o emprego das Forças Armadas: “Nosso
emprego está no artigo 142 da Constituição da Garantia da Lei e da Ordem. No
entanto, nosso pessoal não tem a proteção jurídica adequada. A Justiça e o
Ministério Público entendem que o emprego das Forças Armadas na garantia da lei
e da ordem não se trata de atividade de natureza militar e sim, policial. Não é
verdade. Quando o emprego da estrutura policial não for suficiente, se emprega
outra instância, as Forças Armadas. Mas, ao não exigir que se adote o Estado de
Defesa e o Estado de Sítio, a lei não nos proporciona a proteção jurídica necessária.
Não queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país. Mas
sofremos desgaste e risco enormes com isso. Se formos atacados e reagirmos,
isso sempre será um crime doloso e seremos julgados pelo tribunal do júri”.
Vejamos.
“Nosso emprego está no artigo 142 da
Constituição da Garantia da Lei e da Ordem. No entanto, nosso pessoal não tem a
proteção jurídica adequada”: a meu juízo, não procede, pois a ocupação de uma
favela passou a ser uma atividade tipicamente militar, nos termos do § 7º
do artigo 15 da Lei Complementar nº 97 /1999, ajustada pela LC 136/2010.
“A Justiça e o Ministério Público entendem
que o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não se trata de
atividade de natureza militar e sim, policial”: o que espanta é que, mesmo o
Comandante do Exército sabendo que isso não é verdade, pois às Forças
Armadas foi dado o necessário respaldo constitucional para agir nos contextos
relacionados à garantia da lei e da ordem, se submete a este tipo de
pressão que prejudica a sociedade e desgasta as Forças Armadas. Basta buscar no
Google que se encontra farta jurisprudência para mostrar a legalidade de tal
intervenção: “A alegada
ilegalidade do ato que determinou a ocupação do Exército no Complexo da Penha
perde sua força diante da
redação contida no § 1º do art. 142 da Constituição da República, conferindo à
legislação ordinária (LC nº 97 /1999, art. 15) competência para estabelecer as
normas gerais de organização, preparo e emprego
das Forças Armadas para a
garantia da ordem pública” (STM -
APELAÇÃO AP 2397120117010301 RJ 0000239-71.2011.7.01.0301 (STM), 05/06/2013).
“Mas,
ao não exigir que se adote o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, a lei não
nos proporciona a proteção jurídica necessária. Não queremos que o uso das
Forças Armadas interfira na vida do país. Mas sofremos desgaste e risco enormes
com isso. Se formos atacados e reagirmos, isso sempre será um crime doloso e
seremos julgados pelo tribunal do júri”. O que espanta é ver o conformismo que
passa esta declaração do Comandante do Exército ao mostrar que com a não adoção
dos remédios constitucionais do Estado de Defesa e o Estado de Sítio que a
situação exige “sofremos desgaste e risco enormes com isso”, mas que “não
queremos que o uso das Forças Armadas interfira na vida do país”. Ora, o que a
sociedade está clamando é exatamente isso aconteça.
Que
se pressione o governo para que sejam feitos os ajustes legais necessários para
dar plena condição de uma intervenção para resolver o problema definitivamente.
Reconheça-se: nunca se sentiu qualquer óbice, de parte do governo federal, que
dificultasse a intervenção militar. O decreto presidencial que autorizou a intervenção no
Complexo da Maré deixou claro que seria o planejamento militar que determinaria
a extensão da missão e a retirada das tropas.
Bastariam
alguns ajustes para que se encaminhasse a extirpação de um câncer que não
enfrentado, começou a espalhar metástases pelas principais cidades brasileiras.
O general Antônio
Hamilton Martins Mourão, então Comandante do CMS, em exposição sobre a
conjuntura nacional, feita para uma plateia com civis e militares (CPOR, Porto Alegre,
setembro/2015), ao discorrer sobre o papel do Exército, ao discorrer sobre a maior
preocupação da sociedade, a insegurança, a violência urbana, deixou claro: “O
emprego do Exército na segurança pública deve ser limitado no tempo e no
espaço. Somos treinados para outra
coisa. Mas a gente não escolhe missão” e “Nós sabemos como fazer. O que fazer tem que ser definido pelo conjunto
da sociedade” (in, O necessário
protagonismo militar). Por que, então, não se
prepararam para enfrentar o que foi apontado como nosso verdadeiro inimigo,
capaz de inviabilizar o nosso futuro de forma irremediável?
