“A esperança tem duas filhas lindas, a
indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como
estão; a coragem, a mudá-las”. Santo Agostinho
A travessia
Recentemente, o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar a grave crise que nos
assola, disse que “diante da circunstância brasileira, depois do impeachment, o
que temos que fazer é atravessar o rio” e que para isso, não temos uma ponte,
mas uma pinguela, diante da fragilidade do governo Temer. Disse mais, que
“diante da crise econômica que o Brasil enfrenta, não é possível se restringir
a pequenas coisas”, que "não temos tempo a perder” e que “temos que ter
rumo e pensar muito mais no país do que nas pequenas coisas".
Só discordo
de Fernando Henrique quanto à travessia, pois entre a situação em que nos
encontramos e o Brasil que sonhamos deixar para nossos filhos e netos não
existe uma sanga onde se possa cruzar por uma pinguela, mas um mar bravio cuja
travessia vai exigir muito sacrifício e um estadista para liderar o esforço
nacional no rumo que deve ser o mesmo para todos nós. Não só não temos mais
tempo a perder como, a cada dia, a situação mais se agrava.
E a prova
está na crise entre os Poderes que se agrava à medida que avança a operação
Lava Jato, no agravamento da crise fiscal da União, Estados e Municípios e na
recessão que afeta a todos os brasileiros.
Fixemo-nos
em um ponto que afeta a área militar: depois de manifestantes invadirem, em
meados de novembro, a Câmara dos Deputados pedindo por intervenção militar,
várias manifestações de militares circularam, entre elas destacam-se três, na
ordem da manifestação: do ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República (GSI), general Etchegoyen; do
Comandante do Exército, general Villas Bôas e do ex- chefe do Estado-Maior
do Ministério da Defesa, general Bini Pereira.
O general
Etchegoyen (Valor, 02/12/2016), não hesita: "As Forças Armadas têm hoje uma
noção perfeitamente clara do seu papel e da grandeza do Brasil". E não
acredita que haverá um “colapso do sistema político”, porque as instituições
não só não estão fragilizadas como estão suficientemente amadurecidas, “não só
funcionando como funcionando bem”, “nós temos um momento privilegiado da nossa
história”.
O comandante
do Exército, general Villas Bôas, em matéria intitulada “Exército diz que
'malucos' apoiam intervenção militar no caos político” (Estadão,
11/12/2016), disse que há "chance zero" de setores das Forças
Armadas, principalmente da ativa, mas também da reserva, se encantarem com a
volta dos militares ao poder. Admite, porém, que há "tresloucados" ou
"malucos" civis que, vira e mexe, batem à sua porta cobrando intervenção
no caos político.
Dias depois,
foi a vez de o ex-chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa, general
Bini Pereira, no artigo “Alertar é Preciso” (Estadão, 15/12/2016) abordar a
conjuntura nacional e constatar que “os adeptos da adoção de uma intervenção
militar vêm crescendo visivelmente”, segundo ele porque “as Forças Armadas
cultuam princípios e valores que não veem em outras instituições e que elas
seriam a única solução para a crise atual” e que só “não se tem conhecimento se
são adeptos de uma ação direta manu militari ou de um apoio total e
participativo num novo governo não eleito pelo voto popular”. E alerta, o
general, que, com o agravamento da crise, “o País poderá ingressar numa
situação de ingovernabilidade” e, nesse caso, “se o clamor popular alcançar relevância,
as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do
Estado e das instituições”.
O que deve
ser considerado é que o mundo mudou, o Brasil se transformou em um país mais
complexo e não cabem mais extremos do tipo taxar de "tresloucados"
ou "malucos", aqueles que só veem, como saída a repetição de 64,
porque “nós temos um momento privilegiado da nossa história” ou ficar
aguardando o “clamor popular” ou a conjugação do binômio “povo na rua” / “mídia
reverberando” (o que vem dar no mesmo), na busca da legitimidade para
intervir quando o país ingressar numa situação de ingovernabilidade,
“em defesa do Estado e das instituições”.
Não restam
dúvidas de que a credibilidade granjeada pelas Forças Armadas junto à sociedade
torna natural que o foco seja voltado para elas, em momentos de crise. Cabe, no
entanto, a nós, militares, mostrar que o mundo mudou, que o país está muito
mais complexo e que não cabem, hoje, soluções do passado.
E a solução
não passa pela “ação direta manu militari” ou pelo “apoio total e participativo
num novo governo não eleito pelo voto popular”, mas pela figura de um estadista
ou de uma estrutura que o substitua, porque esta travessia vai exigir
muita coragem e, principalmente, muita sabedoria e patriotismo.
Porque, em
caso contrário, fazendo analogia com a panela de pressão que o Comandante do
Exército, na entrevista acima citada, usou no aviso que deu ao presidente Temer
e ao ministro Jungmann: "Eu avisei (ao presidente e ao ministro) que
é preciso cuidado, porque essas coisas são como uma panela de pressão. Às
vezes, basta um tresloucado desses tomar uma atitude insana para desencadear
uma reação em cadeia".
Acrescentaria,
ao adequado exemplo dado pelo general Villas Bôas, que os “tresloucados” só se
somam a “soldos e Previdência dos militares” para aumentar a temperatura,
porque o responsável, pelo “desencadear uma reação em cadeia”, a explosão,
evento caótico, incompatível com uma instituição militar, é a falha na válvula
de segurança que, no caso, é a sensibilidade do chefe para administrar a
pressão.
Cabe um
parêntesis: por volta de 1993, convidado pela Escola Sul da CUT
(Florianópolis/SC), fiz uma exposição, na UFSC, para uns quinhentos lideres
sindicais de RS, SC, PR, sobre as preocupações que tínhamos com a próxima
eleição presidencial, com Lula e Brizola ameaçando incendiar o país, tendo como
contraponto um jornalista português que participara da Revolução dos Cravos
(Portugal, 1974) e comparava a nossa situação a uma panela de pressão, como fez
o general Villas Bôas, 23 anos depois. Mostrava que o único risco de explosão
estava na falha da válvula de segurança, na falta de sensibilidade do chefe,
cuja função inalienável é administrar as pressões, as demandas, evitando a
explosão. Disse, mais ou menos, o seguinte: “A explosão é um evento caótico e a
hierarquia vai ser a primeira a ser sacrificada. Fosse eu, um coronel, que
saísse à frente, por questão de sobrevivência, seria obrigado a eliminar todos,
como dizem os castelhanos, ‘a la derecha’”.
A herança
maldita
O mal que o
PT nos causou, nestes catorze anos de desgoverno e corrupção, é tão grande que
somente uma cirurgia reparadora poderá nos reposicionar no caminho de um futuro
melhor, pois conseguiu destroçar as bases de qualquer projeto de nação, pautado
por um Estado forte e moderno e uma sociedade dotada com um mínimo de
cidadania.
O PT
aparelhou e saqueou o Estado, desmoralizou a democracia representativa,
reprimarizou a economia brasileira, estimulou a demanda em detrimento da oferta
e criou uma massa de manobra, refém da pobreza e da ignorância, que lhe servia
de sustentação para a democracia direta que almejavam aqui implantar e que nos
levaria para um caos muito pior do que o que está destruindo a Venezuela.
Ao tentar
implementar o seu projeto de poder o PT não só nos fez perder a oportunidade de
uma inserção soberana na economia global como nos cristalizou no papel de
supridor de commodities o que deixa a economia brasileira à mercê de variáveis
totalmente fora do nosso controle.
Nos dez primeiros anos de governo do PT (2003-2012) houve um aumento significativo no preço das
commodities no mercado internacional, impulsionado pela crescente demanda
chinesa. O Brasil
surfava na onda dos altos preços das commodities e o
consequente crescimento gerou euforia e popularidade.
A ânsia de implementar um projeto que visava unicamente o poder levou o
PT a focar no consumo e se esquecer da produtividade. Optaram pelo
desenvolvimento puxado pela demanda que dá resultados no curtíssimo prazo e só
exige dinheiro, enquanto que o desenvolvimento puxado pela oferta exige, além
de tempo, investimento, capacitação e inovação.