Paradoxalmente,
para esta demanda da sociedade, as Forças Armadas já estão se preparando, mas
para suprir com toda a eficiência no Haiti e em
outros cafundós da África. Em 2014, o Brasil integrava nove das
dezesseis operações de paz em andamento sob a égide das Nações Unidas. Isso
porque os nossos militares, como atesta o general Mourão, não escolhem missão,
basta que a sociedade defina o que devem fazer. Pois que se consulte a
sociedade, a maioria silenciosa, onde que deseja que atuem seus militares, no
Haiti ou no Brasil. Que continuem atolados na Cité Soleil e adjacências ou que
venham cumprir a mesma missão nos bolsões, tipo complexos da Maré ou do Alemão,
que começam a sufocar as cidades brasileiras, transformando em um inferno a
vida do cidadão brasileiro.
O Haiti é herança dos anos
de desgoverno do PT, faz parte do seu projeto de poder que precisava se
projetar como liderança regional, no cenário mundial. Nos primeiros dez anos da missão, o Brasil teve um custo líquido de R$
1,5 bilhão com a Minustah, a mais malsucedida aventura da política externa
brasileira neste século.
Ricardo Seitenfus, o gaúcho que
representou a Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e
2011, é um crítico da Minustah, para ele, uma
das piores missões da ONU. “O
desafio haitiano é socioeconômico e institucional. Não há como estabilizar um
país com 80% de desemprego e com um Estado que é muito mais uma ficção do que
uma realidade. A missão no Haiti é uma das piores missões de paz da história da
ONU. Se saírem em 2016, deixarão um país pior do que encontraram em 2004. Até o
cólera foi levado para lá. Essa intervenção foi triste e pesarosa. Nada
melhorou”. “Cada dia que passa nos desgasta mais. Gasta-se um capital imenso de
reconhecimento e respeitabilidade”.
Já imaginaram se, naquela ocasião, os alertas
feitos e as tendências apontadas pelas doutrinas sobre o emprego
das forças armadas no mundo globalizado do pós-Guerra Fria, indicando a
necessidade de adaptação aos novos cenários onde a guerra convencional daria lugar
aos conflitos assimétricos, tivessem anulado “a reação”, não
custa repetir, “de os militares aceitarem a substituição de antigas motivações
por outras de maior credibilidade”?
Já imaginaram se tivéssemos
enfrentado, vinte anos atrás, este problema que hoje aterroriza o Rio de
Janeiro e que está se propagando, como metástases pelo país? Alertas e ideias
não faltaram como já foi visto.
Transcrevo trecho do meu livro “Os
militares e a guerra social” (Artes e Ofícios, 1994) que trata sobre a ocupação
dos bolsões de miséria pelas Forças Armadas, com uma proposta singela, mas
viável.
“A proposta é que os
bolsões de pobreza passem a ser considerados “área de segurança”, sob controle
das Forças Armadas. Não para combater o pobre, maior vítima da guerra social,
mas a pobreza. Para libertar o pobre das amarras da pobreza. Libertá-lo do
domínio do crime organizado, nos cinturões de miséria e nas favelas das grandes
cidades. Libertá-lo do jogo de políticos corruptos que usam a miséria como
forma de intermediar verbas para preservar o clientelismo e os currais
eleitorais, nos bolsões que se espalham pelo Nordeste.
Seriam, os militares,
responsáveis pela execução dos programas governamentais, enquanto o Estado se
recupera da crise existencial que o atormenta. A missão seria dar rendimento
máximo às verbas, estabelecer padrões mínimos de qualidade de vida e promover a
escolarização. Resgatar para a cidadania os seus habitantes e interromper o
processo cruel de reprodução da miséria que inviabiliza qualquer projeto
nacional de desenvolvimento.
E educação seria o
alvo principal e essencial na preparação do indivíduo para o exercício da
cidadania. Seria aproveitada a experiência dos militares com o ensino básico.
Colégios militares, no formato mais singelo possível, com matrícula obrigatória
dos 10 aos 16 anos. Educar e proteger as crianças. São elas as mais afetadas
por essa guerra social. Desde os sete ou oito anos, as crianças começam a ser
forjadas para o tráfico e a ele ficam definitivamente aprisionados. Ficam
marcadas por deficiências físicas e intelectuais que comprometerão o nosso
futuro.