Os
indicadores mostram que regredimos ao status dos anos de 1930, de um país
supridor de commodities com um agravante: naquela ocasião, o modelo
primário exportador, liderado pelo complexo cafeeiro paulista deu partida para
a industrialização, através de um elevado nível do investimento industrial,
enquanto que, agora, repita-se, a falta de visão destes governos do PT que,
conformados com o papel de supridor de commodities, asfixiaram a nossa
indústria, reduzindo a sua participação na economia em um perigoso processo de
desindustrialização, a reprimarização, cuja reversão se torna extremamente
complicada, pois nesta sociedade pós-industrial cada vez mais intima será a
relação entre educação e desenvolvimento.
E a nossa
Educação é sofrível, incompatível com um projeto sério de desenvolvimento. No
passado, o poderio de uma nação dependia das riquezas naturais que possuía ou
que expropriava, da sabedoria das elites e da disciplina das massas. Hoje (e
cada vez mais se acentuará) o poder de uma nação dependerá da difusão do
conhecimento, assim como da capacidade de adaptação e especialização da
sociedade, pois o trabalho não qualificado será cada vez mais desnecessário,
agravando a exclusão social. Por isso, a Educação deverá ser enfrentada como o nosso mais grave déficit de soberania, pois ditará o nosso futuro como um país protagonista protagonista neste mundo globalizado ou se reduzirá a um fornecedor de commodities sem qualquer valor agregado, um depositário de hordas de excluídos sociais.
O desemprego
tende a se tornar estrutural com o aumento da massa de desempregados, de
excluídos, com o consequente agravamento do déficit da Previdência Social e do
custo social. Não nos iludamos de que os doze milhões de desempregados voltarão
aos seus empregos com a normalização da economia. Pesquisas mostram que na
retomada do crescimento as empresas, já liberadas do ônus da demissão, somente
absorverão a metade deste contingente desempregado.
A crise profunda e a ruptura necessária
Em
entrevista (GloboNews, Miriam Leitão, out/2016), o presidente Temer, ao ser
perguntado se iria buscar diálogo com o ex-presidente Lula assegurou que “a
marca do meu governo, e eu tenho insistido muito nisso, é exatamente a ideia do
diálogo. Se eu quisesse uma palavra chave para o governo, a palavra é diálogo.
Isto significa que em um momento de crise profunda que o país está atravessando
conversar com todos os setores, com todas as pessoas é importantíssimo, aliás
muito compatível com uma tese que lancei, há bastante tempo, da reunificação do
país, da pacificação do país porque é preciso que todos se unam para, volto a dizer,
para sairmos da crise. O governo precisa de diálogo”.
Antes de o
presidente Temer reconhecer que o país está atravessando “um momento de crise
profunda” e se tornar consenso que Temer tem
um tempo muito curto para acertar, dois alertas da mesma gravidade já haviam
sido dados, pelo então presidente do STF e por um ex-presidente daquela suprema
corte.
Em palestra no CMA (Comando
Militar da Amazônia), na presença do Comandante do Exército, o presidente do
STF, ministro Ricardo Lewandovski alertava, em março de 2016: “A nação que nós
estamos construindo, general Villas Bôas, infelizmente está em perigo, estou
extremamente preocupado com o mundo que estamos vivendo hoje”. Um duro
diagnóstico dado, diretamente, pelo presidente da mais alta corte do país ao
comandante da mais expressiva das nossas Forças Armadas: A NAÇÃO ESTÁ EM
PERIGO!
Em artigo na
Zero Hora (“Dificuldades Democráticas”, 15/8/2016), Nelson Jobim, depois de
alinhar indicadores que mostram a gravidade da situação em que nos encontramos
e que ameaça inviabilizar o nosso futuro, aponta a necessidade de um
diagnóstico sobre o modelo de democracia que adotamos o que, segundo ele,
“instruirá a decisão política”, na busca do “norte para a ação política”. E,
feito o diagnóstico, deixar de enfrentar os problemas “sob o argumento da
‘falta de vontade política’” é repulsivo, porque, “há, isso sim, decisão
política de fazer ou não fazer” e “onde se diz falta de vontade deve ser
dito vontade de não fazer”, “é o que está oculto na expressão ‘falta de
vontade política’”. “Não faz porque sua vontade é outra, seja por
interesses, seja por conveniência, seja para não ter enfrentamentos, etc.”.
Em suma:
estamos atravessando um momento de crise profunda, a nação está em perigo e
devemos rever o modelo de democracia que adotamos. “O momento exige a
formulação de um “norte” e o início de sua execução”. “As dificuldades
não podem ser a justificativa para a decisão de não fazer”.
Note-se que
estes alertas não vêm dos quartéis, mas do presidente da República e da mais
alta corte de justiça do país.
O que não
temos mais é tempo a perder. A nação está em perigo, diante da profunda crise
que a assola e das incertezas do cenário internacional, principalmente, com a
eleição de Donald Trump. As previsões para o crescimento da economia brasileira
pioraram. A pressão está aumentando por todos os lados, com a Lava Jato
sufocando a classe política e causando atritos que ameaçam a estabilidade
institucional e a sociedade se angustiando ao ver o governo andar em uma
velocidade muito abaixo da exigida para não perder o controle. Seria perda de
tempo mostrar o que todos veem diariamente na imprensa.
O brasileiro
está assustado com o presente e temeroso quanto ao futuro. A falência do
Estado, incapaz de suprir as demandas de saúde pública, de segurança e de
infraestrutura. Incapaz de pagar seus funcionários, aposentados e pensionistas.
O desemprego estrutural. A deficiente educação que inviabiliza qualquer projeto
e condena massas à exclusão.
Somente uma
ruptura com as práticas vigentes poderá gerar um Estado novo que atenda as
demandas da sociedade. E esta ruptura deve ocorrer em todas as dimensões, sem
exceção. A necessária reforma política não pode ser construída pelos mesmos que
desmoralizaram a política, a ponto de causar este estado de torpor que levou,
nestas eleições municipais, a soma de votos brancos, nulos e abstenções a
vencer no 1º turno em nove capitais. Milhões que decidiram não participar,
enojados com a classe política.
Reconheçamos:
os males que nos afetam são estruturais. Nosso caso não é mais de remedinhos
caseiros, clínico geral ou pajelanças. Nosso caso é para cirurgião que, sem
qualquer interferência, tome as medidas necessárias para nos curar.
O exemplo de Margareth Tatcher
Margaret
Tatcher comandou a Inglaterra durante os anos de 1980. Até sua ascensão ao
posto máximo do governo, o Reino Unido enfrentava um período de ruidosa
decadência econômica e política, imortalizada nas imagens das greves sucessivas
dos carvoeiros e de outros trabalhadores, e dos aguerridos protestos promovidos
pelos sindicatos, que ditavam os rumos do país e o desmoralizavam mundialmente.
Nos anos
duros, permeados por grandes crises externas e mudanças geopolíticas marcantes,
a intolerância de Margaret Thatcher com a ineficiência desmantelou os grupos de
interesse que emperravam a modernização e o aumento da competitividade do país.
“Não sou uma política de consenso. Sou uma política de convicção”, dizia
ela. “There Is No Alternative”,
cujo acrônimo inglês TINA marcou a estadista que nas horas de crise assumiu o
timão e apontou que o caminho é aquele e que não há tempo para consultas.
O que mais
assombra ao relembrar as conquistas da Dama de Ferro é a profundidade das
reformas que ela promoveu em tão pouco tempo. Dez anos. Em uma década, o Reino
Unido foi da decadência à revitalização, reconquistando o espaço perdido na
economia global e na geopolítica.
Este o
exemplo que devemos seguir para sairmos dos escombros da crise atual e criarmos
as condições para que o próximo governo eleito possa iniciar a construção
daquele Brasil melhor que todos sonhamos. Este o exemplo para a travessia que
deveremos fazer que será tão ou mais turbulenta do que a enfrentada por
Tatcher, uma longa travessia em mar turbulento, para corrigir práticas que
deveriam ter sido exorcizadas, por nós, durante o regime militar.
O maior dos
óbices e que não só falta consenso como líderes convictos, líderes com visão e
determinação para transformar. A palavra chave para o governo Temer não pode
ser diálogo, mas convicção. Na crise não se busca o
consenso, mas a solução e aqui entra o estadista com a sua convicção do que é
melhor para a nação. O consenso não resiste ao fogo da polarização e do
impasse político. É preciso desmantelar os grupos de interesse que emperram a
modernização e o aumento da competitividade do país. Ninguém quer pagar para
ver. Margaret Thatcher, por mais polêmica que fosse, pagou para ver.
Aqui no
Brasil, parece que queremos pagar para ver. Contudo, queremos pagar para ver o
que não deveria ser visto. Enrijecemos as leis trabalhistas do país, indexamos
o salário mínimo permitindo que o rendimento médio do trabalhador cresça acima
da produtividade da economia, dificultamos os investimentos em infraestrutura
por meio de políticas econômicas desconjuntadas e do excesso de
intervencionismo do governo.
E tudo isso
agravado por uma das mais graves crises morais que, este pais, já sofreu.
Resta, pois, ao governo Temer uma única missão: a travessia.
A dura
realidade, repetindo FHC: "Não temos tempo a perder. Temos que ter
rumo e pensar muito mais no país do que nas pequenas coisas". Temer
não deve deixar que a marca de seu governo seja o MEDO de parecer ser aquilo
que querem taxá-lo: golpista. A sua marca só pode ser a da CORAGEM. “There
is no alternative”, como dizia a Dama de Ferro.
E se
deixarem o tempo passar, sem dar uma resposta à sociedade, o caos se instalará.
Basta ver o que está acontecendo por todos os cantos do país com ocupações de
escolas, prédios públicos, bloqueios em rodovias e com bolsões onde o Estado
nem mais detém o domínio do território e que já transformaram o Rio de Janeiro
em um imenso queijo suíço. E se agregarmos a isso, o agravamento da crise
econômica com as incertezas do efeito Trump, veremos que estará formado o cenário
perfeito para o surgimento de um salvador da pátria para vocalizar a indignação
da maioria silenciosa, pelas urnas ou pela força. E o tsunami da Odebrecht já
começa a causar danos terríveis no já complicado cenário político.
A vitória de
Trump simbolizou a rebelião desta maioria silenciosa, cansada de sofrer a
opressão de minorias que acham que a democracia é a supremacia das minorias,
que os seus direitos devem prevalecer sobre tudo e todos e que à maioria
silenciosa cabe unicamente acatar os direitos dessas minorias, mesmo que em
detrimento dos seus. A rebelião da maioria silenciosa para dizer que ela,
maioria silenciosa, também tem os seus direitos e quer ser respeitada,
repita-se, mesmo se tiver que ser pela força. O Brasil não resistiria a mais um
salvador da pátria.
Paradigma: Mãos Limpas
Gianni Barbacetto, um dos autores de “Operação Mãos Limpas – A verdade
sobre a operação italiana que inspirou a Lava-Jato”, em entrevista na Zero Hora
(15/10/2016) foi enfático ao responder se a Operação Lava-Jato provocará uma
nova era na política brasileira: “Isso não depende do Poder Judiciário, mas da
política. É preciso, no entanto, que a
nova política realmente não tenha compromisso com o sistema anterior”. “A política deve ser renovada, caso contrário
se muda a aparência, mas continua tudo como era antes”. “No Brasil,
porém, parece-me que desde o início o sistema continua como antes e será apenas
Lula a pagar”.
Estamos muito interessados em que a camarilha do PT seja entregue aos
cuidados do juiz Moro, mas e o resto? O que não se pode é cair na armadilha que
está transformando o PT e o Lula no boi de piranha para deixar a velha política
fazer a travessia incólume, no melhor estilo preconizado em "Il
Gattopardo", de Lampedusa, que trata de uma família nobre cujo
brasão ostenta o animal referido no título do romance, destacando-se Don
Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina, no contexto do Risorgimento. Talvez
o trecho mais memorável do livro seja o discurso do sobrinho de Don Fabrizio,
Tancredi, o arruinado e simpático oportunista príncipe de Falconeri, incitando
seu tio cético e conservador a abandonar sua lealdade
aos Bourbons, do Reino das Duas Sicílias e aliar-se
aos Saboia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles
nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que
tudo mude”.
Já nos
livramos, com o afastamento de Dilma Rousseff, de cair na armadilha de fazer a
reforma política, através da convocação de uma Assembleia Constituinte
Exclusiva, com a única atribuição de reformar o sistema político-eleitoral.
Estávamos
sendo atraídos para esta armadilha da radicalização da democracia com a isca de
ser esta a única forma de se chegar a uma mais intensa participação popular,
porque a representação política foi desmoralizada pelo presidencialismo de
coalizão, base do projeto de poder do PT, que provocou, não só um amplo
aparelhamento do Estado brasileiro como, segundo a corregedora do TSE, a "completa
distorção no sistema da democracia representativa”, com políticos
desmoralizados e principais partidos ameaçados de cassação por irregularidades
financeiras cometidas nas prestações de contas eleitorais.
Livramo-nos
da democracia direta com um partido único, suportado por uma massa de
manipulados, mas não podemos cair na outra armadilha, a preconizada por
Falconieri, de deixar que a velha e viciada política comande a travessia que a
indignação da sociedade está exigindo, travessia para um Brasil melhor para
todos nós, todos, sem exceção, para, no fim continuar como era antes. E esta
armadilha tanto pode ser de as reformas necessárias passarem pelo balcão de
negócios do Congresso Nacional, com Temer ou pela eleição direta de outro que
ficaria ainda mais comprometido com este presidencialismo de coalizão que quase
nos afundou.
Para não
cairmos em armadilhas seria muito sensato darmos uma mirada para o nosso
passado e de lá trazermos a experiência para sairmos desta crise que ameaça o
nosso futuro.
O Poder
Moderador
Durante o Império, a Constituição de 1824 previa quatro poderes
(art.10): “o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder
Judicial”; no seu art. 11 rezava que os “Representantes da Nação Brazileira são
o Imperador, e a Assembléa Geral” e no art. 98 definia o Poder Moderador como “a chave de
toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como
Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente
vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais
Poderes Politicos”. Em suma, cabia ao Imperador interpretar as “as
necessidades da nação brasileira”.
No Brasil, a evolução natural de uma sociedade de notáveis, passando por
uma sociedade de classe média para desaguar em uma sociedade de massas, foi
balizada por duas rupturas: 1930 e 1964.
A sociedade de notáveis começou a se diluir com a proclamação da
República, mais precisamente, com a Carta de 1891, que decidida a expurgar a
influência despótica da política nacional, instituiu a independência dos três
poderes e cometeu a insensatez de eliminar o Poder Moderador e o Conselho de
Estado, através do qual o Imperador influenciava os demais.
Deixava de
existir o Poder Moderador, um dos quatro poderes
de Estado instituídos pela Constituição Brasileira de 1824, onde a vontade
expressa do imperador tinha preponderância sobre os outros três poderes
comumente
estabelecidos, Legislativo, Executivo e Judiciário. Ou
seja, o Poder Moderador, assessorado pelo Conselho de Estado, traçava o rumo e
interferia nos demais poderes para corrigir desvios da vontade expressa do
Imperador que, acima dos interesses e mesquinharias partidárias, zelava
imparcialmente pela nação e, para isso, contava com as suas forças armadas.
O idealizador do conceito de Poder Moderador foi o pensador suíço
Henri-Benjamin Constant de Rebeque (1767–1830). Segundo sua concepção, a função
natural do poder real em uma monarquia constitucional seria a de um mediador neutro, capaz de resolver
os conflitos entre os três poderes instituídos e também entre as facções
políticas: “Poder legislativo, executivo e judiciário, são três molas
que devem cooperar, cada uma de sua parte, para o movimento geral; mas quando
essas molas desconcertadas cruzam-se, chocam-se e estorvam-se mutuamente é
necessária uma força que as reponha em seu lugar. Esta força não pode estar em
nenhuma dessas molas, porque lhe serviria para destruir as outras, é necessário
que ela esteja fora, que seja neutra de alguma sorte, para que sua ação se
aplique por toda a parte onde é necessário que seja aplicada, e para que seja
preservadora e reparadora sem ser hostil”.