Campanhas educativas
para reduzir a mortalidade infantil e criação do conceito de paternidade
responsável: o direito de ter e de não ter filhos e a obrigação de criá-los.
Não podemos permitir que a miséria se propague em escala geométrica por
absoluta falta de informação e de responsabilidade.
Esta a proposta. Não
é o ideal, mas é viável. Dará um fôlego para que os problemas estruturais sejam
equacionados sem a pressão do pânico popular. É viável porque os militares
estão sensibilizados para o problema. O ex-ministro do Exército, em exposição
na Comissão de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (agosto de 1991),
reconheceu: “Somos uma Nação em guerra. Os inimigos que rodeiam são miséria, a
deseducação, a desunião, a demagogia, o paternalismo e tantas outras mazelas”.
Consolida-se, como vemos, o consenso de que essa guerra social inviabilizará o
sonho de construir , abaixo do Equador, a grande nação do século 21”.
Já
imaginaram, repita-se, se, vinte anos atrás, tivéssemos feito algo parecido? Já
imaginaram como não estaria o Rio de janeiro? Já imaginaram o prestígio que os
militares teriam?
O
que me leva a dar este alto e sonoro “BASTA!” é constatar que se passaram
trinta anos, de alertas e clamores da sociedade, entre o meu artigo “Por trás do
Urutu”, publicado, em outubro de 1987, no Jornal do Brasil e no
Correio Braziliense, em que procurava sensibilizar os constituintes para a
necessidade de se ajustar o papel das Forças Armadas às reais demandas
nacionais, em que mostrava que “Discutem o papel das Forças Armadas, mas não
veem a verdadeira guerra que está sendo travada. Nas cidades, onde já se
registram milhares de baixas para caracterizá-la. No Nordeste, onde a
incompetência e a desonestidade comprometem toda uma geração que teremos de
sustentar, pois não atingirá um estágio de desenvolvimento mental e físico que
a torne plenamente produtiva. No campo, onde os conflitos apresentam todos os
componentes de guerrilha rural. Nas invasões urbanas. Nos recentes
acontecimentos nas favelas do Rio que lembram a correspondentes da imprensa
estrangeira, os campos de refugiados de Beirute” e o momento em que o
Comandante do Exército, literalmente, lava as mãos, ao declarar que "Somos um país que está à deriva, que não sabe o que
pretende ser, o que quer ser e o que deve ser", que “Fomos
empregados na favela da Maré com efetivo de quase 3 mil homens por 14 meses. No
Alemão, 18 meses. É um emprego das Forças Armadas que não soluciona o problema”
e que “Ficou nítido na Maré, onde permanecemos por 14
meses: a operação custou R$ 1 milhão por dia, ou seja R$ 400 milhões. Quando
saímos, uma semana depois tudo tinha voltado a ser como antes”.
Para concluir fica uma pergunta: a quem a sociedade recorrerá quando as chamas do Espírito Santo se espalharem pelo Brasil, um país
mergulhado na maior recessão da sua história recente? Porque dúvidas ficam
sobre a previsão da ESG, feita em 1989: "Aí,
então, quando às polícias faltarem condições para enfrentar tal situação, o que
é razoável imaginar que ocorrerá fatalmente, os poderes constituídos poderão
pedir o concurso das Forças Armadas, para que se incumbam do duro encargo de
enfrentar essa horda de bandidos, imobilizá-los e, mesmo, destruí-los, para ser
mantida a Lei e a Ordem".
“O momento exige que os homens de bem tenham
audácia dos canalhas”, sentenciava Benjamin Disraeli,
político inglês do século XIX, conservador, que foi primeiro ministro. Seria
bom que tivéssemos a audácia dos corruptos e dos traficantes, citando somente
aqueles que mais nos atormentam, para mudar enquanto é tempo.
E nunca
esquecendo o conselho que nos deixou o excelente Roberto Campos: “Saber mudar
de inimigos é não só uma receita de sobrevivência como, às vezes, uma receita
de sucesso” (in, Reflexos do Crepúsculo).
Nota:
este blog visa debater assuntos que nos levem a construir um Brasil melhor.
Estas são ideias que exponho para se comporem com outras que poderão,
inclusive, serem expostas neste espaço, desde que versem sobre o mesmo
assunto. Basta encaminhar para o e-mail periclesdacunha@gmail.com.
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