Na República Velha, “a vontade expressa do Imperador” foi substituída
pelos interesses das oligarquias rurais, os notáveis, que começaram a apontar o
rumo, mas que, no início dos anos de 1920, começaram a ser confrontadas pelo
Tenentismo que culminaria nas Revoluções de 1922, de 1924, da Coluna Prestes
nesse mesmo ano, e, ao final do período, na Revolução de 1930.
Os Tenentes combatiam a hegemonia dos grupos políticos vinculados a essas
oligarquias rurais, propugnavam por uma reforma
constitucional, capaz de trazer critérios
mais justos ao cenário político nacional, liberdade dos meios de comunicação,
um poder Executivo com atribuições restringidas, maior autonomia ao Poder
Judiciário e moralização no Poder Legislativo.
No bojo deste movimento já se sentia a falta do Poder Moderador, capaz
sempre de corrigir o rumo, para que não se desviasse do traçado, mas se
pergunta, traçado por quem? Antes quem traçava este rumo era o Imperador com o
seu Conselho de Estado, os notáveis, mas e, agora, quem poderia dizer quais as
“necessidades da nação brasileira” e quem poderia impor a correção de rumo aos
demais poderes? Quem ficaria na gávea, para apontar os desvios de rumo e quem
acionaria os três poderes para que, harmonicamente, corrigissem a rota da
caravela Brasil? Antes, o Poder Moderador do Imperador, assessorado pelo
Conselho de Estado, com o respaldo das Forças Armadas; na República Velha, as
oligarquias rurais ditavam o rumo, confrontadas pelo Tenentismo e, agora, nesta
sociedade de classe média que se iniciava com a Revolução de 30?
A Revolução de 30, foi feita para interromper a sociedade de notáveis
que impedia o surgimento de um federalismo conduzido por um governo central e o
surgimento das bases de uma sociedade de classe média, com a transição de uma
economia agroexportadora para uma economia industrial. Getúlio
enfrentou a “crise de 29”, com coragem e vontade política para instaurar uma
política de defesa da renda e do emprego, o que exigiu a reconstrução do Estado
nacional e desencadeou o início do processo de industrialização. Com a vitória
da Revolução em outubro de 1930, percebeu que a execução das profundas
transformações sociais que constavam da pauta revolucionária tenentista,
formada nas Revoluções de 1922, de 1924 e na Coluna Prestes, somente se
viabilizaria com o fortalecimento do Estado para impor a industrialização do
país, a partir da concentração industrial forjada pelo complexo cafeeiro
paulista, com a acumulação de capital gerada, na década de 1920.
A
Constituição de 1934 consagrou, no seu artigo terceiro, que os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário, são, dentro dos limites constitucionais, independentes
e coordenados entre si e, no artigo segundo, o princípio de que
"Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, o poder
político, óbvio, mas continuava a pergunta: como
expressar a vontade do povo sem o voto secreto e pautado por episódios de
fraude e corrupção, onde predominava o voto a cabresto?
Continuaríamos, como justificou Getúlio em seu pronunciamento de
10/11/1937 (trechos sem descontextualização), quando deu o
golpe do Estado Novo, a ter o poder
político exercido por quadros políticos que “permaneciam
adstritos aos simples processos de aliciamento eleitoral”, visto que “tanto os velhos partidos
como os novos, em que os velhos se transformaram sob novos rótulos, nada
exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de
predomínios localistas, a serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos
e nas combinações oportunistas em torno de objetivos subalternos".
A
Constituição de 1937 foi imposta, segundo consta no seu preâmbulo, “atendendo às
legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social” e, entre
outras justificativas, “com o apoio das forças armadas e cedendo às
inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas
diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem
processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas”, “resolve
assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência,
e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições
necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando
a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País”,
cujo artigo primeiro reza que “O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em
nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e
da sua prosperidade”.
Novamente: quem iria interpretar “as necessidades da nação brasileira”?
Aqui Getúlio
definiu: diante da “inércia do quadro político tradicional e a
degenerescência dos partidos em clãs facciosos”, cercou-se de
um seleto conjunto de auxiliares cujo poder se sobrepunha ao do próprio
ministério e era incumbido de deliberar sobre assuntos estratégicos de governo,
a necessária massa crítica para governar. Este grupo recebeu o nome
de Gabinete Negro e se considerava uma espécie de supremo guardião do
espírito revolucionário. Cabia a ele ser o grande intérprete das necessidades,
sentimentos e aspirações da sociedade, auxiliando Getúlio a dirigir o país. A
legitimidade desse grupo, no entender dos seus componentes, advinha da
responsabilidade com que se autoinvestiam de encarnar a vontade coletiva, a
consciência nacional. Entre os principais integrantes deste grupo estavam o
general Góes Monteiro, comandante militar da Revolução de 1930; o general Leite
de Castro, ministro da Guerra; Oswaldo Aranha, José Américo de Almeida, Pedro
Ernesto e Virgílio de Melo Franco; e os tenentistas João Alberto e Juarez
Távora.
O poder político que emana do povo seria exercido pelo Gabinete Negro,
em nome do povo e no “interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua
independência e da sua prosperidade”, diante, repita-se, da “inércia
do quadro político tradicional e a degenerescência dos partidos em clãs
facciosos”, com o apoio das Forças Armadas, como consta no preâmbulo
da Carta Magna de 37.
Saliente-se: só
teremos um Exército forte, unificado e isento de influências políticas, antiga
aspiração dos chefes militares, quando voltarmos a ter na Constituição o PODER
MODERADOR, com as Forças Armadas, como seu braço armado.
A ausência
do Poder Moderador é que tem causado o desgaste dos militares, desde o início
do século XX, pois têm que se desviar do objetivo que é, desde sempre, a
construção de um Exército forte, unificado e isento de influências políticas,
para, no dizer de Benjamin Constant, desenganchar as molas desconcertadas dos
três poderes, de uma forma que “seja preservadora e reparadora sem ser
hostil”. Ou nas palavras de um velho general, “até quando ficaremos neste
papel de, quando em quando, voltar a fazer a mesma coisa, limpar o chiqueiro?” (O necessário protagonismo militar,
25/3/2016).
Diante
disso, não se pode concordar com o ministro Dias Toffoli que, em recente
palestra, disse que “na República foi o Exército que, chamado para intervir em
diferentes situações de impasse político, acabou assumindo esse papel, mas com
o golpe de 1964 e a ditadura o quadro mudou: os militares quiseram ‘se achar os
donos do poder’ e se desgastaram com isso. Com o desgaste dos militares, porque
eles deixaram de ter autoridade moral de ser o poder moderador das crises da
federação brasileira, quem acaba por assumir é o Poder Judiciário. Ao final do
regime, em 1985, eles haviam perdido esse papel de poder moderador. Houve um
divórcio claro entre os militares e as camadas mais populares”.
Não se pode
concordar porque o Exército nunca exerceu o papel de poder moderador. O que ele
exerceu, durante o Império, foi o papel de braço armado do Poder Moderador e o
fez exemplarmente. E o desgaste dos militares não se deu “porque eles
deixaram de ter autoridade moral”, como alega Dias Toffoli, mas pela
prolongada exposição no poder.
Faltou, no
entanto, no regime militar, a visão estratégica, aos chefes militares de que o
país precisava de um Poder Moderador e de lideranças fortes para fazer a
consolidação de um regime democrático, com um projeto de nação e uma
representação política que expressasse “as necessidades da nação brasileira”.
O resultado
foi que, ao se retirarem do poder, em meados dos anos 80, os militares deixaram um vácuo, um país sem um poder moderador, com um
deserto de lideranças, em todas as áreas, exceto o ovo da serpente que
chocaram: o líder que faltou, em 1964, e que veio liderar esta república
sindicalista em que estava, novamente, se transformando o Brasil e que nos fez
regredir aos anos de 1930, tanto política como economicamente: Luis Inácio Lula
da Silva.
Em
consequência desta ausência de lideranças, a Constituição de 1988 foi forjada
com os olhos no passado, não por uma assembleia de cidadãos, escrevendo um
projeto de nação, mas por uma massa de políticos cujo descrédito foi se
acentuando até atingir o mais elevado estágio da rejeição com este
presidencialismo de coalizão em que elites do poder econômico negociaram uma
aliança que lhes rendeu lucros nunca antes amealhados, à custa do aparelhamento
do Estado por um partido cujo único objetivo era implementar um projeto de
poder garantido por uma massa de manobra estacionada na zona de conforto das
benesses públicas.
A Carta
Magna em vigor, reza, que “todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”. Poder político, obviamente.
Isto
significa que a influência da vontade do povo na atuação do Governo, a chamada
soberania popular, nos termos do art. 14, "será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa
popular".
E qual é
este povo cuja vontade vai eleger governantes, parlamentares e exercer a
soberania popular, através de plebiscito, referendo ou de demandas de
iniciativa popular? A massa de manobra que foi formada com as benesses do Bolsa
Família e que elegeu Lula e Dilma e que ameaça eleger novamente Lula, apesar de
toda a roubalheira que patrocinou.
1937 x 2017
Na Crise de
1929, a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, havia espalhado uma forte
crise econômica pelo mundo afora, atingindo fortemente a economia brasileira que
só ia bem quando as grandes potências industriais tinham condições de consumir
os produtos agrícolas brasileiros.
O
descontentamento com o desemprego e as dificuldades financeiras aumentou a
pressão sobre um governo dominado por oligarquias que se revezavam através
de eleições fraudulentas, com um eleitorado “à cabresto”, gerando a consciência
de que somente a intervenção do Estado poderia provocar a migração de uma
sociedade de notáveis para uma de classe média, de uma economia essencialmente
agrícola e exportadora de commodities para uma economia autossustentada, com a
implementação de um parque industrial autônomo e sustentador da própria
economia, abrindo o caminho para a industrialização com leis trabalhistas e uma
previdência social.
Hoje, depois
das bravatas da marolinha, ainda sofremos as consequências da Crise do Subprime
americano, de 2007, que contaminou a economia mundial e expos as nossas
fragilidades.
Como se
constata, são muitas as coincidências entre os cenários dos anos de 1930 com o
que estamos vivendo: reprimarização da economia, desemprego, desenvolvimento
condicionado a reformas estruturais, falência de Estados e Municípios, educação
incompatível com as demandas, alto grau de rejeição da classe política e um
eleitorado “a cabresto”.
“Na vida
das Nações”, ensina Goffredo Telles Júnior (O poder do povo, 2002), “o
poder político ora é o poder que os próprios governantes se atribuem, ora é o
poder emanado dos governados. No primeiro caso, o poder político é o poder da
pura força, da força armada, com que os governantes impõem,
discricionariamente, sua vontade aos governados; e o regime é autoritário e se
chama Ditadura. No segundo caso, o poder político é o poder do Governo haurido
da vontade dos governados — da vontade do Povo. E, neste caso, o regime é uma
Democracia”.
Pergunta-se:
o que fizemos nestes longos oitenta anos, no sentido de migrarmos para uma
DEMOCRACIA em que “todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, como prescreve a vigente Constituição?
Praticamente nada. Se lá nos anos de 1930 tínhamos uma massa de voto a
cabresto, agora temos a massa do Bolsa Família que, mesmo diante de todas as
roubalheiras que Lula comandou, ainda o mantém na liderança das pesquisas para
a eleição de 2018.
Veria,
Getúlio, se agora nos visitasse, cenário diferente daquele que o levou a
governar com seu Gabinete Negro, diante do mesmo quadro de “inércia do
quadro político tradicional e a degenerescência dos partidos em clãs facciosos”,
que o levou ao Estado Novo, em 1937? Diante do altíssimo grau de rejeição da
classe política, atolada na lama da Lava Jato?
O homem, ao
longo da sua história, sempre buscou o poder usando os meios disponíveis. Poder
no sentido de fazer prevalecer os seus interesses sobre os demais,
transformando-os nas “necessidades da nação
brasileira”, pela força, pela persuasão ou pela simples manipulação.
Assim foi na autocracia, do Império, na aristocracia da República Velha, na
Nova República e assim será até que tenhamos a coragem de confessar que não
vivemos em uma Democracia e tenhamos a coragem, repita-se, de lutar para lá
chegar, porque sem este diagnóstico ficaremos sempre correndo atrás do vento.
Reconheçamos,
falta muito para o brasileiro se transformar em um cidadão, condição necessária
para uma democracia. Muito teremos de fazer para atingirmos o necessário
potencial cívico para escrevermos, todos juntos, um projeto de nação que
expressará “as necessidades da nação brasileira” e que comprometa todos
com o seu cumprimento. Até lá deveremos delegar esta missão àqueles que melhor
traduzam as nossas demandas, os nossos sonhos de um Brasil melhor.
E o que
fazer, para o Brasil dar certo e nos livrarmos, de vez, de Lula e de este
projeto de poder que vem nos atormentando, com uma classe política
desacreditada, um Parlamento que funciona como um balcão de negócios, um
eleitorado enojado com políticos e com a política e uma massa de manobra que
vota, não pensando no futuro, mas nas benesses do dia-a-dia? Existe alguma
dúvida que se passarmos um pente fino não vai sobrar no Congresso o apoio
necessário e, muito menos, as lideranças necessárias para conduzir o processo
legislativo com a urgência exigida?
Existe
alguma dúvida das dificuldades para a aprovação das reformas necessárias,
dentro de este modelo de presidencialismo de coalizão, pautado pelo
fisiologismo e diante das pressões do desemprego, da inflação alta, da quebra
dos Estados e Municípios, da alucinada oposição que só tende a crescer, pelo
avanço da Lava Jato a queimar aqueles políticos que assumirem cargos de
relevância? Tudo contextualizado pela eleição de 2018 de onde se espera surgir
um salvador da pátria? Sim, o que se espera é um salvador da pátria, pois dessa
classe política que aí está, nada sairá além do que já testamos e reprovamos.
A conclusão
que se tira: além de medidas duras, indispensáveis e inadiáveis, deverá ser
feita uma reforma política, mas não por este Congresso e muito menos por uma
Assembleia Constituinte Exclusiva, com ainda pregam, petistas e aliados.
Temos
urgência em exorcizar este passado, pois estamos arriscados a perder de vez o
papel de protagonista nesta economia global, a condenar, nós e, principalmente,
as gerações futuras ao subalterno papel de coadjuvante, de mero supridor de
commodities, condenados a ver nossos filhos e netos sonharem em viver em outros
países por não verem, aqui, o local para realizar seus sonhos.
Com o
afastamento do PT do governo, Deus, na verdade, está nos dando mais uma
oportunidade de corrigirmos a rota e encaminharmos o Brasil no rumo de um
futuro melhor. Michel Temer não pode errar e, para isso, deve rejeitar este
presidencialismo de coalizão que está na origem do caos em que nós encontramos.
Mas como evitá-lo e encaminhar as reformas estruturantes para entregar ao
futuro presidente da República um país viável?
Oitenta anos
depois, repete-se quase o mesmo cenário: uma ruptura (1930 e 1964), um período
autoritário, uma nova constituição (1934 e 1988) que levou a um impasse (1937 e
2017) a exigir cirurgias reparadoras, corretivas para nos colocar na rota
daquele futuro que todos sonhamos.
No discurso manifesto de 10/11/1937 que gerou o Estado Novo, de onde
trechos são extraídos sem descontextualizar, Getúlio Vargas iniciou afirmando
que “o homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão
excepcional, de amplas repercussões e profundos efeitos na vida do País, acima
das deliberações ordinárias da atividade governamental, não pode fugir ao dever
de tomá-la, assumindo, perante a sua consciência e a consciência dos seus
concidadãos, as responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegada
pela confiança Nacional”, porque “a investidura na suprema direção dos negócios
públicos não envolve, apenas, a obrigação de cuidar e prover as necessidades
imediatas e comuns da administração. As exigências do momento histórico e as
solicitações do interesse coletivo reclamam, por vezes, imperiosamente, a
adoção de medidas que afetam os pressupostos e convenções do regime, os
próprios quadros institucionais, os processos e métodos de governo. Por certo,
essa situação especialíssima só se caracteriza sob aspectos graves e decisivos
nos períodos de profunda perturbação política, econômica e social”.
Sobre a “pobreza e desorganização da nossa vida
política”
Em duro diagnóstico,
o presidente Vargas aponta para a “pobreza e desorganização da nossa
vida política” onde “tanto os velhos partidos como os novos, em que os
velhos se transformaram sob novos rótulos, nada exprimiam ideologicamente,
mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínios localistas, a
serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações
oportunistas em torno de objetivos subalternos” e “para comprovar a pobreza e
desorganização da nossa vida política, nos moldes em que se vem processando, aí
está o problema da sucessão presidencial, transformado em irrisória competição
de grupos, obrigados a operar pelo suborno e pelas promessas demagógicas,
diante do completo desinteresse e total indiferença das forças vivas da Nação”,
pois enojados, “homens que não vivem dela (a política), mas do seu trabalho
deixam os partidos entregues aos que vivem deles, abstendo-se de participar de
vida pública”. E arremata: “É dessa situação perigosa que nos
vamos aproximando. A inércia do quadro político tradicional e a degenerescência
dos partidos em clãs facciosos são fatores que levam, necessariamente, a armar
o problema político, não em termos democráticos, mas em termos de violência e
de guerra social”.
Alguma
diferença? Pobreza e desorganização da vida política, com partidos
fisiológicos, suborno e promessas demagógicas, alienação política.
Sobre a necessidade de uma reforma do Estado
E
continua, Getúlio, registrando a necessidade de uma reforma do Estado
brasileiro porque o “aparelhamento governamental instituído não se ajustava
às exigências da vida nacional; antes, dificultava-lhe a expansão e inibia-lhe
os movimentos”. Queixando-se da lentidão da atividade legislativa que
privilegia “medidas destinadas a favorecer interesses particulares, algumas,
evidentemente, contrárias aos interesses nacionais” enquanto nas “suas
pastas e comissões se encontram, aguardando deliberação, numerosas iniciativas
de inadiável necessidade nacional” e que todos “os esforços realizados
pelo Governo no sentido de estabelecer o equilíbrio orçamentário se tornavam
inúteis, desde que os representantes da Nação agravavam sempre o montante das
despesas, muitas vezes, em benefício de iniciativas ou de interesses que nada
tinham a ver com o interesse público”.
A coragem de
mudar
Getúlio dá
um duro recado ao Poder Legislativo sobre as acomodações políticas exigidas
para a aprovação das reformas necessárias: “Tenho suficiente
experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suas
exterioridades e satisfações de caráter pessoal. Jamais concordaria, por isso,
em permanecer à frente dos negócios públicos se tivesse de ceder
quotidianamente às mesquinhas injunções da acomodação política, sem a certeza
de poder trabalhar, com real proveito, pelo maior bem da coletividade”.
“Prestigiado pela confiança das Forças Armadas e correspondendo aos
generalizados apelos dos meus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo
repouso a que tinha direito, ocupando a posição em que me encontro, com o firme
propósito de continuar servindo à Nação”.
Algum reparo
seria necessário se aplicássemos este trecho do discurso de novembro de 1937,
nos dias atuais?
“Numa
atmosfera privada de espírito público, como essa em que temos vivido, onde as
instituições se reduziam às aparências e aos formalismos, não era possível
realizar reformas radicais sem a preparação prévia dos diversos fatores da vida
social”. “Torna-se impossível estabelecer normas sérias e sistematização
eficiente à educação, à defesa e aos próprios empreendimentos de ordem material,
se o espírito que rege a política geral não estiver conformado em princípios
que se ajustem às realidades nacionais”.
É consenso
nacional: as reformas estruturantes que o país exige, para crescer, não poderão
ser aprovadas com este Congresso e dependerão da energia de um estadista (ou de
uma estrutura que o substitua), como Getúlio se revelou, do apoio da maioria
silenciosa e da confiança das Forças Armadas. Hoje, destas três condições
necessárias, somente uma, certamente, se pode contar, o apoio da maioria
silenciosa que está ansiosa para que se inicie esta travessia.
Diante desse
quadro, o presidente não vacila: “se queremos reformar, façamos, desde logo, a
reforma política. Todas as outras serão consectárias desta, e sem ela não
passarão de inconsistentes documentos de teoria política”.
Porque,
justifica, “a gravidade da situação que acabo de escrever em rápidos traços
está na consciência de todos os brasileiros. Era necessário e urgente optar
pela continuação desse estado de coisas ou pela continuação do Brasil. Entre a
existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e desordem em
que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização”.
Aqui Getúlio
conclui: ou continuar deste estado de coisas até que se estabeleça o caos ou
criar as bases sobre as quais se possa construir um projeto de nação, sem meio
termo. “Entre a existência nacional e a situação de caos, de
irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio
termo ou contemporização”. “Restauremos a Nação na sua autoridade e
liberdade de ação”, arremata o presidente Vargas.
Como se
verifica, muitas são as interseções entre os cenários de 1937 e o que se
vislumbra para o do ano de 2017 que desponta.
Hoje,
como oitenta anos atrás, enojados com a política, pela corrupção que aflorou do
Mensalão e da Lava Jato, “os homens que não vivem dela mas do seu trabalho
deixam os partidos entregues aos que vivem deles, abstendo-se de participar de
vida pública”.
Recentemente, Flávio Tavares (Zero Hora,
8/10/2016), comentando sobre o alto índice de votos brancos, nulos e abstenções
que somaram um terço do eleitorado, bem expressa este estado de torpor que se
apossou do brasileiro: “Mais do que desesperança, aí está a desolação geral.
Sem doutrina nem programas, quase todos os partidos se reproduzem como coelhos
em jaula. Vazios, guiados pela publicidade, como se o voto fosse igual e vender
pasta dental ou cerveja, a meta passa a ser o poder pessoal para obter vantagens
não alcançadas pelo trabalho honesto” e arremata “Se já não podemos
acreditar em ninguém para nos governar, é sinal que caminhamos para o abismo”.
É para
evitar este abismo que está a nossa frente, que se está sugerindo um passo
atrás, porque, como dizia Margareth Tatcher: “There is no alternative”. Um
passo atrás para reestabelecer a democracia dos representantes ou um passo a
frente, um salto no escuro da democracia direta, o abismo do bolivarismo.
Temer: a coragem de um passo atrás para ser o Estadista da Travessia
Concordo com
Mangabeira Unger, para quem “o que está em jogo é afirmação nacional fundada
na coesão nacional. Não há salvação nacional sem afirmação nacional. Não há
afirmação nacional sem rebeldia nacional. Não há rebeldia nacional fecunda sem
que a rebeldia se alie à imaginação institucional”.
Salvação nacional,
coesão nacional, afirmação nacional, rebeldia nacional, imaginação
institucional: a conjugação pode ser traduzida pela máxima de Santo Agostinho,
lá em cima citada: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a
coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem,
a mudá-las”.
A sociedade
está indignada, não aceita mais este estado de coisas e espera que Michel Temer
tenha a CORAGEM de mudar, dedicando-se
integralmente a esta travessia, até a eleição do próximo presidente da
República, liderando uma cirurgia reparadora para formatar um ESTADO NOVO,
ágil, parceiro da iniciativa privada, indutor do desenvolvimento nacional. Como
recomenda Mangabeira Unger: “Alternativa transformadora começa
em mudanças de regra e regime, em inovações institucionais, que não
custam dinheiro. Custam ideias”.
Para mudar,
na velocidade que a crise exige, só com “mudanças de regra e regime”. Somente
com uma cirurgia poderão ser implementadas as reformas que sabemos necessárias
e inadiáveis, mas que não serão feitas pela absoluta falta de coragem dos
governantes e de cidadania da nossa representação política.
Neste contexto,
muitas vezes, um passo atrás, planejado e inserido em um projeto de nação, vale
muito mais do que dois ou três apressados passos à frente, mas que logo poderão
nos arremeter a anos de escuridão.
O que nos dá esperança é sentir que o Presidente está consciente disso e
do papel que a Historia lhe reservou: o de ESTADISTA DA TRAVESSIA, para que
passe, ao próximo presidente eleito, um Brasil viável, com as reformas
estruturantes aprovadas e encaminhadas.
Michel Temer
já tinha reafirmado (Estadão,
4/7/2016) que o que não faltará é vontade
política para realizar as reformas que a situação exige: "A
partir de um certo momento, tomaremos medidas, digamos assim, impopulares. As
pessoas me perguntam se temo propor medidas impopulares. Digo, não, porque meu
objetivo não é eleitoral. Se eu ficar dois anos e meio e conseguir colocar o
Brasil nos trilhos, não quero mais nada da vida pública". E prometeu a um
seleto grupo de empresários que não será candidato à reeleição.
Só uma cirurgia reparadora
Mas este “certo tempo” a que Temer se refere, para dar início às
“medidas impopulares”, tem que ser AGORA, não pode passar do AGORA
porque uma das variáveis mais rígidas deste processo é o tempo, pois não
temos mais para perder. As demandas geradas pelo (des)governo do PT e que
geraram a indignação que levou ao impeachment, se não tiverem uma pronta
resposta, se voltarão contra ele.
Já se
arvoram aqueles que querem descartar Temer e substituí-lo por outro, através de
eleição indireta, mas que já começaria comprometido com os muitos conchavos que
seria forçado a fazer para amealhar os votos neste Congresso de vendilhões, no
melhor estilo do sobrinho de Don Fabrizio, em "Il Gattopardo", de
Lampedusa: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos
submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que
tudo mude”.
AGORA, porque a paciência se esgotou e a crise começa a aflorar por
todos os lados e cada vez ficará mais difícil de implementar as reformas
necessárias. Por isso a necessidade do passo atrás, com a criação de uma assembleia de notáveis, um CONSELHO DA REPÚBLICA, a
massa crítica capaz de decisões urgentes e de suportar as reações que só
tenderão a aumentar com o passar do tempo. As dificuldades que se
previam muitas, se multiplicarão e se agravarão a cada titubeada.
E, importante, se contar com o apoio das Forças Armadas que poderão,
trinta anos depois, reparar a omissão de terem se afastado do poder deixando a
nação sem poder moderador e sem as lideranças necessárias para encaminhar um
projeto de nação.
Sobre as cirurgias necessárias
A seguir Getúlio mostra que “para reajustar o
organismo político às necessidades econômicas do País e garantir as medidas
apontadas, não se oferecia outra alternativa além da que foi tomada,
instaurando-se um regime forte, de paz, de justiça e de trabalho. Quando os
meios de governo não correspondem mais às condições de existência de um povo,
não há outra solução senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação” o que
vem ao encontro da recomendação de Mangabeira
Unger: “Alternativa transformadora começa em mudanças de regra e
regime, em inovações institucionais, que não custam dinheiro. Custam ideias”.
E continua
Getúlio: “Circunstâncias de diversas naturezas apressaram o desfecho desse
movimento, que constitui manifestação de vitalidade das energias nacionais
extrapartidárias. O povo o estimulou e acolheu com inequívocas demonstrações de
regozijo, impacientado e saturado pelos lances entristecedores da política
profissional; o Exército e a Marinha o reclamaram como imperativo da ordem e da
segurança nacional”.
A mensagem
do presidente Getúlio Vargas foi clara: a gravidade da situação exigia medidas
duras e urgentes, que só poderiam ser implementadas por um governo forte para
enfrentar interesses contrariados de poderosas corporações, apoiado pela
opinião pública e pelas Forças Armadas. Alguma diferença da crise que nos
afeta?
E concluindo
seu manifesto: “Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação:
na sua autoridade, dando-lhe os instrumentos de poder real e efetivo com que
possa sobrepor-se às influências desagregadoras, internas ou externas; na sua
liberdade, abrindo o plenário do julgamento nacional sobre os meios e os fins
do Governo e deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino”.
E o que
devemos nós fazer para restaurar a Nação, na sua autoridade e liberdade de
ação?
Como
cidadão, tenho não só o direito como o dever de propor o que penso ser o melhor
para o meu país. Fosse minha a decisão, começaria, como Getúlio, pela reforma
política, limpava a casa, através da intensificação da operação Lava Jato e da
estruturação das bases para um quadro de servidores públicos de alta
eficiência, atacava a maior preocupação do brasileiro, a segurança, para reduzi-la
a níveis civilizados e encaminharia uma solução de longo prazo para transformar
o ensino, de uma vergonha nacional no alicerce deste Brasil melhor que
sonhamos, através da valorização do professor, capacitando-o e pagando salários
condizentes com a importância da missão.
A reforma política
A
experiência da operação Mãos Limpas (Itália) mostra que a Operação Lava-Jato somente provocará uma nova era na
política brasileira se for feita uma reforma política que não tenha compromisso
com o sistema anterior. Nosso sistema político está falido,
totalmente desmoralizado e incapaz de gerar uma efetiva reforma política. E não
temos mais tempo para perder.
Victor
Faccioni, que foi Deputado Federal Constituinte (RS) defende com entusiasmo que
qualquer solução para a crise brasileira passará por uma efetiva reforma
política: “em síntese, o mínimo e adequado para reanimar nosso Sistema
Político, desafogar o Executivo e fortalecer a nossa democracia, tal reforma
deveria iniciar pelo Sistema de Governo, para descompactar as duplas funções da
Presidência, com a Chefia de Estado e a Chefia de Governo”.
Faccioni
detalha a sua proposta:
“Para
isso teríamos o Presidencialismo com Poder Moderador, adotado por Portugal e
França, onde o Presidente da República, eleito pelo voto direto do povo, não
acumula a Chefia de Estado com a Chefia de Governo que o engessa, mas tem uma
tríplice e decisiva missão: compor o Governo, seu Ministério, desde o
Primeiro-Ministro para a Chefia de Governo, passível de demissão pelo
Parlamento ou pelo próprio Presidente; exercer o Comando Supremo das Forças
Armadas e da Segurança da Nação; e, em nome da Nação, comandar e promover a
Política Externa. Diferente do Parlamentarismo de Raul Pilla na eleição direta
do Presidente e na ampliação de suas funções. No Presidencialismo puro, que
virou “imperial”, a Medida Provisória debilitou o Legislativo, que urge se
revitalizar para o bem da Democracia”.
E segue o
ex-deputado federal gaúcho:
“Voto
Distrital Misto, modelo Milton Campos: quando era Deputado, apresentei Projeto
de Emenda Constitucional (PEC n. 89/91) que foi arquivado. Creio, seria mais
adequado que o Modelo Alemão, ou mesmo, o Distritão. No Modelo Milton Campos, o
Estado dividiria as Eleições Parlamentares por Distritos, em número equivalente
à metade das vagas; em cada distrito seria eleito o candidato mais votado,
sendo que os menos votados se classificariam com os votos obtidos no Distrito
para as vagas proporcionais, como hoje”.
“Com a
campanha restrita a cada Distrito Eleitoral, o candidato ficaria mais próximo
do eleitor e mais transparente suas ações de campanha, o custo e a prestação de
contas e o exercício do mandato. Sua atividade parlamentar, depois de eleito,
também ficaria mais transparente perante os eleitores do distrito que o elegeu”.
“Estas
propostas contemplam o desafogamento do Executivo, o fortalecimento dos
partidos e o Sistema Político-Democrático Nacional, melhorando o Sistema
Eleitoral, resolvendo o esvaziamento do Legislativo e o exagerado custo da
Campanha Eleitoral dos moldes atuais”.
Complementaria
com a criação de um Conselho da República que formasse com o presidente Temer a
massa crítica necessária para conduzir a travessia e que se extinguiria com
este governo, ficando seus membros inelegíveis por um período de governo. E acrescentaria
algumas medidas que são um consenso nacional: adoção para valer da lei da ficha
limpa, cláusulas de barreira visando a criação de um espectro político com, no
máximo, cinco partidos políticos, legislação rígida sobre financiamento de
campanha e a instituição do recall, a prerrogativa de cassar o mandato do
seu representante.
Esta,
apenas, uma sugestão. Que se reúna um grupo de juristas e políticos que tenham
como único objetivo o interesse nacional e não escusos interesses próprios ou
de grupos. Que se façam os ajustes necessários, mas que tal legislação oriente
a próxima eleição, pois não temos mais tempo para perder.
Neste
contexto, repita-se, muitas vezes, um passo atrás, planejado e inserido em um
projeto de nação, vale muito mais do que dois ou três apressados passos à
frente, mas que logo poderão nos arremeter a anos de escuridão.
E o que mais
deveria ser feito nesta cirurgia para restaurar “a Nação na sua
autoridade e liberdade de ação: na sua autoridade, dando-lhe os instrumentos de
poder real e efetivo com que possa sobrepor-se às influências desagregadoras,
internas ou externas; na sua liberdade, abrindo o plenário do julgamento
nacional sobre os meios e os fins do Governo e deixando-a construir livremente
a sua história e o seu destino”?
O que mais,
se fosse feito, contaria com o apoio irrestrito da maioria silenciosa que,
indignada, já não aceita mais as coisas como estão e exige alguém com a coragem
para mudá-las?
Intensificação da Operação Lava Jato
Intensificar a
Operação Lava Jato, através da abertura de novas frentes, de forma que se
possa, acelerar o processo de separação do joio e do trigo, respeitando o
Devido Processo Legal e as garantias individuais. Para que o próximo presidente
assuma com a Lava Jato encerrada.
A Matriz Salarial Única
Os
servidores do Estado estão divididos em castas com tratamento absurdamente
desigual, o que causa uma série de desajustes na prestação dos serviços
públicos e que é uma das causas da deterioração das instituições do Estado.
O vácuo
aberto pela ausência do Poder Moderador, associado à popularidade granjeada com
o sucesso da operação Lava Jato e com o descrédito da classe política que
“chegou ao fundo do poço da degradação”, guindaram o Poder Judiciário e o Ministério
Público a uma posição de super poder, com poderosas corporações a lhes dar
suporte o que gerou uma casta privilegiada no universo dos servidores do
Estado.
“Segundo
assessores presidenciais, o governo concorda que Judiciário e Ministério
Público não podem estar acima da lei e precisam ser submetidos a determinadas
regras para evitar abusos, mas debater o assunto hoje só contribui para acirrar
ânimos” (UOL, Valdo Cruz, 1/12/2016).
“Procuradores
do MP assumindo protagonismo excessivo” (Zero Hora, Editorial, 18/12/2016).
Durante a
discussão sobre a PEC do Teto (PEC 241), questionado (Zero Hora, 15/8/2016)
sobre “governo corta auxílio-doença, mas aumenta salário de ministro do STF”,
o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, rebateu: “A proposta é do Supremo,
que tem autonomia. O governo não tem nada a ver com isso”. O governo não
tem nada com isso, mas tem que arcar com custos incompatíveis com a receita.
No caso da
PEC 241 e pacote anticorrupção, o Judiciário com o apoio do Ministério Público,
jogou com as corporações afetadas pelas medidas de contenção, pressionando o
Congresso para votar de acordo com a sua vontade e o presidente da República
para vetar, no caso de aprovação. Como avaliou o Palácio do Planalto, virou uma
“marcha da insensatez”, para piorar ainda mais o clima de tensão política.
Se não
enquadrarmos, agora, o Judiciário e o Ministério Público poderemos ter aquilo
que Rui Barbosa dizia ser a pior das ditaduras, a ditadura do Poder Judiciário,
pois, alertava ele, “contra ela, não há a quem recorrer”. Judiciário e o
Ministério Público, com os procuradores assumindo um protagonismo excessivo,
não podem estar acima da lei e precisam ser submetidos a determinadas regras
para evitar abusos. “O Judiciário tem de ser colocado no devido lugar”, constata
o ex-presidente OAB/RJ, Wadih Damous.
E este
enquadramento somente poderá ser feito com o irrestrito apoio da maioria
silenciosa, para uma corajosa cirurgia, não permitindo que os méritos da luta
anticorrupção, cujo ícone é a Lava Jato, sejam usados para consolidar uma casta
de privilegiados que impede o surgimento de uma classe de servidores do Estado,
compatível com o Brasil que sonhamos.
Inconcebível
que Estados falidos abriguem como a isso se refere a colunista de Zero Hora
(13/12/2016) na matéria “Judiciário, uma ilha protegida da crise”: “No mesmo
dia em que os servidores do Executivo receberam um depósito de R$ 1,5 mil,
oitava parcela do salário de outubro, juízes e desembargadores foram
contemplados com o pagamento de atrasados do auxílio-alimentação. Valor
do depósito para quem tem direito aos cinco anos de benefício: R$ 57.210,90,
segundo fontes extraoficiais, pagos em folha suplementar. Por se tratar de
verba indenizatória, sobre os auxílios moradia e alimentação não incide Imposto
de Renda”. Segundo a mesma matéria, trata-se de determinação do CNJ, atendendo
a pedido da Associação dos Juízes do RS (Ajuris). E as poderosas corporações
saem em defesa apontando para a eficiência como retorno dos privilégios
auferidos.
A tabela
mostra os salários absurdos do Judiciário quando se considera que, de acordo
com a Constituição Federal, nenhum funcionário público pode ganhar mais que um
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). É o chamado teto salarial do
funcionalismo, fixado em R$ 33,7 mil (2015). Absurdos em relação aos demais
servidores de Estados que estão, literalmente, quebrados.
Enquanto
isso, o portal do Ministério da Educação mostra o valor do piso salarial do magistério, para o ano de 2015: R$
1.917,78.
A ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, em 10/11/2016,
em um evento, em Goiânia disse que “Um preso
no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês e um estudante do ensino médio custa R$ 2,2
mil por ano. Alguma coisa está errada na nossa Pátria amada”. Concordo com
a ministra, alguma coisa está errada na nossa Pátria amada. Um país
em que aqueles que cuidam do passado (Judiciário) ganham dezenas de vezes mais
do que aqueles que cuidam do nosso futuro (professores) não pode, mesmo, ter
futuro. E esta é uma das muitas coisas erradas que deverá ser corrigida, se
quisermos ter futuro.
“O Brasil é a República dos Advogados: às carreiras jurídicas, tudo; às
outras, incluindo profissionais de saúde e educação, as migalhas e o custo do
ajuste fiscal” (Rosane de Oliveira, Zero Hora, 18/11/2016).
Parodiando
as poderosas corporações que medem eficiência pelo valor do que ganham, o que
poderemos esperar daqueles que formam os nossos filhos e netos, se medirmos
eficiência do ensino pela mesma régua?
A
flexibilidade do princípio da Separação de Poderes está na sua própria razão de
ser. Ela deve ser adaptada a todas as realidades. A independência entre os
poderes não pode ser confundida com autonomia administrativa e financeira
ilimitada. Não pode ser usada para criar castas no serviço público e prejudicar
o nosso futuro.
Os recursos
para o custeio das despesas vêm da mesma fonte, o Tesouro Nacional. Se as
funções de arrecadar e pagar são do Executivo a ele deve caber a função de
estabelecer uma matriz salarial única para todos os servidores do Estado.
O que esta
Matriz Salarial Única vai inserir são as funções (cargos) definidas por cada um
dos poderes dentro de patamares que mantenham os três poderes independentes,
mas harmônicos, nos termos do art. 2º/CF88.
Todos são iguais perante a lei e a lei vale para todos. E os direitos
adquiridos? O tempo vai ajustando todos dentro da matriz. Executivo,
Judiciário, Legislativo, MP e outros. Aí saberemos quais as equivalências entre
as funções.
Uma revolução no Ensino Básico
O futuro do
Brasil passa pela decisão estratégica de colocar a Educação no centro do projeto de
nação, única forma de mudar o rumo do País de uma vez por todas, esta a
ponte entre o presente incerto e um futuro compatível com o Brasil que
sonhamos. “There is no alternative”, como sentenciava Tatcher, é urgente,
é inadiável, é prioridade.
Qualificar o
nosso Ensino Básico (Fundamental e Médio), por um currículo ajustado às nossas
necessidades e pela qualificação do professor, através de um plano de carreira
que gere atratividade, para que tenhamos os melhores na formação do Brasil do
futuro. Sem um plano de carreira que qualifique e valorize aqueles que
cuidam do nosso futuro, não teremos a mínima chance de recuperarmos o tempo
perdido.
Inconcebível
que aqueles que cuidam do futuro estejam lutando por um piso nacional de menos
de R$ 2 mil, migalhas do que ganham aqueles que tratam do passado, juízes e
procuradores. Que se exija qualificação, mas que se remunere de forma que a
carreira atraia os melhores, pois, dependerá muito deles, os professores, o
futuro do país.
Porto Alegre, 21/12/2016